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Da Redação

Até onde vai o Beacon?

Anunciado em setembro do ano passado pelo ex-editor do Facebook Dan Fletcher, o site Beacon promete ser uma nova forma de apoiar repórteres independentes nos Estados Unidos. Mas ele está longe de decolar.

Da Redação
29 de abril de 2014
14:24
Este artigo tem mais de 9 ano

beacon

A proposta do Beacon é simples: eliminar a mediação com o público, criando uma linha direta de doações para cada um dos jornalistas. O site, que chegou a ser comparado a um “Netflix” de jornalismo, tem mais de 60 repórteres em 30 países, na maioria free-lancers que escrevem sobre temas pouco cobertos como a faixa de Gaza, os conflitos no Iêmen ou os impactos do agribusiness no México. Tudo em inglês, claro.

A aposta do Beacon é fortalecer o jornalismo que não tem apelo para as publicações industriais: enquanto essas buscam as massas – e os milhões de clicks –, a ideia é fomentar a cultura da publicação por interesses, ou por autor. Cada jornalista tem seus assinantes próprios que, a um custo de US$ 5 por mês, podem ler também tudo o que os demais jornalistas publicam no Beacon.

Os autores do Beacon recebem um pagamento bastante justo: das assinaturas mensais de US$ 5, US$ 4 (80%) vão para eles. São eles que escolhem, também, quantos textos e de que tipo vão publicar por mês – além das fotos, manchetes, títulos. Não existe a figura do editor, ou outro tipo de mediação com o público além do layout moderno e os recursos básicos do proprio site (que é basicamente um “publicador”) .

“Eu fiquei atraída pela proposta porque tem algumas histórias que gostaria de escrever e sei que as pessoas gostariam de ler, mas que tenho muita dificuldade em publicar em algum veículo”, me explicou Jean Friedman-Rudovski, jornalista americana que faz parte do Beacon desde o seu lançamento. “Nem sempre a decisão dos editores se baseia na qualidade da história e no potencial interesse dos leitores”.

Jean é uma notável repórter independente que durante sete anos viveu na Bolívia, cobrindo política e economia sulamericana para veículos como The New York Times, Foreign Policy e a revista Time. Foi ela quem revelou, ao canal ABC Univision, que voluntários dos PeaceCorps e bolsistas da bolsa Fullbright foram sondados pela embaixada americana na Bolívia para espionar cubanos e bolivianos ligados ao governo de Evo Morales. No último ano, produziu uma chocante reportagem para a revista Vice sobre os estupros-fantasmas em uma comunidade menonita na Boliviaimperdível.

Para ela, o que mais pesou foi mesmo sua paixão pela profissão. “Eu senti que era incrivelmente importante apoiar novos modelos para fazer jornalismo. Nossa profissão está, sendo otimista, em um “limbo” e, sendo pessimista, em uma completa bagunça. A maioria dos veículos de mídia dá cada vez menos prioridade à cobertura internacional, e quando eles querem algo, é somente certos tipos de histórias, o que é muito limitante. Raramente pagam as despesas. E tudo isso é uma porcaria”.

No entanto, o Beacon ainda está longe de decolar. Embora anuncie que “todo mês pagamos milhares de dólares para jornalistas”, a organização não revela quantos assinantes tem. No final, cabe aos próprios autores buscarem seus próprios “assinantes”, o que é uma das apostas do Beacon, pois garante mais braços trabalhando pelo empreendimento coletivo – porém, com pouco aporte da organização nessa “campanha”.

Jean, que hoje vive no Vietnã, nunca teve um blog, e buscou seus “assinantes” iniciais numa gigantesca lista de mailing que coletou ao longo dos últimos sete anos como independente. “Eu sabia que pelo menos alguns destes amigos e colegas estariam dispostos a pagar por reportagens de qualidade”. Os jornalistas mais bem-sucedidos – como a própria Jean – têm entre 60 e 100 assinantes. Ou seja: ganham, no máximo, cerca de US$ 400 por mês. Não é muito. Tavez o formato possa ser viável no caso de jornalistas que já têm um contato forte com o público – um blog, uma coluna, uma poderosa conta no twitter. Mas aí fica a pergunta: por que eles migrariam para o Beacon?

Por ora, o futuro do projeto depende de construir uma comunidade forte, tanto de leitores quanto de jornalistas que apoiem e ajudem a espalhar a ideia. Um notável (e corajoso) passo nesse sentido tomado pelo Beacon é a página “Pay me please”, na qual freelancers publicam os “calotes” dados por veículos de imprensa que atrasaram, ou não pagaram, o que lhes era devido. O texto é bem direto: “As organizações de mídia geralmente são ruins em pagar jornalistas pelo trabalho que fazem. (…) Se você levou um calote em um frila, compartilhe os dados do trabalho abaixo”, convida.

A lista já tem mais de 80 casos de calotes, dos quais apenas 10 foram pagos, a posteriori. É um triste retrato de como a indústria da notícia trata mal seus trabalhadores (o que não é uma exclusividade do contexto brasileiro): estão listados nomes como Al Jazeera, Rolling Stones, Fox News, BBC – é mais fácil buscar que grande veículo não está ali. Um bom argumento pra quem acredita que está na hora de reinventar o financiamento do jornalismo.

Vai lá: https://www.beaconreader.com

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