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Como a empreiteira brasileira tornou-se sustentáculo do regime autoritário de José Eduardo dos Santos

Reportagem
22 de fevereiro de 2016
12:56
Este artigo tem mais de 8 ano

Do seu amplo escritório no oitavo andar do prédio que sedia a operação da Odebrecht em Angola, Antônio Carlos Dahia Blando observa, numa manhã de setembro de 2015, as avenidas circulares do bairro de Talatona, a zona sul de Luanda, apinhada de Toyotas 4×4 prateados que margeiam os prédios de luxo, envidraçados, ao lado dos quais um exército de gruas anuncia os empreendimentos que estão por vir. “Luanda Sul é nossa criação”, diz. Pouco antes, ao chegar ao local, o executivo solta galanteios a todas as funcionárias – faz piadinhas, beija as mãos da secretária, faz questão de tomar os braços da jornalista – enquanto avisa: “Tenho que sair às 11h30, reunião com o ministro da Administração do Território. Um homem muito bom, muito capaz mesmo”.

Dahia, superintendente da gigante brasileira em Angola, é um homem moreno, de óculos, com um sorriso suave que encarna o “espírito de servir”, mandamento número um da companhia que tem no país africano sua segunda maior operação fora do Brasil. O mandamento, ali, significa servir bem o seu principal cliente, o governo do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 36 anos. Segundo maior exportador de petróleo da África, Angola é tido como um dos países mais corruptos do mundo, tem quase 36% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, e possui a pior taxa de mortalidade infantil, ao mesmo tempo que a filha primogênita do presidente, Isabel dos Santos, é celebrada como a mulher mais rica do continente.

No país desde 1984, ano em que assinou o contrato para construir a hidrelétrica de Capanda, a Odebrecht conquistou uma invejável fidelidade do Estado angolano. Construiu muitas das principais obras estratégicas depois da independência e é, ainda hoje, a maior empregadora privada do país, com 12 mil funcionários, além de 5 mil subcontratados, segundo seu relatório anual. Em 2014, US$ 1 em cada US$ 10 dólares gastos pelo governo em infraestrutura foi parar nos bolsos da Odebrecht. “Ano passado o governo angolano investiu US$ 15 bilhões em infraestrutura. A gente teve uma atuação importante: US$ 1,5 bilhão é um número significativo, basicamente em função de projetos grandes como Cambambe, Laúca e a refinaria de Lobito”, detalha Dahia.

Cambambe é a segunda maior hidrelétrica do país, em processo de renovação e ampliação. A refinaria de Lobito traz a promessa de finalmente Angola produzir derivados do petróleo em vez de apenas exportar o óleo cru. Laúca é a cereja do bolo: maior obra de construção civil no país, promete dobrar a capacidade de fornecimento de energia. Hoje, apenas 30% da população tem luz, e mesmo assim recalcitrante, obrigando quase toda a economia a rodar à base de geradores. “A gente cresceu cerca de 30%, 35% graças aos empreendimentos da área de energia”, diz Dahia. “Mas nesses 30 anos foram os pequenos projetos onde colocamos a bandeira Odebrecht, Odebrecht, Odebrecht que fizeram a nossa história.”

Essas “bandeiras” estão por toda parte. Os varredores das ruas do bairro da Maianga, no centro de Luanda, trazem uniformes laranja com o logotipo da Odebrecht. Nos outdoors por toda a cidade, o logo ilustra anúncios de condomínios de luxo onde uma casa pode custar US$ 3 milhões para os filhos da pequena elite e diretores de multinacionais estrangeiras. Na baía de Luanda, diante das demolições de antigas favelas, ou musseques, lá está de novo a placa da Odebrecht, contratada para construir a nova avenida Marginal. Aliás, boa parte da capital foi erguida por ela: construiu as principais estradas de Luanda – Via Expressa, Estrada do Samba, autoestrada periférica – e fez o parco sistema de saneamento e distribuição de água. A rede de supermercados Nosso Super, espalhada por todo o país, é sua concessão. Ela é uma das donas da maior operação diamantífera angolana, a quarta maior mina de diamante kimberlito do mundo. É dela o único açúcar fabricado no país – da marca “Kapanda”, embalado em saquinhos brancos e vermelhos, produto da usina Biocom, uma sociedade com a estatal Sonangol e um influente general.

Dahia despede-se da reportagem lendo com candura um trecho da TEO, Tecnologia Empresarial Odebrecht, livro escrito pelo patriarca Norberto Odebrecht no século passado, a bíblia do núcleo duro do conglomerado empresarial, que ele guarda num armário do escritório, com anotações nos cantinhos das páginas. Em três volumes, a TEO versa sobre “a tarefa empresarial de identificar, conquistar, satisfazer o cliente e com este criar laços duradouros” e ensina: “O ato mais nobre de um Ser Humano é servir a seu semelhante”.

Todo ano o patrono Emílio Odebrecht se reúne com o presidente angolano no palácio, em Luanda, por cerca de duas horas para prestar contas sobre os negócios em andamento. Suas declarações à saída são assunto de manchete dos veículos oficiais. “Uma vez ao ano nos encontramos com o Presidente da República, para o ponto de situação das metas traçadas no ano anterior e perspectivar os próximos 12 meses”, afirmou ao portal Angop em setembro de 2014.

A Odebrecht integra também a Assembleia Geral e o Conselho Fiscal da Fundação Eduardo dos Santos, a Fesa, a maior ONG de Angola, fundada pelo mandatário com a missão de consolidar o progresso social, cultural e científico. Além da companhia brasileira, o conselho fiscal da fundação é integrado por três estatais angolanas e a petrolífera Texaco, entre outras. “Não vemos conflito de interesses, tendo em vista que a Fesa é uma instituição sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento do povo angolano, sob diversas vertentes, e que não está subordinada ao governo”, diz a empresa.

A parceria de longa data rendeu uma homenagem inesperada em meados de 2013, quando o reservado presidente, na sua primeira entrevista em 22 anos, citou uma – apenas uma – empresa: a Odebrecht. “De Angola saíram muitos escravos que foram enviados para o Brasil, portanto, há uma participação angolana na formação da nação brasileira. Há afinidades de vário tipo, por conseguinte há relações pessoais entre os dois países. Por isso as relações são de forte amizade, de alguma cumplicidade. E são relações econômicas que se estendem em várias áreas de atividade. Estão aqui empresas fortes, como sublinhou, como é o caso da Odebrecht, desde os tempos mais difíceis da guerra e que tem dado uma contribuição enorme no processo de construção de Angola. Participou no grande esforço de reconstrução nacional e agora tem procurado reinvestir parte do que ganha cá para realizar vários negócios que são úteis, naturalmente, para Angola.” O estatal Jornal de Angola, único diário do país, em sua versão impressa suprimiu a menção “relações pessoais” e “alguma cumplicidade”.

