Mais de três anos depois do rompimento da barragem de Brumadinho, Edivaldo Moreira, técnico de manutenção da Vale, que atua na mina de Jangada, conta que só conseguiu diminuir a “dor” e a “revolta” com a tragédia a que sobreviveu com auxílio de medicamentos psiquiátricos e terapia.
É como se tivesse um telão nas minhas costas passando sempre esse filme de tudo acontecendo. Foi tudo muito rápido, sabe? As pessoas ficando para trás, as pessoas caindo, e, quando você volta, você já não vê mais nada.
Edivaldo Moreira, sobrevivente da tragédia de Brumadinho
Os sobreviventes “foram gradualmente perdendo o emprego” em um processo cheio de “insinuações” — a Samarco se utilizou de programas de demissão voluntária com o objetivo de dispensar ao menos 1.200 dos 3 mil funcionários.
Era pra pessoa pedir demissão porque ela ia sair depois. Eles se sentiam perdidos do ponto de vista da relação com a empresa, passaram de um ambiente bom de trabalho a um ambiente difícil, com muita violência. São tipos de violências pequenas, miúdas do dia a dia. Eles se sentiam obrigados a sair.
Georgina Mota, psicóloga especializada em saúde psíquica e trabalho e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Edivaldo conta que ficou com medo de sair da empresa e não encontrar trabalho, como aconteceu com Renato Cassimiro, que atuava na área de elétrica para a CBE Engenharia, uma terceirizada que prestava serviço para a Vale no dia do rompimento.
Depois que eu saí da empresa, eu fui caçar emprego e estava difícil, porque as empresas ficavam me perguntando sobre o acidente. Eles achavam que eu não estava bem. A gente passa por psicólogo quando vai fazer entrevista, aí eles falavam: ‘Não, mas você [se] acidentou, você deve estar… Você está com trauma ainda?’. Eu falava que não, mas eles [continuavam]: ‘Você acha que está bem para estar trabalhando?’. Eu falava que sim, mas não conseguia a vaga
Renato Cassimiro, ex prestador de serviço para a Vale
Mesmo fora da empresa, os trabalhadores que sobreviveram ao desastre têm de enfrentar o preconceito de outros empregadores, como relatou Cassimiro. “As pessoas chegam e [me] falam que vai procurar emprego, e, por estar muito abalado, as empresas recusam contratar essas pessoas, por achar que eles podem trazer um transtorno, um distúrbio lá”, corrobora Adilson Souza.
Em retorno à reportagem via assessoria, a Vale afirmou, por e-mail, que “reafirma seu compromisso com a Reparação Integral dos danos causados pelo rompimento da barragem”. “Após o rompimento e a paralisação das atividades minerárias da Vale em Brumadinho, a empresa realizou uma série de treinamentos e reestruturação organizacional, a fim de melhor realocar os empregados lotados em Brumadinho em funções novas ou existentes”.
A empresa não está preocupada em reparar o dano que ela ocasionou, e sim em preservar a imagem dela diante do grande público e diante dos seus acionistas. E essa ação subterrânea que a empresa promove para que os próprios trabalhadores se desliguem, a meu ver, tem a ver com essa preocupação de não contribuir para que haja uma imagem de que, mesmo depois de tudo que aconteceu, a empresa está demitindo os trabalhadores que sofreram com o rompimento.
Luciano Pereira, advogado do Sindicato Metabase de Brumadinho
O consumo de remédios psiquiátricos em Brumadinho aumentou 31% em comparação com 2018, ano anterior ao rompimento. De acordo com estudo sobre mineração e saúde mental, transtornos mentais como insônia, fadiga, ansiedade, esquecimento, irritabilidade e dificuldade de concentração são comuns também entre os trabalhadores da barragem rompida em Mariana.
Outra pesquisa da UFMG, encontrou prevalência de depressão de 28,9% na população de pessoas atingidas, cinco vezes maior do que a descrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a população brasileira em 2015 (5,8%).
Além disso, 12% dos avaliados apresentaram transtorno de estresse pós-traumático relacionado ao desastre; e 32%, transtorno de ansiedade generalizada, prevalência três vezes maior do que a brasileira, 9,3%.