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Demitidos pelo governo, pressionados pelas multas e esquecidos pela torcida, 42 metroviários abrem debate público para mostrar suas razões

Reportagem
3 de julho de 2014
09:00
Este artigo tem mais de 9 ano

“Temos muito respeito e responsabilidade com o que fazemos. Essa responsabilidade é transmitida para cada parafuso, para cada vidro. É inconcebível depredar nosso local de trabalho”, afirma Celso Martins, 30 anos, trabalhador desde os treze. “A gente sabe o que é transportar quatro milhões de pessoas por dia. Quem não sabe o que é isso é o governador, que anda de helicóptero”, critica, indignado, reagindo à fala do secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, que acusou os demitidos de “vandalismo” ao anunciar as demissões por justa causa de 60 trabalhadores, depois reduzidas para 42.

Afastado do serviço desde fevereiro de 2012, quando entrou no programa de reabilitação do INSS, Martins ainda assim participou da greve e dos piquetes na estação Ana Rosa – e acabou demitido pela Companhia do Metropolitano de São Paulo. Como os colegas, tomou conhecimento da demissão através de dois telegramas pelo Metrô – o texto era o mesmo para todos, ainda que o governador Geraldo Alckmin houvesse informado ao Jornal Nacional que as demissões seriam analisadas caso a caso.

Celso Martins, 30, foi um dos demitidos em consequência da última greve dos metroviários de São Paulo. Foto: Mídia NINJA
Celso Martins, 30, foi um dos demitidos em consequência da última greve dos metroviários de São Paulo. Foto: Mídia NINJA

O primeiro telegrama informava o desligamento do trabalhador “com fundamento no artigo 482, alínea b da Consolidação das Leis do Trabalho [incontinência de conduta ou mau procedimento] e no artigo 262 do Código Penal [expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento]”. O efeito, porém, foi o oposto do esperado: após realizar uma fiscalização a respeito das demissões, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), representante do Ministério do Trabalho em São Paulo, autuou o metrô em R$ 8 mil reais por prática antissindical constatando não haver provas apresentadas em relações às acusações.

“Eles alegam a justa causa de 42 trabalhadores, mas não comprovam”, diz o auditor fiscal do trabalho, Renato Bignami, em entrevista à Pública por telefone. “Citaram para mim um artigo do Código Penal, no entanto, não há prisão em flagrante e nenhum processo penal aberto contra esses trabalhadores”, explica Bignami, lembrando ainda que, como os metroviários são “empregados públicos”, “deveria ter tido algum processo administrativo disciplinar anterior à rescisão contratual, coisa que também não houve”.

Na tentativa de descaracterizar a “prática antissindical” constatada pela supervisão, apresentando dados mais concretos sobre os atos que justificariam a demissão, o Metrô enviou um segundo telegrama, tentando detalhar as acusações aos demitidos. Mas, segundo os metroviários, as alegações da companhia continuam não correspondendo aos fatos.

“Eles especificaram quatro estações: Ana Rosa, Tatuapé, Cecília e Brás [onde teriam ocorrido o vandalismo]. Essas quatro pra todo mundo. No meu caso foi o caso de Ana Rosa, que eu estava realmente no primeiro dia. E o segundo foi no Tatuapé. Nesse caso, eles falam de um horário em que eu não estava, eu fui bem depois”, conta Raquel Amorim, 26 anos, segurança do metrô há três e uma das dirigentes sindicais demitida.

Raquel também explica o que, em sua visão, realmente teria ocorrido nas estações: “Nosso piquete se intensificou porque os supervisores são obrigados pela empresa [a trabalhar]. E eles têm um treinamento por ano para operar trem. Então, imagine uma pessoa que não tem intimidade com o trem, que tem um treinamento por ano, operar um trem… E se acontece alguma coisa, eles que serão responsáveis”, diz.

Tays Calhado, metroviária há três anos, estava nos piquetes no metrô Ana Rosa, e presenciou a violência policial. “A gente ficou durante a madrugada toda na estação Ana Rosa, conversando com a polícia. A própria polícia disse que apoiava a nossa greve, mas também disse que quando viesse a ordem de cima, não ia ter como segurar”, relembra a metroviária, que não foi demitida. “A gente sempre fez muitas greves e nunca teve uma ação tão truculenta, dessa forma”.

Violência policial e perseguição política

“A greve é conflitiva por natureza. Você não faz uma greve como você reza uma missa. É um ambiente muito permeável para que ocorram excessos – que é o que o Metrô alega, que ocorreram excessos dos grevistas. Pode até ser verdade. Mas eu tenho certeza que também ocorreram excessos do Metrô e do governo. A gente ouviu falar de cavalaria, de borrachada, o que na minha ótica também é um excesso”, pondera Bignami.

O auditor fiscal do trabalho destaca que alguns dos trabalhadores demitidos estão diretamente ligados ao movimento sindical que deflagrou a greve. “É uma perseguição, um ato desproporcional, porque o Metrô já tinha a seu favor uma sentença do Tribunal Regional do Trabalho e na sentença não se falava em demissão desses trabalhadores”, explica Bignami. (Leia mais aqui).

Já no segundo dia de greve, a vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Rilma Hemetério, havia concedido liminar que determinava a manutenção de funcionamento de 100% do Metrô nos horários de pico e 70% nos demais horários, estabelecendo multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento à liminar. A sentença a que Bignami se refere foi promulgada no dia 8 de junho, quarto dia de greve, também pelo TRT-2, declarando a greve abusiva e determinando multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento. O Metrô havia pedido a antecipação do julgamento.