 

Alguma cumplicidade

“O dia foi de festa em Capanda. Nessa época do ano, ao amanhecer uma espécie de névoa encobre a barragem e as águas revoltas do rio Kwanza e cria uma atmosfera de sonho. Os que se tinham empenhado com teimosia para a realização daquele projeto faziam contas à vida e não despregavam a vista do local. Angola estava finalmente em paz e havia a perspectiva de desenvolvimento com disponibilidade de energia.” Assim o vistoso livro publicado pela Odebrecht em celebração dos 25 anos no país descreveu o enchimento do reservatório da hidrelétrica de Capanda em 2002. As cerimônias não acabaram aí; em 2005, duramente os eventos de celebração de 30 anos desde a independência, José Eduardo dos Santos e diversos ministros inauguraram a primeira fase da barragem da hidrelétrica. Cinco anos depois, em 2010, o presidente voltou para inaugurar o arranque das primeiras turbinas.

A promessa, como já se viu, não se concretizou: mais de dois terços da população angolana seguem sem luz. Mas a história de Capanda, primeira grande obra da empreiteira no país, ainda hoje é recontada em tons épicos na literatura institucional da Odebrecht.

Para ganhar o contrato, a empresa contou com apoio da ditadura brasileira durante os governos dos generais Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. “É uma empreiteira brasileira que cresceu na ditadura. O grande salto da Odebrecht foi início da década de 1970, durante o governo Geisel”, explica o historiador Pedro Campos, autor do livro Estranhas catedrais – As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar. Ele mostra que a construção das usinas nucleares de Angra valeu à Odebrecht a confiança dos generais. “São obras do escopo da segurança nacional, contratos que os militares não deixariam para qualquer um. Era a empresa em que os militares confiavam para fazer isso.”

Em 1975, o governo Geisel havia sido o primeiro a reconhecer a independência de Angola. Ao mesmo tempo, a Odebrecht começava a se internacionalizar, a partir de um contrato no Peru. Mas Capanda foi um salto e tanto: para viabilizá-la, a Odebrecht literalmente convenceu o governo ditatorial a financiar a operação.

“A superação da questão do financiamento da obra foi alcançada quando Marc Altit, que atuava como diretor de desenvolvimento de negócios na área internacional da Odebrecht, estruturou um contrato inovador, com muitas variáveis e um mecanismo de garantia: o petróleo produzido em Angola. A ideia foi apresentada ao governo brasileiro, que, embora resistisse à novidade, via com bons olhos a perspectiva de contar com uma fonte fiável de petróleo numa fase em que os preços internacionais estavam elevados e havia grande disputa pelo produto”, relata Luiz Almeida, que na época era vice-presidente de Desenvolvimento Internacional da Odebrecht, em uma publicação institucional. O atual membro do Conselho de Administração prossegue: “Em abril de 1983, o ministro Delfim – o mais importante membro da comitiva do presidente do Brasil, João Batista Figueiredo, em visita oficial ao México – fez a gentileza de me receber no hotel em que estava hospedado, em Cancún, e afirmou que, ao regressar ao Brasil, formalizaria a autorização para a operação de crédito para Capanda, a ser compensado com barter de petróleo angolano para a Petrobras.” Segundo a tese de doutorado de Joveta José, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a linha de crédito brasileira para a construção de Capanda acabou absorvendo recursos superiores a US$ 1,5 bilhão. Outros contratos semelhantes haviam sido estruturados pela ditadura no Iraque. O país enviava petróleo e recebia em troca obras de infraestrutura.

Do lado de lá, a Odebrecht convenceu o governo angolano de que seria mais proveitoso construir uma nova hidrelétrica do que ampliar a de Cambambe, já em funcionamento. “Trabalhamos para mostrar ao governo angolano que o investimento prioritário deveria ser em Capanda. Quando a decisão foi tomada, fui convidado ao gabinete do ministro do Plano, Lopo do Nascimento, que me deu pessoalmente a notícia de que Capanda tinha sido colocada como prioridade, porque fora convencido por nossos argumentos”, descreve Luiz Almeida. Outro argumento irrecusável era a oferta do governo russo de financiar os serviços e o equipamento enviado pela empresa estatal Technoexport, que já era sócia da Odebrecht no Peru. Faltava ainda algo essencial: construir o próprio cliente. Luiz relata ter convencido o ministro de Energia e Petróleos a estabelecer uma autarquia estatal para ser responsável pela obra. E facilitou um convênio com a estatal Furnas para auxiliar tecnicamente na implementação da nova entidade, o Gamek – Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza.

Angola estava, àquela altura, em meio a uma guerra civil em que diferentes guerrilhas disputavam o controle do território. A Unita, apoiada pelas forças do governo do apartheid, na África do Sul, e pelos Estados Unidos, controlava parte do leste do país, enquanto o governo marxista do MPLA tinha controle sobre a capital, Luanda, com apoio cubano. Uma empreitada no interior do país só seria possível com amplo apoio do lado que seria o vencedor militar da guerra. “Autorizado por Emílio Odebrecht, liguei para o coronel António dos Santos França N’Dalu, então chefe do Estado-Maior das Fapla [Forças Armadas Populares de Libertação de Angola], amigo com quem eu compartilhava conversas e histórias”, prossegue o relato de Luiz Almeida. N’Dalu se tornaria o “general dos generais”, servindo duas vezes como vice-ministro da Defesa.

“Após um breve silêncio, o coronel N’Dalu afirmou que implementaria as medidas necessárias para a segurança da construção da usina. E assim, finalmente, chegamos a Capanda”, descreve Luiz Almeida. N’Dalu estabeleceu um gabinete militar comandado pelo capitão Jorge Silva “Sapo”, membro do Estado-Maior da Frente Centro da Fapla. Com a nova posição estratégica, “Sapo” foi promovido a major.

Capanda era alvo estratégico na guerra e chegou a ser interrompida duas vezes. Em novembro de 1992, foi ocupada por tropas da Unita. Oito funcionários foram sequestrados, e as negociações para a soltura foram encabeçadas pelo próprio Emílio Odebrecht, com apoio da Cruz Vermelha e de dois aviões Hércules C-130 das Forças Armadas Brasileiras.

Em 1997, as equipes da Odebrecht voltaram à área para recuperar o estaleiro. Em 1999 a obra foi novamente interrompida por causa de bombardeios. Retomadas em 2000, culminaram com o enchimento do reservatório em 2002, no fim da guerra civil. No meio tempo, Jorge Silva “Sapo” tornou-se ainda mais que um aliado da Odebrecht – em, 1992 o angolano ingressou nos quadros da Odebrecht e foi enviado para Cuba, para trabalhar num posto de confiança junto ao Superintendente da empresa no país.

