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Empresa internacional PwC fez milionário levantamento dos problemas do transporte com dinheiro público, mas secretário de Marcelo Crivella decretou sigilo dos resultados para evitar transparência

Reportagem
4 de agosto de 2017
13:23
Este artigo tem mais de 6 ano

Ilustração: Biba Rigo

Em meio ao fatídico mês de junho de 2013,  quando milhares de manifestantes tomavam as ruas do Rio de Janeiro para protestar contra o aumento da tarifa, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PMDB) fez uma série de promessas para melhorar o serviço de ônibus da cidade. Paes anunciou a redução da tarifa, e o Pacto pela Transparência nos Transportes, que incluía a criação do Conselho Municipal de Transportes, da Comissão Especial de Assessoramento, do site Transparência da Mobilidade e a obrigatoriedade de contratação pelos consórcios de uma auditoria externa independente. E prometeu mais. Em junho de 2014, contratou a renomada firma de auditoria internacional Price WaterhouseCoopers (PwC) para fiscalizar os contratos com as concessionárias e fazer uma revisão tarifária e estratégica de todo sistema de ônibus. O contrato, firmado com a Secretaria de Transportes do Rio, custaria R$ 11.768.000,00 aos cofres públicos, com previsão de término para o dia 12 de junho de 2016. Foi um começo pomposo para uma novela que teve um final cômico, se não fosse trágico.

Para promover uma revisão abrangente da mobilidade urbana da cidade, dividiu-se o projeto em três fases. A primeira foi um diagnóstico da eficiência e qualidade do sistema atual de ônibus. A empresa levantou e analisou todos os dados operacionais dos consórcios, da SMTR, da Rio Ônibus e outros órgãos. Além disso, a auditoria identificou problemas técnicos e de funcionamento para o sistema de bilhetagem eletrônica. Na segunda fase, a Price fez propostas de soluções e melhorias operacionais na qualidade do serviço para reduzir os custos e detalhou a estrutura organizacional da gestão de transportes no Rio. Na terceira e última fase, o contrato previa que a PwC deveria apoiar a Secretaria a implementar soluções, como modificar o atual modelo de concessão e, enfim, melhorar a qualidade e eficiência do serviço de ônibus.

Todo o trabalho está detalhado nos documentos obtidos pela Pública através de pedidos da Lei de Acesso à Informação, após uma longa batalha. O pedido, feito em fevereiro à Secretaria Municipal de Transportes, só foi atendido seis meses depois – sendo que o prazo estabelecido pela lei é de 30 dias. A Ouvidoria da secretaria justificou a demora com o fato de ter sido “necessária uma análise da PGM (Procuradoria-Geral do Município do Rio) para liberação do pedido”. A tramitação do pedido, no entanto, mostra que somente no dia 1 de junho que a Secretaria de Transporte encaminhou a solicitação para parecer da PGM.

(Baixe aqui os documentos da auditoria)

Mas isso é tudo o que se pode saber, graças a uma decisão da atual gestão, de Marcelo Crivella (PRB). Segundo o documento obtido pela Pública, Leonardo Coifman, atual subsecretário de Transportes, optou por impor sigilo aos estudos “até que os mesmos sejam concluídos e seus efeitos considerados no Sistema de maneira exclusivamente técnica, evitando os impactos negativos decorrentes de uma equivocada ou prematura interpretação por parte dos órgãos de controle externo ou mesmo dos usuários”. A justificativa é que ainda falta um trabalho adicional de levantamento, análise, interpretação e consolidação dos dados, ‘‘de modo que o fornecimento de quaisquer informações no atual status que a execução contratual se encontra torna-se nociva, uma vez que sua divulgação pode transmitir uma informação não condizente com a realidade dos fatos”. No entanto, a mesma decisão deixa claro que “considerando a ausência de dotação orçamentária para a continuidade dos serviços”, ele encontra-se suspenso.

Para Mariana Tamari, coordenadora de Projetos de Acesso à Informação da organização Artigo 19, “causa estranheza”  que a secretaria tenha decretado sigilo depois do pedido da Pública. Ela explica que, pela lei, documentos classificados devem ser restringidos mesmo dentro da administração – o que não era o caso. “O pedido da agência Pública foi feito em fevereiro de 2017. Apenas em 27 de julho foi decretado o sigilo dos documentos. Ao longo de todo este período o documento deve ter sido, portanto, tratado como um documento público, comprometendo os procedimentos legais que garantem a correta e gestão de documentos classificados”, diz.

