Quadrada, marrom e fedorenta. A maconha que a maioria dos usuários brasileiros consome é assim, bem diferente da esverdeada forma de flor em que ela é colhida.
Depois de passar 15 dias entre plantadores de maconha no Paraguai em 2017, a reportagem da Pública constatou que essa transformação se deve à maneira inapropriada como os paraguaios secam, processam, estocam e prensam as flores.
A cannabis tem basicamente duas fases de cultivo: a de crescimento vegetativo, que ocorre nos meses do ano com mais luz, na primavera e verão, e a floração, que ocorre quando há menos luz, no outono e inverno. Nesse segundo período, a planta para de crescer e começa a desenvolver as flores.
Após a floração, na maioria das roças a maconha é colhida e empilhada em contato direto com o solo. Foi o que nosso repórter viu na plantação de um roceiro de apelido Gatito*. Ele decidiu colher a erva bem em um período de chuva, contrariando todas as indicações.
Essa situação por si só – o contato com a umidade do solo e o plástico abafando e impedindo a circulação de ar – já é um convite para a fermentação e a proliferação de fungos. A chuva só acelerou esse processo.
Após alguns dias debaixo do sol, os peões esticam outra lona no chão, pegam os pés já secos pela base do caule e os posicionam com a ponta para baixo. Depois, fecham o punho sobre os galhos e empurram as flores e folhas para a lona. Depois a maconha vai para uma mesa onde ocorre a “despalitada”, que consiste em soltar as folhas dos galhos menores manualmente.
Depois da despalitada, a maconha vai para sacas de 30 kg, que são “burreadas” –carregadas – por pessoas de confiança do chefe da plantação até o “mocó”, uma tendinha armada de lona preta no meio do mato. Ali vão ficar escondidas até serem prensadas.
A prensa geralmente é montada em algum lugar mais afastado da plantação e dos acampamentos. Isso porque existe um sentimento de que a maconha só passa a ser “droga” e ter algum valor após a prensa, depois dela ninguém mais toca na maconha, tudo é contadinho.
As sacas de maconha são abertas sobre uma lona, ficando disponíveis para o passeio de vespas e outros insetos. Esses restos de animais acabam ficando dentro do “prensado paraguaio”, diz o médico João Menezes.
Com rapidez, mas pouco cuidado, a maconha é derrubada no chão, pisoteada; maconha visivelmente mofada é misturada com maconha boa. No entanto, as lendas são falsas: os paraguaios não mijam na maconha, isso seria impossível dada a quantidade de pessoas e de erva.
Na verdade, o cheiro forte de amônia que caracteriza a maioria dos blocos prensados que chegam ao país é resultado da fermentação e decomposição devido aos maus cuidados com a produção.
A prensa ocorre por uma questão de logística: ela diminui muito o volume e permite aos traficantes transportar mais quilos de forma mais discreta. Mas o ato de prensar o bagulho não é em si a pior das situações; ela se junta à colheita feita na hora errada, a secagem malfeita, a resina desperdiçada e o total descaso em manipular o vegetal.
“O tráfico não escolhe a quem ele vai vender, a forma e o que ele vai vender. E com isso vai ter pessoas usando uma maconha adulterada, com mofo, amônia, pedaços de insetos e qualquer outra substância a qual ela foi exposta.”
Dr.Pedro da Costa Mello Neto, médico acupunturista com pós-graduação em dor, pesquisador no campo da neurociência e prescritor de cannabis.