Membros da Odebrecht e das Fapla visitam o local onde Capanda será construída. No centro, Jorge Silva "Sapo" . Foto: Odebrecht
Membros da Odebrecht e das Fapla visitam o local onde Capanda será construída. No centro, Jorge Silva “Sapo” . Foto: Odebrecht

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Na guerra pelos diamantes

Quatro anos depois do início das obras de construção de Capanda, a Odebrecht iniciava seu segundo negócio no país, em uma indústria que a empresa até hoje opera só em Angola – a exploração de diamantes. Os episódios dessa atuação merecem bem menos destaque na propaganda institucional, mas permitem entender a profunda conexão da empresa brasileira com o alto escalão e o generalato angolanos.

Um dos poucos relatos foi dado por Paulo Lacerda, diretor da Odebrecht em Angola entre 1988 e 1992: “Com o objetivo de ampliar a geração de divisas para Angola, apresentamos à Endiama [estatal diamantífera] o projeto de Luzamba, para exploração de minas de diamantes na Lunda Norte, contrato que foi assinado em abril de 1991. Após 16 meses, em agosto de 1992, a produção de Luzamba duplicou a exportação de diamantes de Angola”, diz.

A operação durou apenas 15 meses, até ser alvo da Unita. Numa área de 3 quilômetros no rio Cuango, era a maior unidade de produção de diamantes do país, mostrando-se importante fonte de divisas durante a guerra civil – e marcando de vez a empresa brasileira como não apenas parceira do governo, mas parte interessada na guerra.

Na mesma época, relata Renato Baiardi, um executivo antigo, de confiança da família Odebrecht, que hoje é membro do Conselho de Administração. “Quando o conflito foi retomado em 1992, perguntei às autoridades locais como poderíamos apoiá-los. Eles pediram que enviássemos com urgência alimentos para a tropa e a população, especialmente de Luanda. Contratamos, então, um Boeing 747 nos Estados Unidos, que pousou em Luanda, carregado de alimentos, para atender ao pedido”, diz ele. “Esse caso é útil para demonstrar que nosso relacionamento com Angola extrapola qualquer outro, o que nos faz comprometidos e nos leva também a investir no país.”

O controle das áreas diamantíferas pela Unita, após a expulsão dos brasileiros, foi o que deu sobrevida à guerra civil angolana após a derrota do regime do apartheid.

Expulsa de Luzamba, no final daquele mesmo ano, a Odebrecht entrou definitivamente no ramo diamantífero ao assinar em 1993 o contrato para a implantação da mina de Catoca, em outra região, na Lunda Sul, da qual participa até hoje, com 16,4%, em sociedade com a Endiama, o grupo estatal russo Alrosa e o grupo israelense Lev Leviev. Catoca, hoje, é o primeiro kimberlito em exploração em Angola e a quarta maior mina de diamantes desse tipo do mundo. Segundo relatório de 2014, Catoca vendeu 82 milhões de quilates, respondendo por 84,7% do volume de produção em Angola, e teve um lucro líquido de US$ 126 milhões.

Segundo o pesquisador Mathias Alencastro, autor da tese de doutorado A política do diamante na periferia de Angola, da Universidade de Oxford, a entrada da Odebrecht na mina de Catoca obedecia a uma demanda estratégica do MPLA. “Era uma região tomada por produção artesanal, porque Catoca tinha a particularidade de os diamantes estarem muito perto da superfície. O MPLA precisava de uma empresa que fosse o braço industrial do Exército. O que eles criaram ali é um mecanismo de governança do território que passava pelo controle da mina de diamantes. Basicamente o MPLA angolano privatizou para a Odebrecht a responsabilidade de reconstruir o Estado nessa região.”

Para Mathias, a entrada no ramo dos diamantes foi fundamental para a trajetória da empreiteira. “A Odebrecht no final da guerra civil era considerada uma ‘muleta’ do Estado. Isso se deve essencialmente a dois grandes, digamos, sacrifícios, que foram Capanda e Catoca. Esse legado de legitimação do Estado angolano no momento em que ele era considerado por investidores internacionais não só marxista-leninista, mas beligerante, é muito mais importante do que o legado industrial da Odebrecht.”

Se há poucas informações sobre a atuação da Odebrecht em Catoca, ainda menos se sabe sobre outra parceria com a Mapa Lunda NorteEndiama, a Sociedade de Desenvolvimento Mineiro de Angola (SDM), instituída por decreto presidencial em 25 de agosto de 1995 (Baixe aqui o decreto e a ata de constrituição da SDM: Página 1, 2 e 3), numa divisão de 50% para cada empresa – a Odebrecht investiu US$ 20 milhões na época. A SDM assumiu as antigas operações de Luzamba abandonadas em 1992, na região de Lunda Norte. A área, de cerca de 3 mil km2, foi durante anos o segundo maior produtor de diamantes de Angola.

A partir de 2006, violações brutais de direitos humanos na área administrada pela SDM foram sistematicamente denunciadas pelo jornalista investigativo angolano Rafael Marques. Um de seus relatórios, “Operação Kissonde”, relata como, em fevereiro de 2005, empresas privadas de segurança assumiram a responsabilidade de combater o garimpo ilegal no Cuango. A empresa Alpha-5, então contratada pela SDM, controlava a sede municipal, punindo de maneira perversa quaisquer garimpeiros artesanais que encontrasse. “No caso particular da Alfa-5, documentam-se vários casos em que as vítimas são obrigadas a ter relações homossexuais entre si, tendo chegado ao extremo de se forçar um genro a violar o seu sogro”, diz o relatório (baixe a íntegra aqui). Todas as violações são identificadas com data, local e nome das vítimas e testemunhas. Os relatos são assombrosos. Algumas vítimas contam ter sido obrigadas a trabalhar nuas dentro da sede da empresa mineira da Odebrecht. Outras mencionaram ter sido obrigadas a fazer sexo entre si por “33 efetivos da Alfa-5, 7 soldados das Forças Armadas e 5 elementos da Segurança Industrial da SDM”. A Alpha-5, na época, mantinha um posto de controle dentro da sede da SDM.

A Odebrecht negou veementemente as denúncias. “Em relação às operações da empresa mineira SDM na região do Cuango, na província de Lunda Norte, é necessário mencionar que nem a SDM nem a Odebrecht têm nenhum registro da ocorrência de situações descritas como ‘violações de direitos humanos’ no relatório”, afirmou em comunicado o então superintendente em Angola, Luiz Mameri. Questionada pela Pública sobre a sociedade, a Odebrecht afirmou que a sociedade ainda existe, mas está inativa há cinco anos. Em 2006, a mina se exauriu. Ninguém foi punido pelos abusos de direitos humanos registrados.

