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Oficiais da agência de combate às drogas do governo americano prendem traficantes se passando por integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Repetidas vezes…

Reportagem
13 de abril de 2012
12:00
Este artigo tem mais de 11 ano

Por Aaron Mehta

Em março de 2008 foram feitas negociações importantes entre o traficante de armas Viktor Bour e dois supostos integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) identificados como Carlos e Ricardo.

Durante a conversa, eles não escondem suas intenções: “Nós queremos começar… Matando pilotos Americanos” diz Carlos a Bout,  e pergunta sobre armas para assalto, rifles sniper e mísseis superífice-ar.

Bout não tardaria a descobrir, quando o encontro de negócios no Hotel Bangcoc Sofitel terminou com a sua prisão, que nenhum dos dois homens era realmente das FARC. Ao contrário, eles eram agentes pagos pela agência de combate às drogas do governo americano (DEA, na sigla em inglês).

A prisão de Bout causou grande repercussão no país na semana passada. Mas não se falou muito no fato de que o DEA conduziu não só uma grande prisão sob o disfarce de FARC, mas pelo menos quatro nos últimos seis anos. A estratégia repetida sugere duas possibilidades: aqueles no mundo do tráfico de drogas e armas são bem menos informados e preocupados do que sugerem suas imagens na cultura pop ou o DEA é particularmente bom em enganar suas vítimas com um padrão convincente de revolucionários anti-imperialistas empenhados em atingir os Estados Unidos.

Todos os casos seguem um padrão similar. O DEA prepara agentes ou operadores e os coloca em contato com traficantes de armas. Depois de um tempo, o traficante combina o comércio com os agentes – geralmente são armas “em troca de drogas fabricadas pelas FARC” (o Departamento de Justiça diz que as FARC produzem mais da metade da cocaína do mundo). Uma vez que o negócio é alcançado, os agentes do DEA apanham o suspeito e arranjam o julgamento.

Operações-FARC de sucesso:

Antes de 2008, o alvo de maior interesse era Monzer al-Kassar, um traficante de armas com um longo histórico de apoio a terroristas. A ação usando falsos representantes das FARC que o pegou foi em 2007, levando a sua prisão na Espanha e à sua extradição. Ele recebeu uma sentença de 30 anos de prisão

Em Fevereiro de 2010, o DEA trabalhou em outra armadilha para capturar Paul Mardirossian, um sueco que tinha concordado em vender para os falsos agentes da FARC granadas e rifles AK-47 – as armas seriam para atacar uma base militar dos EUA. Mardirossian se disse inocente e sua sentence é esperada para Maio, agora.

Mais tarde naquele ano, o ex-oficial do exército salvadorenho, Hector Antonio Martinez-Guillen, concordou em trocar armamentos para um ataque contra americanos para um “representante das FARC” por drogas. Martinez-Guillen foi sentenciado a 31 anos de prisão.

Por que a artimanha tem funcionado tão bem? É algo que surpreende inclusive Michael Braun, ex-chefe de Operações do DEA que ajudou a coordenar as operações que capturaram Al-Kassar e Bout.

“Nós tínhamos usado [a armadilha das FARC] para Al-Kassar e funcionou bem,” lembra. “Quando chegou a Bout eu fiquei preocupado – `por que estamos usando o mesmo esquema? Qual o risco?’ Mas quando eu falei com os agentes responsáveis pela operação, fez sentido  continuar a usar esta tática”. Parte dessa decisão, diz, veio da suposição que “Bout não acreditaria que pudéssemos usar o mesmo plano”.

O testemunho de Kathi Lynn Austin, chefe do Projeto para Consciência de Conflitos – que apoia iniciativas anti-armas – no julgamento de Bout, revelou que tanto Carlos como Ricardo são veteranos do tráfico da Colômbia e da Guatemala; Carlos já havia sido contratado pelo DEA como suposto oficial das FARC no caso de Kassar.

Braun, que deixou a agência em 2008 e não participou das operações que prenderam Mardirossian e Martinez-Guillen, acredita que as FARC são um ótimo bode expiatório: “A realidade é que eles precisam e sempre precisarão de armas” diz. “Eles precisam de munição, explosivos, peças para aeronaves”. E com o controle deles sobre o tráfico de drogas, diz, fica fácil acreditar que as FARC teriam o dinheiro necessário (ou drogas para troca) às mãos para negociar.

Kathi Lynn acredita que o DEA está conduzindo essas operações para expandir território. Ela diz que no passado o DEA e a CIA frequentemente discordavam sobre quem teria a jurisdição em relação a traficantes, com a CIA sempre saindo na frente. “Eu acho que é o DEA saindo de baixo de outras agencias e se auto afirmando.”

Rusty Payne, porta-voz do DEA, disse não saber quantas outras operações de armadilha estavam relacionadas às FARC mas acrescentou que todas as operações que a agência organiza tem a ver com drogas. “A missão do DEA é desmanchar redes de tráfico de drogas”, disse ele ao Center for Public Integrity. “Nós não levantamos de manhã e pensamos que precisamos pegar mais traficantes de armas. Nós vamos onde as investigações e a inteligência nos levam e nestes casos nós aproveitamos uma oportunidade e felizmente fomos bem sucedidos.”

Mas as operações de armadilha não conseguem resultados perfeitos. Os alvos tipicamente acabam sendo presos por planejarem novos crimes, não por crimes que eles cometeram no passado. No caso de Bout, por exemplo, ele só poderia ser acusado por aquela única tentativa de vender armas para os falsos agentes das FARC, mesmo que esse caso em particular tenha levado a outras quatro acusações distintas – conspiração para matar cidadãos estadunidenses, conspiração para adquirir e usar mísseis anti-aeronaves e conspiração para fornecer material de apoio a um grupo terrorista.

Enquanto o governo poderia ter trazido outras acusações contra Bout – o Estado apresentou queixa sobre vendas de armas passadas no memorando de apresentação ao juiz – fazer isso sem fortes provas de conduta ilegal prejudicou o caso. O DEA optou pelo que foi considerado uma condenação segura, como processar um mafioso por infrações da legislação tributária.

Operações de armadilha também significam que se existe o confisco de bens do requerido, nenhuma parte desse dinheiro vai para as vítimas de seus crimes passados – então se a família de alguém foi morta devido as ações de Bout, eles não verão um centavo do seu volumoso acúmulo de bens confiscados pelo governo.

Legalmente, estas operações continuam em ação. Em 2011, um tribunal de apelações confirmou o uso delas para capturar traficantes de armas. Mas existe o risco de que as armadilhas se mostrem insuficientes para os juízes. Austin afirma que Bout pegou sentença minima, apesar de ter oferecido uma venda muito maior que al-Kassar, Mardirossian ou Martinez-Guillen. “O tribunal está ficando cansado do mesmo padrão de preseguição” argumenta.

E também há o impacto potencial de toda a publicidade dada ao caso Bout no futuro. “Eu acho que outros traficantes de armas irão pensar duas vezes antes de cair nesse mesmo tipo de armadilha,” diz Austin, “e isso fará com que eles não confiem em clientes em potencial”.

Tudo bem para Braun. “Existe um certo grau de psicologia de guerra acontecendo nesses casos” conclui. “Pense nisso. Se você fosse um traficante de armas, nesse exato momento, você gostaria de vender suas armas para as FARC?”

Clique aqui para ler o original em inglês. Tradução por Jessica Mota

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