Foi com borrifadas de spray de pimenta e estouro de bombas que as presas do Centro de Reeducação Feminino (CRF), em Ananindeua, região metropolitana de Belém (PA), foram despertadas na madrugada do dia 4 de setembro de 2019.
Os depoimentos das detentas para um relatório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre os procedimentos de setembro daquele ano incluem denúncias de violência física e alimentação estragada; algumas delas relataram desmaios diante da situação.
Esses episódios teriam dado início a uma guerra entre facções criminosas contra agentes penitenciários que teria culminado, no dia 24 de maio de 2022, na operação policial realizada bem longe do Pará, mais especificamente na Vila Cruzeiro, que faz parte do Complexo da Penha, no Rio de Janeiro.
Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
A ação conjunta que envolveu o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM) do Rio Janeiro, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) resultou em mais de 20 mortes, entre as quais quatro homens paraenses, segundo a PM. Esses homens foram apontados pelas polícias como membros da facção Comando Vermelho (CV).
Hoje o CV no Pará é muito interligado com o CV do Rio de Janeiro. O segundo estado com mais líderes do CV é o Pará. O Deó [apelido de Mauri Edson Vulcão Costa, morto na Vila Cruzeiro], por exemplo, era de Abaetetuba, uma cidade do interior, mas que foi parar no Rio
Advogada criminalista, que pediu para não se identificar.
Os conflitos envolvendo facções estariam relacionados também ao controle pelo tráfico de drogas na Amazônia, segundo o relatório publicado em fevereiro deste ano, “Cartografia das violências na Região Amazônica”, onde se destaca que “o rio Amazonas é um grande corredor para a fluidez da droga entre polos produtores e consumidores, sejam eles nacionais ou transnacionais”.
A matança no Complexo da Penha, a segunda ação policial mais letal na história do Rio, remonta ao dia 29 de outubro de 2019, quando 57 presos foram assassinados no Centro de Recuperação Regional de Altamira (PA), na região do Xingu.
Reprodução G1
O episódio foi a justificativa para que o governador Helder Barbalho solicitasse intervenção federal. A resposta do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi o envio da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIPE).
A chegada da Força-Tarefa ao Pará teria sido o estopim para uma batalha diária nas ruas da região metropolitana de Belém – de um lado, agentes da segurança pública e, do outro, membros de facções.
A FTIPE passou a atuar nos presídios paraenses com o objetivo de “retomar” o cárcere. Mas, para familiares e advogados que atuam no sistema penitenciário ouvidos pela reportagem, foi a institucionalização de um conjunto de violações contra os presos.
A reportagem da Pública conversou também, por telefone, com um membro de uma facção criminosa, sob a condição de anonimato. Ele será chamado pelo pseudônimo de José. A facção da qual ele faz parte atua no interior do Pará.
O que está acontecendo é que eles [governo do Pará] acreditam que a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) vai resolver as coisas só oprimindo quem tá preso[...] Até um cachorro tem atitude de se defender de alguma forma por viver oprimido num quadrado. Já era pra terem enxergado que isso não tá fazendo diferença, não tão ressocializando ninguém.
*José, membro de facção criminosa, sob a condição de anonimato.