Em outro investimento diamantífero que figura em passant na literatura institucional da Odebrecht, a empresa brasileira manteve sociedade com dois filhos do presidente angolano – Welwitschea José dos Santos, a Tchizé, e José Eduardo Paulino dos Santos, o cantor Córeon Dú – e um genro, conforme comprovam registros do Diário da República (baixe aqui, em PDF) e do registro da empresa (baixe aqui) obtidos pela Pública. A lei angolana estabelece que toda empresa estrangeira tem que ter um sócio nacional. Aprovado por decreto presidencial em 27 de maio de 2005, o Consórcio Muanga era uma sociedade entre a Endiama (51%), a Odebrecht Mining Services (19%), a SDM (20%) e a Di Oro Sociedade de Negócios Limitada (10%), dos filhos de José Eduardo dos Santos. A empresa, que antes era do ramo de “alta-costura”, adaptou-se para a assinatura do contrato, que previa um investimento mínimo de US$ 10 milhões das duas empresas da Odebrecht, que assumiram “inteiramente o investimento por sua conta e risco”. Em 2010, o consórcio recebeu, por decreto presidencial, mais dois anos para operar a mina. A produção de diamante aluvião, que chegou a ser anunciada para 2006, nunca se concretizou, segundo a Odebrecht. Procurada pela reportagem, a empresa negou a sociedade: “A Odebrecht não é, nem nunca foi, sócia dos filhos do Presidente da República de Angola. As campanhas de pesquisa diamantífera realizadas no Projeto Muanga demonstraram a sua inviabilidade económica e a concessão não foi desenvolvida”, escreveu a assessoria de comunicação.

“Os generais, hoje, são milionários. E eles entraram nos negócios através do petróleo e dos diamantes. As empresas privadas que operavam nas Lundas eram dos generais. Foi uma privatização da segurança do Estado”, explica Mathias Alencastro.

É o caso do general António dos Santos França N’Dalu, o “general dos generais”, antigo conhecido da direção da Odebrecht, que, depois de ter servido como embaixador nos Estados Unidos, virou homem de negócios, atuando, em especial, no ramo de diamantes. Desde 2005, N’Dalu é o presidente não executivo da operação angolana da De Beers, a maior empresa diamantífera do mundo. É um dos sócios da empresa de segurança Teleservice (10% das ações) com outros generais, empresa acusada de violações de direitos humanos na região das Lundas. A Teleservice chegou a ser contratada pela Odebrecht para fazer a segurança patrimonial durante a construção de um condomínio em Luanda, o Kizomba, para a petrolífera Esso em 2012.

Angola é o quinto produtor mundial de diamantes, gerando 8% da produção mundial. Em 2014, a produção chegou a 8,6 milhões de quilates, alcançando um total de US$ 1,2 bilhão, segundo o Ministério da Geologia e Minas. Os diamantes são o segundo maior produto de exportação, atrás do petróleo com larga distância.

Depois de ter anunciado a intenção de se afastar do setor diamantífero, no fim da década passada, a Odebrecht abriu uma nova sociedade com a Endiama para explorar a mina de diamantes do Luaxe, na região de Lunda Sul, que pode duplicar a produção nacional. A Odebrecht tem 7,5% das ações. Luaxe, considerada a maior mina de kimberlito do mundo, fica a apenas 20 quilômetros de Catoca.

De mãos dadas com o Estado

Depois de anos estudando o comportamento das construtoras brasileiras durante a ditadura e o seu processo de internacionalização, o historiador Pedro Campos chegou à seguinte conclusão: “São empresas que vivem da relação com o Estado”. Para ele, a principal vantagem da Odebrecht não é a qualidade da sua engenharia. Longe disso. “A marca da Odebrecht não é essa. É ser uma potência política. Ela sabe desenvolver relações com o aparelho do Estado e ser atuante em muitas frentes – como é o caso com as Forças Armadas, Congresso, partido. A expertise está mais nisso”, diz.

Em uma economia como a angolana, controlada por um Estado autoritário, a Odebrecht tem uma trajetória comum às maiores empresas internacionais que passa, necessariamente, por uma profunda aliança com as elites. “Em Angola, se uma companhia se torna íntima do poder, vai ter acesso a praticamente qualquer oportunidade que apareça”, explica o pesquisador português Ricardo Soares de Oliveira, professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra. “Podem ser oportunidades da sua área de especialização inicial, por exemplo, a construção civil, mas podem ser diamantes, podem ser restaurantes, podem ser hotéis, pode ser import/export, pode ser agricultura, pode ser o que for”, diz o autor, que dedicou os últimos dez anos a entender a dinâmica econômica do país após o fim da guerra civil.

Esse modus operandi não ocorre por acaso. O autor do aclamado livro Magnífica e miserável: Angola desde a guerra civil vê uma estratégia planejada de concentração de poder pelo presidente José Eduardo dos Santos dentro de um estado autoritário que lhe rendeu um controle sem paralelo na África. “A economia política da reconstrução gerou muitas oportunidades, muitos contratos, e esses contratos foram adquiridos por pessoas próximas do poder. É claro que a Odebrecht, sendo uma presença já muito antiga no país, e tendo uma relação particularmente privilegiada com o palácio presidencial, teve acesso a essas oportunidades a uma escala muito diferente de outros operadores em Angola.”

Talvez o mais cristalino resumo sobre como funciona a economia angolana venha de uma descrição da ex-embaixadora brasileira Ana Lucy Cabral Petersen. Ao detalhar as oportunidades para empresários brasileiros, ela escreveu em um despacho diplomático de 13 de março de 2011: “Boas conexões e parceiros locais influentes são fundamentais para a concretização de investimentos em Angola. Sócios locais estratégicos, como a Sonangol, ex-ministros, generais e empresários próximos ao Presidente, facilitam a aprovação de projetos e dirimem entraves burocráticos. Bons contatos na Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP), que dá o aval a grandes projetos de investimento, são também fundamentais”.

As ligações da Odebrecht em Angola

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Para a pesquisadora Anna Saggioro, do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Relações Internacionais (Lieri), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é impossível dissociar o poder do presidente com o poder da Odebrecht. “A gente vê o grau de autoritarismo do governo angolano, e a gente não pode escolar a Odebrecht desse autoritarismo. A Odebrecht atua junto com o governo angolano em uma série de empreendimentos e também nas suas ligações internas. Não podemos simplesmente dizer que é apenas uma empresa que segue as regras”, avalia.

Ricardo Soares diz que, como pesquisador, é muito difícil analisar a atuação da Odebrecht no país, pois há pouca informação e transparência. “As especulações sobre a relação da Odebrecht com a elite angolana são inteiramente legítimas. Se a Odebrecht está preocupada com a sua reputação, só tem que clarificar a natureza dessas relações. Até que ponto eles são lucrativos, qual é a lógica desses projetos? Por exemplo, eu gostava que a Odebrecht colocasse disponível uma lista exaustiva de seus negócios. Tenho uma lista de exemplos, e não há mês que passe que não venham dizer que a Odebrecht está, afinal, metida aqui ou ali.”