Esse valor se somou à multa diária de R$ 100 mil por dia de greve determinada anteriormente pelo Tribunal, num total de R$ 900 mil reais em multa. Como o Sindicato dos Metroviários teve suas contas bloqueadas em R$ 3 milhões, readequados para R$ 900 mil, o aperto financeiro dificulta a ajuda aos 42 trabalhadores demitidos, que ainda lutam pela readmissão.

“É complicado, porque foram 11 diretores sindicais, mas o restante não são diretores, são cipistas [membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] e o restante são trabalhadores que estavam exercendo seu direito de greve e foram demitidos. Diariamente eles não são ativistas, militantes… São muitos pais e mães de família. Tem metroviário que acabou de ter um filho, pessoas que tinham muitos anos de metrô”, conta Raquel.

Além da programação de atos públicos pela readmissão dos metroviários, o Sindicato também age pelas vias legais, através de recursos administrativos, e estuda a abertura de um processo contra a Companhia do Metropolitano de São Paulo.

Enquanto isso, os demitidos…

A mesma sentença do TRT-2 determinou reajuste salarial de 8,7% (índice sugerido pelo Metrô, os trabalhadores reivindicavam 12,2%). Mas, embora tenha sido acatada pelo Sindicato, ainda não foi assinado o acordo entre a Companhia Metropolitana (Metrô) e o órgão sindical, como explica Dagnaldo Gonçalves, operador de trem e metroviário há 26 anos, e um dos diretores sindicais afastados para apuração de falta grave.

“A gente vai continuar em campanha para tentar reverter essa situação. O que significa ser afastado para apuração de falta grave? Você não tem salário, você não tem assistência médica, você não tem nada. Mas já falaram pra gente: fica tranquilo que quando você voltar recebe tudo. Tudo bem. Então eu pago minhas dívidas quando voltar, né?”

Dagnaldo lembra que não é a primeira vez que o Metrô demite grevistas. O mesmo ocorreu em 2007, em decorrência de uma greve de três dias para exigir que a participação dos lucros da empresa fosse igualitária e não proporcional ao salário do cargo (nessa lógica, ainda vigente, quem tem maior salário, ganha maior participação nos lucros). “O Tribunal, além de não conceder essa reivindicação pra gente, mandou que a gente retornasse imediatamente [ao trabalho]. Depois disso, pra nossa surpresa, o metrô demitiu 61 companheiros e até hoje boa parte deles não voltaram. Inclusive a gente tem 18 que de 2007 até hoje ainda não homologaram”, explica. “Foi a mesma prática, se não, pior. Porque a gente acatou a decisão da Justiça e ele demitiu. Dessa vez, nós não acatamos a decisão da justiça e ele demitiu”.

Em 2009, a Organização Internacional do Trabalho determinou a readmissão ou a indenização dos então 61 trabalhadores e cinco dirigentes sindicais demitidos pelo Metrô de São Paulo. “Deve-se outorgar uma indenização adequada para reparar os danos sofridos e prevenir a repetição de tais atos no futuro, o que deve significar uma sanção suficientemente dissuasiva contra os atos de discriminação antissindical”, afirmava a decisão.

Sobre a greve recente, a advogada do Sindicato dos Metroviários, Eliana Lúcia Ferreira, destaca mais um fator a ser levado em conta: “Como demitir gente tão qualificada e com tanta experiência? Porque estão lutando por um metrô melhor. A luta não era só por salário e condições de trabalho. Era, em especial, também para que o metrô seja público, de qualidade e gratuito pra população. Não é uma pauta econômica, é uma pauta social. Acho que é isso que realmente causa tanta retaliação, porque eles não conseguem discutir o metrô como uma pauta social”, diz.

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Metroviários exigem transporte “padrão Fifa” na greve que ocorreu em junho. Foto: Mídia NINJA

 

Resposta do Metrô de São Paulo

 

A Pública procurou o Metrô para esclarecer questões apontadas pelos entrevistados para esta reportagem, entre elas:

 

– Os demitidos relatam que receberam duas cartas, em datas diferentes, informando da demissão. Por que foi necessário o envio de dois comunicados a cada pessoa?

 

– Como foi feita a investigação das infrações que justificaram as demissões? Como se chegou aos demitidos em questão?

 

– Houve processo administrativo anterior às demissões? Quais foram as conclusões? Se não, por que não houve?

 

– Houve ou há processo penal com a condenação dos demitidos, anterior às demissões? Se não, como se justifica as demissões de acordo com violação ao código penal?

 

– Como o Metrô responde à auditoria feita pela Superintendência Regional do Ministério do Trabalho de São Paulo, que consideraram estas demissões como prática antissindical?

 

– O Metrô estuda a readmissão destes demitidos em junho?

 

– Em relação à determinação da OIT de 2009, que pediu a readmissão dos dirigentes sindicais e trabalhadores demitidos em 2007, depois da paralisação que realizaram em agosto daquele ano, como o Metrô agiu? Esses 61 funcionários e 5 dirigentes sindicais foram todos readmitidos por iniciativa do Metrô ou do governo do estado?

 

Em resposta a todas a essas perguntas o Metrô enviou nota afirmando “que as demissões dos 42 funcionários foram motivadas por abusos cometidos por estes durante o período de greve, fundamentadas em provas documentais e objetivas. Vale ressaltar que a Justiça do Trabalho considerou a greve da categoria abusiva por ter sido praticada em desacordo com a Lei de Greve, que estabelece as formas pelas quais o direito constitucional deva ser exercido”.

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