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Reportagem

O dia em que Cunha voltou à Câmara

Depoimento ao Conselho de Ética marcou retorno do parlamentar ao Congresso desde que foi afastado do mandato pelo STF

Reportagem
19 de maio de 2016
18:36
Este artigo tem mais de 7 ano

“Sofro as consequências dos meus posicionamentos.” O desabafo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ilustra o tom do depoimento dado pelo presidente afastado da Câmara dos Deputados ao Conselho de Ética, nesta quinta-feira (19). Acusado de ter mentido à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, em março de 2015, quando negou possuir contas no exterior, Cunha responde por isso a processo que pede a sua cassação. Aos seus primeiros julgadores – os conselheiros – o peemedebista repetiu exaustivamente que possui um truste na Suíça, não uma conta bancária, e se esforçou para destacar as diferenças entre os dois para, assim, convencer os colegas de que não mentiu à CPI.

Primeiro a falar na reunião, amparado por uma pilha de documentos de dois palmos de altura e pelo advogado Marcelo Nobre, Eduardo Cunha logo adiantou que não responderia por outros fatos, como a Operação Lava Jato, mas que se ateria à suposta mentira. Disse acreditar que a representação no conselho é de natureza política. Aparentemente ansioso, balançando as pernas, disse que há um “jogo político” contra ele, inclusive no repúdio às manobras de aliados do peemedebista que protelaram os trabalhos a ponto de o processo se tornar o mais longo da história do conselho.

Cunha se queixou das “diversas nulidades e irregularidades” que teriam sido cometidas no decorrer dos trabalhos no Conselho de Ética, e do tratamento desdenhoso dado a deputados que, de alguma forma, o ajudaram no colegiado. “Sempre que se recorria, havia a tentativa de caracterização como manobra, com o objetivo de gerar um desgaste público”, disse. Em seguida, informou que pedirá uma nova substituição da relatoria, hoje a cargo do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), por este pertencer ao mesmo bloco parlamentar de Cunha. Com isso, seriam anuladas algumas etapas e o processo voltaria ao mesmo ponto de algumas semanas atrás.

Truste?

Sobre o ponto central do processo – a existência ou não de recursos no exterior –, Cunha garantiu que “nada é mais transparente do que o truste”. O deputado afastado explicou de diversas formas diferentes, ao longo da reunião, a tese de que não tem dinheiro fora do Brasil – quem teria seria o truste, não ele. “Não existe um elemento de prova que eu seja titular, proprietário de patrimônio, dono de conta ou possa movimentar conta. Não detenho conta na minha titularidade e nem patrimônio que naquele momento estivesse sob a minha propriedade”, disse. “O patrimônio não me pertence, não podia movimentar e nem sequer dispor dos bens. Considerar isso uma conta bancária, igual à que qualquer um dispõe livremente, é uma comparação absurda que não tem comprovação.”

Deixando uma provocação no ar, afirmou que haveria caminhos mais fáceis para ocultar patrimônio, caso quisesse fazer isso. “Se o objetivo fosse esse, talvez eu tivesse seguido outros exemplos e constituído uma fundação.” Apesar de ironias ou de provocações pontuais, o tom do presidente afastado da Câmara, em geral, poucas vezes se alterou.

Após a fala inicial, Cunha foi inquirido pelo relator do processo, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), entre outros pontos, sobre a origem dos recursos depositados na Suíça. Respondeu exibindo passaportes nos quais estariam carimbadas dezenas de idas ao exterior, nos anos 1980, que comprovariam viagens de negócios. Cunha se recusou a responder a perguntas sobre a mulher, Cláudia Cruz. “A minha esposa não é deputada e não está sujeita a representação no Conselho de Ética.”

Papi

Sempre combativos, os aliados de Cunha no colegiado não deixaram de se manifestar hoje. “Cumprir o regimento passa a ser crime, na Câmara Federal”, lamentou Carlos Marun (PMDB-MS) sobre o afastamento de Cunha pelo STF. O deputado foi autor de parte dos sucessivos recursos apresentados ao Conselho para protelar os trabalhos ou, como alega, para fazer valer o Regimento Interno da Câmara.

O deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS) questionou Cunha sobre notícias de que ele estaria preparando uma ofensiva contra opositores. “Eu não faria dossiês. Eu não costumo ter o hábito de ameaçar quem quer que seja” rebateu Cunha. Em outro momento, disse ainda que não quer a “extinção” dos adversários senão pela “disputa eleitoral”.

O debate em torno do conceito de truste dominou boa parte dos trabalhos, inclusive quanto à pronúncia da palavra. Em alguns casos, com a ironia demonstrada pelo deputado Sandro Alex (PSD-PR): “O truste não tem dono, não é conta, não é investimento, não é patrimônio; o truste é uma benção. É uma expectativa divina, é um dinheiro que nasce do nada, pena que não para todos os brasileiros”. “Não existe benção”, refutou Cunha.

Onyx Lorenzoni (DEM-RS) rebateu um dos argumentos usados por Cunha na fala de abertura da reunião. Para o gaúcho, assim como no impeachment, os casos do Conselho de Ética são analisados não só juridicamente, mas politicamente. “Existe uma conspiração contra o senhor? Porque, se existir, é uma conspiração planetária”, provocou Lorenzoni. Cunha disse que jamais falou em “conspiração”, mas em “contestação” do seu trabalho.

Circo

Os barracos vistos ao longo dos últimos meses no colegiado – e que resultaram em empurrões e troca de tapas – não se repetiram. O clima esquentou em alguns momentos, sobretudo quando o deputado dos confetes, Wladimir Costa (SD-PA), levantou suspeitas sobre os recursos de campanha de Júlio Delgado (PSB-MG), conhecido opositor do presidente afastado da Casa. Com um discurso teatral, Costa chamou o mineiro de mentiroso. “Isso aqui não é circo”, rebateu Delgado, indignado.

Na sua vez de falar, Delgado listou diversas manobras cometidas por Cunha, inclusive a chegada ao conselho do deputado André Fufuca (PP-MA), que assumiu uma vaga recentemente. “O deputado Fufuca chama Eduardo Cunha de ‘papi’ dentro dos corredores da Casa”, criticou o parlamentar mineiro, para quem a mudança na composição do colegiado, com a inclusão de aliados de Cunha, tem por objetivo angariar votos para livrá-lo da cassação. “Canalha” foi uma das palavras utilizadas por Fufuca para rebater a acusação de puxa-saquismo.

Próximos passos

Nesta quinta-feira foi encerrada a instrução probatória do processo promovida pelo relator, Marcos Rogério (DEM-RO). Agora, ele tem agora dez dias úteis para preparar um parecer sobre o caso, que deverá ser julgado pelo plenário do Conselho e, se aprovado pelos conselheiros, encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça, para verificação de questões formais. Em seguida, o processo segue para o plenário da Câmara dos Deputados. Antes do julgamento pelo plenário do colegiado e da Casa, a defesa de Cunha será ouvida mais uma vez.

Depois que a reunião terminou, Cunha afirmou a jornalistas que voltará a frequentar a Câmara na segunda-feira (23). “Eu estou suspenso do exercício do mandato e não do mandato”, disse. Em 5 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o parlamentar, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República. Ele pretende recorrer da decisão. Enquanto isso, disse que poderá ser encontrado no gabinete 510.

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