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Um país em obras

De fato, são tantos os contratos e investimentos públicos e privados que é muito difícil obter uma lista completa dos empreendimentos da Odebrecht em Angola, ou avaliar os lucros auferidos ao longo de tantos anos. A reportagem pediu essa listagem, mas não foi atendida. A receita total da empresa no país não consta do seu relatório anual 2014, diferentemente do valor gasto com projetos sociais e ambientais, nitidamente visível: US$ 17 milhões em 2014. O que consta, ali, é apenas o “valor econômico distribuído” – impostos, salários, pagamento de fornecedores, investimentos na comunidade, custos operacionais e de financiamentos – no total de US$ 1.851.780.000. À Pública, a assessoria de comunicação da Odebrecht afirmou que a receita foi da ordem de US$ 1,8 bilhão. Ou seja, nenhum lucro. Sobre esse questionamento, a empresa retrucou: “A conclusão não é correta. A Odebrecht teve lucro em Angola e tem todas as suas contas auditadas por auditor independente. Como se sabe, as operações da Odebrecht em Angola são executadas por companhia de capital fechado e não está sujeita à obrigação de publicar as suas contas. De qualquer forma, as contas consolidadas do negócio de Engenharia e Construção da Odebrecht são disponibilizadas para os seus stakeholders”.

Leia aqui todas as respostas da Odebrecht

Ao longo de meses de pesquisa, a Pública elaborou uma lista extensa – porém provavelmente não exaustiva – dos contratos e investimentos da empresa brasileira ao longo de 32 anos em Angola. Veja na linha do tempo:

Entre as obras, há diversos “elefantes brancos”, imensas construções que não geraram a prometida riqueza às suas populações. Para o pesquisador Mathias Alencastro, a multiplicação de projetos da Odebrecht em Angola cumpre um papel estratégico. “Ela cria a sensação de um movimento de reconstrução permanente, de que o país está mudando, que é a grande retórica que o MPLA criou para sufocar as contestações, legitimando seu poder autoritário. O que importa é que os projetos sejam anunciados, não que sejam bem-sucedidos”, analisa.

Supermercado Nosso Super. Foto: Odebrecht
Supermercado Nosso Super. Foto: Odebrecht

Em 2006, a Odebrecht aceitou mais um pedido presidencial ao entrar em uma nova área de negócios: supermercados. Inicialmente, o contrato cobria a construção e implementação da Rede Nosso Super, com 32 lojas em todas as províncias do país e dois centros de distribuição e logística. O objetivo era nobre: prevista para ser operada pelo Estado angolano, a rede deveria absorver a produção local de camponeses. Não foi o que ocorreu. Executado ao abrigo do Programa de Reestruturação do Sistema de Logística e Distribuição (Presild), com assessoria da Odebrecht, a rede acabou entrando em crise por má gestão, sofrendo desabastecimento, com boatos de falência, e suas lojas foram fechadas no fim de 2011. O programa, da forma como estava concebido, não era sustentável, pois tinha custos bastante elevados, reconheceu a ministra do Comércio, Idalina Valente. Seis anos depois de ter entregado as lojas ao governo, a Odebrecht recebeu a concessão de exploração da rede, na qual grande parte dos produtos é importada. Segundo reportagem do jornal O País, há incapacidade de fornecimento de produtos nacionais. “O abastecimento tem sido débil. Temos recebido produtos, uma vez ou outra. No Nosso Super sempre foi assim. O fornecimento e o abastecimento continuam a ser os mesmos. Nada mudou. Só subiram os preços”, informou ao jornal uma funcionária do Nosso Super.

Outro exemplo de investimento frustrado é o aeroporto internacional de Catumbela, na província de Benguela, oeste do país, que fica a apenas 20 quilômetros de outro aeroporto, o 17 de Setembro, este encravado na zona mais elevada da cidade. O aeroporto “internacional” foi inaugurado em 27 de agosto de 2012 com fanfarra: o próprio presidente foi ao local para o evento, realizado a quatro dias das eleições presidenciais. Ambicioso, o projeto previa colocar Benguela no mapa internacional, com rotas de voo de diversos países e capacidade para atender mais de 900 pessoas por hora. O investimento total, segundo o site Rede Angola, foi de US$ 250 milhões – metade garantido via empréstimo do BNDES. Mas, dois anos depois da inauguração, faltavam ainda o terminal de carga, instalações para alfândega e montagem de equipamentos. Por isso, até hoje a Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA) não certificou o aeroporto. Hoje, atende apenas voos domésticos para Luanda. “Não temos voos suficientes para aproveitar o potencial que existe na província de Benguela”, reconheceu o ministro de Transportes no ano passado. O outro aeroporto, que antes atendia vôos nacionais, hoje só abre alguns dias da semana e é usado por autoridades e vôos privados.

Aeroporto de Catumbela. Foto: José Alves/ Rede Angola
Aeroporto de Catumbela. Foto: José Alves/ Rede Angola

Uma obra contratada para revolucionar a baía de Luanda – a Marginal Sudoeste – também está parada. O primeiro projeto, a construção de pontes para permitir a construção da marginal (baixe aqui o decreto presidencial), recebeu financiamento de R$ 21 milhões do BNDES. Mas a marginal, em si, nunca saiu do papel. Hoje, o trecho reservado a ela, de 8 quilômetros entre a praia do Bispo e o largo da Corimba, na baía da capital angolana, parece um cenário apocalíptico: onde antes havia um musseque com milhares de pessoas, o bairro da Chicala, sobraram destroços das casas, derrubadas violentamente por tratores por noites a fio; sobre elas, alguns antigos moradores fizeram barraquinhas para vender comida e refrigerantes.

“A construção da Via Marginal Sudoeste foi dividida em duas etapas. A primeira, objeto do financiamento citado, foi concluída em agosto de 2012. A Construtora Norberto Odebrecht também foi contratada para execução da segunda etapa do empreendimento, que contempla os trabalhos de aterro hidráulico, proteção costeira, pavimentação, iluminação pública e outros. Esta etapa ainda não foi iniciada”, explicou por e-mail o coordenador de sustentabilidade da Odebrecht, Paulo Campos.

Foi Paulo, um elegante e gentil executivo carioca, quem ciceroneou a reportagem durante uma viagem de quatro dias, em setembro do ano passado, à maior zona contínua de atuação da empresa no país, às margens do caudaloso rio Kwanza. Um verdadeiro mergulho no coração da Odebrecht em Angola.

Passeio no rio da Odebrecht

O carro 4×4, cinza-chumbo, chega antes das 6 horas da manhã. A saída de Talatona, cujo traçado urbano é composto de longos desvios nas suas avenidas de mão única, não ajuda. Antes de conseguirmos sair de Luanda, engarrafamento, caos, atropelamento – passa pelo menos uma hora. Aos poucos, a paisagem se transforma, os musseques, candongueiros (vans) e zungueiras (mulheres que vendem verduras nas bacias que trazem à cabeça) vão dando lugar a terrenos secos, repletos de embondeiros, ou baobás, árvore-símbolo de Angola.

