Conhecido como “o rei do varejo”, o fundador da Casas Bahia, Samuel Klein, teria usado seu poder como empresário bem-sucedido para manter durante décadas um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual dentro da icônica sede da empresa, em São Caetano do Sul, além de outros locais em Santos, São Vicente, Guarujá e Angra dos Reis.

Mas a história desses crimes não envolve apenas o patriarca da família Klein. Seu filho Saul Klein é hoje investigado por aliciamento e estupro de mais de 30 mulheres. Segundo o relato de fontes e dezenas de mulheres entrevistadas, há semelhanças na forma de agir de pai e filho.

Uma história de violência sexual na infância marcou para sempre a trajetória de Karina Lopes Carvalhal, hoje com 40 anos. Conforme relatou à reportagem, aos 9 anos, ela soube pelas irmãs que um grande empresário de sua cidade natal, São Caetano do Sul (SP), dava dinheiro e presentes a menores de idade que fossem à sede da empresa.

Karina subiu até o andar da presidência e lembra que esperou algum tempo até ser chamada ao escritório particular do dono. Quando ele surgiu, ela ficou surpresa ao ver um senhor de idade já na casa dos 70 anos, que pediu que ela se aproximasse. “Minha irmã tinha me dito: ‘Ká, não se assuste porque ele vai te dar um beijinho’. Mas ele me cumprimentou e já passou a mão nos meus peitos. Ele dizia: ‘Ah, que moça bonita. Muito linda’”. Ao sair dali, ela conta que sentiu alívio, levando consigo uma quantia em dinheiro e um tênis da marca Bical. Era 1989.

Ela conta que o empresário mantinha um quarto anexo ao seu escritório, onde havia uma cama hospitalar. Era ali que ocorriam os abusos. Ainda segundo Karina, foi ali que ela foi violentada sexualmente pela primeira vez aos 9 anos.

A Pública ouviu mais de 35 pessoas, consultou processos judiciais e inquéritos policiais, teve acesso a documentos, fotos, vídeos de festas com conotação sexual e declarações de próprio punho das denunciantes, além de gravações em áudio que indicam que, ao menos entre o início de 1989 e 2010, Samuel Klein teria sustentado uma rotina de exploração sexual de meninas entre 9 e 17 anos dentro da própria sede da Casas Bahia.

O empresário teria organizado um esquema de recrutamento e transporte de meninas, com uso de seus helicópteros particulares, que teria contado até mesmo com a participação de seus funcionários, para festas e orgias acobertadas com pagamentos às meninas e familiares com dinheiro e produtos das lojas espalhadas pelo país.

Foi a partir das denúncias mais recentes envolvendo o filho do patriarca da família Klein, o empresário Saul Klein, investigado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) por aliciamento e estupro de dezenas de mulheres, que a reportagem foi atrás do passado de Samuel e encontrou indícios semelhantes às práticas descritas pelo MP na investigação sobre seu filho.

De origem socioeconômica vulnerável, as adolescentes geralmente ficavam sabendo por outras meninas que o empresário dava dinheiro e outros presentes, como cestas básicas, produtos da Casas Bahia, carros e até apartamentos para mulheres e menores de idade que fossem se encontrar com ele.

Segundo os relatos, o esquema era estruturado de forma que Samuel tinha funcionários e prestadores de serviço que trabalhavam para garantir que ele tivesse acesso a crianças e adolescentes para praticar exploração sexual. “Parece que ele vivia para isso. Ele recebia meninas várias vezes por semana, o mês inteiro”, conta à Pública um segurança que trabalhou para a família Klein por 19 anos.

Os depoimentos sugerem que Samuel aproveitava a situação vulnerável de famílias empobrecidas e se colocava como “benfeitor”, criando uma lógica que, ao misturar abusos e recompensas financeiras, prendia as vítimas ao esquema criminoso.

Durante os encontros Samuel gostava de se colocar no papel de um suposto “provedor”. “Ficava falando ‘come isso, come aquilo, aproveita que pobre não come filé-mignon’. Na sequência, ele escolhia três meninas e convidava para ir pro quarto”, diz uma testemunha. Seu relato é confirmado por Karina e Vanessa Carvalhal, que também frequentaram o imóvel em São Vicente e nele, contam, sofreram vários abusos.

Segundo os relatos, Samuel Klein, falecido em 2014, abafou os crimes firmando acordos judiciais. O fundador da Casas Bahia ainda teria se beneficiado da morosidade de ao menos três inquéritos criminais abertos para apurar crimes dessa natureza, nos quais se esquivou das citações judiciais, sem que fossem tomadas medidas mais enfáticas pela Polícia Civil ou pelo MP-SP, até levá-los à prescrição.

Após a publicação da reportagem, em abril de 2021, a Família Klein decidiu suspender as atividades do Instituto que levava o nome do empresário e promovia atividades na área da educação.

Em dezembro, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL), apresentou um Projeto de Lei que visa alterar o prazo prescricional para a reparação civil das vítimas de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. O projeto é baseado nas revelações da reportagem.