Aplicativos de delivery: a nova faceta do trabalho infantil

Por Bianca Muniz e José Cícero

Durante dois meses, repórteres da Agência Pública acompanharam a rotina de adolescentes que se arriscam no trabalho para aplicativos de entrega

Sublinhado rabiscado

A pandemia e a crise econômica levaram adolescentes ao trabalho precarizado dos aplicativos de delivery. Moradores da periferia de São Paulo que têm entre 14 e 17 anos, pedalam por quilômetros nos bairros mais ricos da cidade fazendo entregas.

“ À noite, a minha perna dói bastante. Hoje mesmo eu não fui trabalhar; meus joelhos estão doendo.  Tem dia que tem muitos pedidos e com o sangue quente, você nem sente. Porém, quando eu chego em casa, depois que me sento, não consigo nem levantar direito. Normalmente nem sento. Já tomo banho, me deito e morro de tanto cansaço.” - Felipe, 17 anos.

“A gente precisa entender que o trabalho infantil é fruto da desigualdade social, do racismo estrutural e da pobreza. Se trabalho infantil fosse bom, seria privilégio dos ricos. É sim, de fato, um problema social e estrutural do nosso país, que tem uma relação direta com a escravização da população negra”.

- Bruna Ribeiro gestora do projeto Criança Livre do Trabalho Infantil

É  importante “não criminalizar as famílias” 

“A gente fala que não pode trabalhar, mas ao mesmo tempo não responde a altura da necessidade dessas famílias." - Bruna Ribeiro

Apps de entrega estão entre as piores formas de trabalho infantil

 A maioria das vítimas eram meninos, da região Sudeste e que tinham entre 14 e 17 anos. Entre as crianças de 5 e 13 anos de idade, a maioria eram pardas e pretas, e na faixa etária entre 14 e 17 anos a maioria eram brancas.

Conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil, entre os anos de 2007 e 2019 registrou 27.971 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes.

Trabalho infantil aumentou durante a pandemia e pode crescer depois dela

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, sobre Trabalho de Crianças e Adolescentes, do IBGE, mostrou que 1,8 milhão de crianças e jovens de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no país antes da pandemia.

Dados: dezembro de 2020

O OUTRO LADO

A Pública procurou as empresas Ifood, Rappi e UberEats, citadas por entregadores adolescentes, solicitando entrevistas com seus representantes, mas até o fechamento da reportagem, somente a Rappi se posicionou. Depois da publicação da reportagem, a Uber e o Ifood nos enviaram notas.

Confira trechos das notas enviadas:

A plataforma informou que “não compactua com o trabalho infantil, sendo este um compromisso da empresa, e atua para identificar casos desta natureza, decorrentes do não cumprimento das regras contra o trabalho infantil na plataforma [...]"

Com base na resposta, perguntamos qual o número de entregadores de bicicleta cadastrados no aplicativo e quantas denúncias sobre trabalho infantil foram registradas nos canais oficiais da empresa no Brasil. A Rappi não respondeu.

“”

Rappi

“O iFood esclarece que não admite nenhuma prática que envolva trabalho infantil e que coloque crianças e adolescentes em situação de risco social, psicológico ou físico.” A plataforma informou que “Todas as denúncias de uso de crianças e adolescentes, menores de 18 anos, para a realização de entregas recebidas pelo iFood são investigadas internamente.

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iFood

“Menores realizando entregas pela  plataforma da Uber violam os Termos & Condições de uso do aplicativo. Quando identificamos fraude ou tentativa de cadastro de menores, a conta é imediatamente desativada e quaisquer novas tentativas de cadastro dos mesmos indivíduos são rejeitadas. Nos colocamos à disposição para trabalhar com as autoridades para investigar potenciais fraudes, como já fizemos no passado[...]”

“”

Uber

Leia a investigação completa sobre trabalho infantil em aplicativos de entrega.