Chegar à província de Malanje, onde corre o médio Kwanza, a bordo de um carro da Odebrecht significa a certeza de acesso não só aos canteiros de obras como às comunidades nas redondezas. Acesso que parece fechado para todos aqueles que não contam com tal sorte. E não é que a reportagem não tenha tentado. “Não temos nenhum trabalho nas comunidades afetadas”, explicou-me por telefone a representante da ONG Adra – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, que defende direitos dos camponeses. “Mas apresentamos um projeto para a Odebrecht e, quem sabe, vamos começar em breve um trabalho lá.” No mesmo dia, um jornalista local desculpou-se por não poder nos levar até as comunidades: apenas visitas registradas e autorizadas pelo governo podem circular livremente.

A estrada é errática: no começo, uma pista foi desativada pela construtora chinesa, enquanto as duas mãos dividem um espaço exíguo. De repente, o asfalto acaba. “A empresa que ia construir faliu”, explica o motorista Frederico Huambo, que viaja toda semana diversas vezes para o leva e traz da Odebrecht. O asfalto volta no último terço, construído pela Odebrecht.

Chegando à usina de Cambambe, um vistoso paredão marca a última etapa da reabilitação, com elevação de 30

O Rio Kwanza e as turbinas de Cambambe. Foto: Eliza Capai/Agência Pública

metros do dique e ampliação da represa em 2 km2.

A obra promete aumentar em dez vezes a capacidade da usina, construída pelos portugueses na época colonial, chegando a uma potência máxima de 960 MW de energia.

Somos recebidas com um farto café da manhã no restaurante VIP da obra. Lá fora, um belo deque de madeira dá vista para o reservatório e a parte de trás do vertedouro. O consórcio liderado pela Odebrecht, junto às empresas Voith, Alstom e Engevix, recebeu o maior desembolso feito até agora pelo BNDES para Angola: US$ 464,4 milhões. De repente, nos apressam: “Precisamos ir, temos muito o que ver”. Ao nos aproximarmos de um edifício branco, alguém comenta: “As crianças estão esperando”. Quando abrem a porta – somos um grupo de cerca de dez pessoas, incluindo os diretores –, cerca de 20 crianças estão de pé olhando para nós. Ato contínuo, começam a cantar forte, desafinadas, batendo palmas num esforço treinado para nos impressionar. “Sejam bem-vindos, vossa presença é um prazer”.

A professora acompanha com um pandeiro. “Uma salva de palmas. As crianças do projeto Xalenu Kyambote são todas aqui da vila, temos a sala de alfabetização para crianças, temos curso também de informática, inglês e francês”, diz a professora, sob aplausos. As crianças continuam cantando quando fechamos a porta. Na sala contígua, três mulheres estão sentadas à máquina de costura, entretidas. Ganhamos um caderno e uma bonequinha de pano como lembrança. O desfile de projetos sociais segue: a Odebrecht beneficia 67 famílias com um programa de agricultura familiar, o PAF. “Todos os vegetais dos refeitórios vêm daqui”, diz o gerente de contrato Gustavo Belitardo. “Fazer hidrelétrica pra quem precisa é a maior satisfação que pode ter.”

No início da noite, chegamos a Laúca, uma cidade inteira no meio da savana. De longe, se vê o clarão amarelado de energia elétrica, onde não há nem uma chama em quilômetros. Somos hospedadas na espaçosa casa de convidados, com quartos luxuosos, ar-condicionado, TV de tela plana – e um cartãozinho de boas-vindas, ao lado de uma caixinha do Boticário com um sabonete rosado e hidratante de marshmallow.

“Tá parada”

Numa manhã calorenta, o tour do dia será conhecer a Biocom, principal e mais vistoso empreendimento do Pólo Agroindustrial de Capanda, projeto considerado prioritário pelo governo angolano, com uma área de 411 mil hectares. A Odebrecht foi contratada para administrar o pólo por US$ 49 milhões, em abril de 2011, segundo o Diário da República (baixe aqui o decreto). A cerimônia de assinatura teve a presença dos ministros da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pesca e Urbanismo e Construção, amplamente divulgada na controlada imprensa angolana.

No entanto, a paisagem desoladora – os pequenos vilarejos de casas de barro dão lugar a um imenso vazio – demonstra que o projeto está longe de render os frutos prometidos. De repente, avistamos uma fazenda – a placa que indica “Pugo Andongo”. Paulo Campos pergunta para o motorista Frederico Huambo: “Não tá acontecendo nada aí na Fazenda Pungo Andongo, né?” “Tá parada”, responde Frederico.

A fazenda, de 33 mil hectares, chegou a ser o cartão-postal do pólo. Foi inaugurada em 2006 – novamente com a presença do presidente José Eduardo dos Santos. A promessa de revolucionar a agricultura angolana ganhou destaque nos jornais, e uma parceria com a Embrapa, para a reprodução de sementes e treinar técnicos angolanos em experimentação agrícola, foi bastante celebrada na comunicação institucional da Odebrecht. O site oficial mostra como últimos “resultados” da Pungo Andongo a safra de 2010-2011, que produziu cerca de 5 mil toneladas de milho. O que aconteceu depois? Não se sabe. “Não existem informações oficiais sobre a execução desse projeto nem sobre o que se está a produzir”, critica Carlos Cambuta, coordenador de projetos da Adra. “A verdade é que estamos a caminhar para o terceiro, quarto, quinto ano do PAC e ainda não temos visto os resultados. Pode ser que tenham estudado, mas os resultados não foram compartilhados.”

A Embrapa explicou à Pública que assinou um memorando em 2008 com a Odebrecht para viabilizar o convênio, mas ele venceu em 2013 sem ser executado. A Odebrecht limitou-se a informar que “a fazenda Pungo Andongo é objeto de uma concessão para implantação de um pólo avícola e está em fase de estudos”.

Usina de acúcar Biocom. Foto: Eliza Capai/Agência Pública

Já a Biocom nos recebe em pleno funcionamento. A usina de cana-de-açúcar nasceu grandiosa, em 2008, com a promessa de produzir 60% do açúcar consumido em Angola, uma produção de 256 mil toneladas por ano. Somente seis anos e US$ 1 bilhão de investimentos depois, ela fez sua primeira plantação experimental, de 3,2 milhões de toneladas em 2014. Mas a grande estrela do Pólo Agroindustrial ganhou triste notoriedade no Brasil nos últimos anos: em junho de 2014, depois de uma reportagem do jornalista João Fellet, da BBC, foi denunciada pelo Ministério Público do Trabalho no Brasil por manter cerca de 400 empregados brasileiros em condições análogas à escravidão, mediante aliciamento e tráfico internacional de pessoas. Os trabalhadores denunciaram sujeira nos banheiros e cozinha, longas jornadas de trabalho e o isolamento – no meio do PAC, eram vigiados por seguranças armados.