“Além disso, relatórios de auditoria contratados para garantir a melhoria do transporte público no Rio de Janeiro deveriam estar publicizados como transparência ativa, de forma célere e integral, para garantir o controle social”, avalia Mariana. “Não se trata de um documento que coloque em risco a segurança nacional, mas sim de informações de evidente interesse público para a garantia do controle social. Classificar tais documentos só reforça a cultura de sigilo e prejudica uma administração transparente”.

A Pública vai recorrer da decisão do subsecretário.

Em um dos documentos obtidos pela Pública, é possível ver que o projeto contém três fases (Imagem: Reprodução)

Um imbróglio sem fim

O trabalho da Price chegou a ter resultados, que foram adotados na prática, segundo uma fonte da administração anterior que não quis se identificar. Mas nada é conhecido do público. Até março de 2015, segundo os documentos obtidos pela Pública, a Price chegou a concluir as duas primeiras fases. A empresa pediu uma prorrogação de seis meses, em junho de 2016, para finalizar o trabalho. Então o prazo mudou para o dia 10 de dezembro de 2016, sem aumento no valor. Até que, no último mês da gestão de Paes, a prefeitura suspendeu o contrato dez dias antes do fim do prazo. Por isso, a Price recebeu apenas 90% do valor acordado, R$ 10.610.625,00.

Ex-secretário de transporte na gestão de Eduardo Paes , Alexandre Sansão disse em entrevista à Pública que houve apenas uma suspensão de prazo para nova avaliação. Segundo ele, havia possibilidade de o novo secretário que assumisse a pasta na gestão de Marcelo Crivella (PRB) fazer um aditivo no contrato para prolongamento dos serviços. ‘‘Suspendemos o contrato para que ele não encerrasse seu prazo formal, a fim de que a nova gestão avaliasse e, caso decidisse pelo aditivo, pudesse retomá-lo’’, disse. Procurada pela reportagem, a Price informou que “não pode comentar informações confidenciais por uma questão contratual”.

Porém, o que a nova gestão decidiu foi evitar a todo custo que o público tivesse acesso às conclusões.

Muitas auditorias e nenhum resultado público

Pelo menos duas outras auditorias foram realizadas sobre os transportes do Rio – e nenhuma delas veio a público até agora.

Ainda em 2013, o prefeito Eduardo Paes estipulou até o mês de novembro para as empresas de ônibus entregarem relatórios da auditoria contatada por elas. Mas pouco se sabe sobre o resultado. Em uma reportagem da revista Exame de dezembro de 2013, o então secretário de Transportes, Carlos Roberto Osorio, informou que a auditoria das empresas foi concluída, mas o relatório não poderia ser divulgado porque os dados estavam sendo analisados.

A pedido da Prefeitura do Rio, ainda outra auditoria foi contratada pelo sindicato das empresas de ônibus, Rio Ônibus, em 2013, dessa vez com a empresa EY (a antiga Ernst & Young). ‘‘As medidas aplicadas pela prefeitura são contínuas. É um processo em permanente evolução”, disse Osorio à Exame. procurado pela Pública, o hoje deputado estadual afirmou que na sua gestão foram criados “diversos mecanismos de transparência”, como o site Transparência da Mobilidade. E criticou o fato dos dados das auditorias ainda não terem sido divulgados: “O transporte de ônibus é um serviço público e todos os dados disponíveis devem ser publicados para que haja transparência e maior controle social”, disse.

O resultado da auditoria da EY foi entregue à Secretaria de Transportes do Rio e também não foi publicado. Em maio deste ano, o estudo vazou para o jornal O Globo e foi divulgado um resultado inesperado: ele sugeria aumento da tarifa de ônibus para R$ 5,30 para atender às determinações da prefeitura para a operação do serviço. Entre as exigências, a climatização de todos os veículos da frota, o aumento do prazo de validade do bilhete único para duas horas e meia e a ampliação do direito à gratuidade para estudantes universitários. No entanto, ninguém viu a tal auditoria, além do relato publicado do jornal.

Procurada pela Pública, a Secretaria Municipal de Transportes não disponibilizou tal estudo justificando que é necessário, primeiro, finalizar a auditoria da Price. O atual secretário e vice-prefeito do Rio, Fernando MacDowell, disse à Pública que achou falho o estudo: “Não é como o da Price, que é bem mais completo, mais detalhado, com pesquisa e demonstração’’, declarou. Sobre a auditoria da Price, o secretário informou que ‘‘o pessoal está examinando os produtos’’. Mas não forneceu nem um nem o outro.

* Colaborou Luísa Lucciola

Leia também: O BRT não resolveu

Leia também: Imobiliárias podem mascarar sobrelucro de empresários de ônibus

Veja também: Como é calculada a tarifa dos ônibus?

 

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