Em 1o de setembro de 2015, a Odebrecht foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 milhões aos trabalhadores. No dia seguinte, chegamos à usina. Fernando Koch, diretor de sustentabilidade da Biocom, um brasileiro com anos de trabalho na Odebrecht, está irritadíssimo. “Isso é um absurdo. Não é verdade”, repete. “Os angolanos estão com vergonha da nossa imprensa”, diz. O telefone toca diversas vezes, com mais pedidos de entrevistas sobre o caso. Ele vocifera: “As provas que nós juntamos no processo não foram em momento algum mencionadas pelo juiz”. A Odebrecht recorreu, negando todas as acusações.

No entanto, o fato mais grave – e reconhecido pela empresa – tem raiz na profunda aliança com o Estado angolano. Contratados para trabalhar durante alguns meses, os operários chegavam a Angola com um visto ordinário, e seus passaportes eram entregues ao Serviço de Migração e Estrangeiros de Angola (SME). Sem os passaportes, os funcionários alegaram ter cerceado seu direito de mobilidade. “A lei que diz que empresas de interesse nacional têm o direito de expatriar pessoa com o visto ordinário para que o visto de trabalho seja tramitado em Angola”, conta Koch. “O período que a pessoa fica sem o passaporte, ela tem um recibo do SNE que tá lá dizendo que ele pode circular tranquilamente pelo país.”

Entre uma reclamação e outra, Koch nos mostra os alojamentos dos atuais empregados – bem-apresentados, limpos, amplos. Na colheita, ele nos leva até a “área de convivência”, uma van de alumínio pintada de azul. E vai perguntando para a única operadora de colheitadeira mulher: “O que você acha da Biocom?”. Ao que ela responde: “Muito bom, a Biocom veio aqui para ajudar a gente. Antes não tinha emprego, agora tem, todo mundo tá trabalhando”. Pouco depois, Koch interrompe outro trabalhador, brasileiro, diante dos laboratórios da indústria: “Você gosta de trabalhar aqui?”. “Sim, muito”, ele responde, recebendo um encorajador tapinhas nas costas.

Empreendimento de interesse nacional, a Biocom nasceu de uma aliança da Odebrecht com a estatal petrolífera Sonangol e a empresa Damer Industrial S.A. Segundo documentos constantes em um inquérito conduzido pela Procuradoria Geral de Portugal em 2014 aos quais a Pública teve acesso (Baixe aqui: Página 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7), a empresa pertence ao ao hoje vice-presidente, José Manuel Vicente, além do general Manuel Helder Vieira Dias, o poderoso Kopelipa, chefe da Casa Militar da Presidência, e o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, o “Dino”. A Damer tinha 40% do negócio – o que fere a lei angolana da Probidade Pública, já que seus sócios mantinham cargos no governo.

General Leopoldino Fragoso, "Dino", sócio da Biocom. Foto: Divulgação
General Leopoldino Fragoso, “Dino”, sócio da Biocom. Foto: Divulgação

Com base nisso, Rafael apresentou uma queixa-crime para a Procuradoria-Geral da República de Angola. “Recebi resposta de que esses dirigentes não eram sócios da Biocom, incluindo o general Leopoldino Fragoso”, diz (baixe aqui a resposta da Procuradoria). Fragoso foi nomeado consultor do general Kopelipa em setembro de 2010, quando a Biocom já caminhava, segundo a revista americana Foreign Policy. Já o vice-presidente Manuel Vicente era, na época, presidente da Sonangol. “Os dirigentes na presidência facilitaram o negócio pra ficarem com parte da sociedade. É um ato de corrupção claro”, diz Rafael.

Hoje, o nome da Damer sumiu das brochuras da Odebrecht, e não se fala mais nisso. Foi substituída por outra empresa, o grupo Cochan, com sede em Cingapura, cujo presidente é o mesmo general Leopoldino Fragoso. Em entrevista à revista Foreign Policy, o general “Dino” reiterou que, hoje, não ocupa mais nenhum cargo público. À Pública, a empreiteira diz que a alteração societária foi feita em 10 de outubro de 2014, “não sendo do conhecimento da Odebrecht o motivo da transferência”.

A Damer gráfica, que também é de Manuel Vicente, segundo os documentos da PGR portuguesa, foi reformada pela Odebrecht em 2009. A queixa-crime no Ministério Público foi arquivada pelo juiz em janeiro de 2013 “pela inexistência de quaisquer indícios de veracidade”.

“Nenhum órgão público investigou absolutamente nada em 30 anos de Odebrecht em Angola”, diz Rafael Marques.

Laúca é um espetáculo

Conhecer a hidrelétrica de Laúca e todos os projetos a ela associados, ponto alto e final do tour, levou quase dois dias.

Laúca é a hidrelétrica definitiva de Angola. Projetada para produzir 2.070 MW, ela vai dobrar a oferta de energia elétrica, gerando constantemente 1.200 MW, e promete acabar com a penosa economia à base de geradores.

Laúca é tão importante que recebe um desfile de autoridades todo ano. Em junho de 2012, o então ministro de Estado Manuel Vicente lançou a pedra fundamental junto com uma comitiva de ministros e a embaixadora do Brasil. Em setembro de 2014, o presidente José Eduardo dos Santos visitou as obras da barragem, sendo recebido por milhares de pessoas; na ocasião, houve até uma reunião do conselho de ministros no canteiro da obra da Odebrecht. Um ano depois, foi a vez da ministra da cultura Rosa Cruz e Silva. A contar o histórico de obras da empreiteira em Angola, o desfile deve se acelerar em 2017, ano de eleições para presidente.

A construção da hidrelétrica marca o auge de uma era de empréstimos do BNDES para obras de construção em Angola. Ela é o maior financiamento cedido desde 2002 para um só empreendimento. Será de mais de US$ 2 bilhão de dólares, segundo anunciou Dahia Blando. O BNDES reconhece apenas uma parcela desse valor. Um investimento de US$ 146 milhões, já desembolsados, e outro no valor de US$ 500 milhões – o que não lhe tira a liderança nos empréstimos. (Leia Mais: A equação brasileira)

Há ainda um financiamento do Deutsche Bank de US$ 1,4 bilhão, e o valor total é de mais de US$ 4 bilhões.

A obra é tratada com visível carinho pela equipe da Odebrecht em Angola. As cerca de 60 famílias que terão de ser removidas já participam de discussões sobre como serão as casas a ser construídas, que terão estrutura de saneamento básico, uma escola, um posto médico e estradas de acesso. Uma enorme melhoria em relação à situação atual, garante Maria Tchikanha, a eficiente engenheira agrônoma que é responsável pelo setor de responsabilidade social da AH Laúca. “Fizemos um levantamento socioeconômico na área, e o que verificamos é que as comunidades eram mesmo paupérrimas. Para além de não ter rendimento, não tinha saneamento básico, não tinha escola, não tinha nada, viviam só de subsistência”, diz Maria. “O governo começou a construir uma escola, não terminou, por alegada falta de verbas. Construíram um hospital que vivia fechado. Não tinha nenhum mercado para poder comprar um produto. As pessoas viviam aqui de cavar poço e das mandioqueiras.”

Estamos diante da escola da comunidade do Muta, na estrada que leva a Malanje, cuja obra foi terminada pela Odebrecht. Não é à toa que, quando entramos em uma das classes onde cerca de dez meninos e meninas assistem à aula, eles respondem em coro:

– Vocês sabem o que é o Brasil?

– Nãããããao!

– Vocês sabem o que é a Odebrecht?

– Laúca!

– E pra que estão fazendo Laúca?

– Pra produzir energia…

– E vocês já têm energia em casa?

– Nããããããããao – gritam em uníssono.

Fechando a porta da escola, Maria mostra um bebedouro com algumas torneiras e tanques, o “fontanário” construído pela Odebrecht que atende, como a escola, cinco comunidades que ficam até 2 quilômetros de distância. O plano inicial, diz, era requalificar todas as comunidades, garantindo a provisão de luz e água de maneira mais eficiente. A terraplanagem até começou, mas foi interrompida por ordens superiores. “Seria obrigação do governo provincial dar energia às comunidades”, explica Maria. “Nós temos que trabalhar sempre junto com o governo.”

Camponeses do projeto KUkala Ku Moxi posam para as câmeras. Foto: Eliza Capai/Agência Pública
Camponeses do projeto KUkala Ku Moxi posam para as câmeras. Foto: Eliza Capai/Agência Pública

Visitamos também comunidades que fazem parte do projeto social Kukala Ku Moxi, pelo qual homens e mulheres de 700 famílias foram capacitados a plantar uma variedade de verduras inexistente na região. A cada duas semanas, a Laúca realiza uma feira no canteiro de obra, e as mulheres vendem o que podem, chegando a até 45 mil kwanzas por viagem. As verduras servirão ao enorme refeitório, onde os cerca de 4 mil funcionários comem 15 mil refeições por dia. As hortas que visitamos são vistosas, e as mulheres, sorridentes. “Na minha lavra tem mandioca, milho, jingunba, todo tipo de produtos. E assim pra comer aqui graças a Odebrecth”, diz Maria Celeste, uma das lavradoras apontadas como entrevistadas pela equipe de comunicação.

A enormidade da obra é clara enquanto rodamos pelo canteiro; os trabalhadores angolanos que esperam à beira da estrada pelo transporte provido pela empresa – transporte público é inexistente –, devidamente uniformizados e com capacetes, parecem formiguinhas na enormidade da obra. Apenas o muro de concreto para a barragem terá utilizado, ao final, o equivalente a dez prédios de oito andares. Tudo é majestoso, organizado e bem-apresentado. O canteiro de obras tem salão de beleza, quadras esportivas, academia de ginástica, cinema, posto de saúde e equipe médica. O projeto inclui ainda tanques de tilápia, piscicultura, que abriga mão de obra da região; um enorme canteiro onde mudas locais são reproduzidas para ser replantadas, e um impressionante sistema de reúso de água reaproveita quase 40% do total da água utilizada. Os cuidados com a segurança são coroados com a presença da mascote “Javaluca”, um desenho com o capacete da Odebrecht cujas dicas estão espalhadas em cartazes e nas revistinhas mensais publicadas pela administração da hidrelétrica.

O diretor de contrato, Marcus Azeredo, não esconde seu orgulho ao conversar com a reportagem. “A nossa central de britagem é a maior do mundo em operação; a nossa central de concreto é uma das maiores do mundo, com capacidades elevadíssimas. Coisas desse tipo nos permitiram dar para Laúca uma forma diferente de construir uma hidrelétrica. Extremamente moderna, extremamente qualificada”, diz. De cabeça, o engenheiro lista o cronograma da obra – e é enfático: não há nenhuma possibilidade de atraso.

“Em julho de 2017 nós entramos com duas unidades de energia; em agosto, mais duas, e setembro, as últimas duas”, diz. Juntas, as seis unidades correspondem a 2 mil MW. Ao mesmo tempo, a Odebrecht constrói mil quilômetros de linhas de transmissão que prometem levar a energia até Luanda. “A linha fica pronta junto com Laúca”, garante Azeredo. “É um cronograma extremamente desafiador. Se nós conseguirmos, e vamos conseguir, gerar energia aqui nesse prazo, que é um prazo de 56 meses para a produção de energia, nós vamos ser mais eficientes que a própria construção que nós estamos fazendo no Brasil”, diz.

Ali na casa de visitas, onde estamos hospedadas, é frequente a presença de jornalistas, conta o diretor. “Acho que não tem uma semana que a gente não receba. E, quando eles não vêm, a gente convida a mídia. A gente abre as portas justamente para que possa se divulgar para o país tudo o que o governo tá fazendo”, diz. O relatório anual 2014 da Odebrecht respalda a sua impressão: naquele ano, cerca de 98% das notícias sobre a empreiteira na imprensa angolana foram positivas. O que o relatório não menciona é que, no país, há um único jornal diário, o estatal Jornal de Angola, e que as TVs abertas se resumem à TV pública, TPA, a TV Zimbo, privada, que tem como acionista o vice-presidente, Manuel Vicente, segundo levantamento de Rafael Marques.

A cobertura positiva tem razão de ser, aos olhos de Azeredo: o empenho de Laúca em melhorar a vida das pessoas. “Temos um alojamento de excelente qualidade, todos os quartos praticamente são suítes, e no máximo quatro pessoas por quarto, todos com ar-condicionado, chuveiro com água quente. A qualidade da alimentação aqui é excelente. Investimos em equipamentos novos, pagamos um bom salário, pagamos prêmio de produtividade…”, diz.

“Eu diria que, se não tivéssemos esse tipo de condição, nós não conseguiríamos fixar essa mão de obra aqui e aí teríamos um problema sério com nosso cronograma”, completa.

Laúca vai sair, garantem todos, durante a nossa despedida. E só uma voz solitária, entre os funcionários da Odebrecht, fala alto o que poucos se arriscam a dizer. “Tem que ficar pronta. Vai estar a produzir energia no ano de eleger o presidente. E ele já tá com 73 anos…”.

De fato, pouco depois o presidente José Eduardo dos Santos determinou  que as eleições presidenciais serão em agosto de 2017 – um mês após a inauguração de Laúca. E haverá festa, haverá cerimônia e manchetes em toda a mídia angolana.

 

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