A comunidade de Cidade dos Meninos é o palco de um dos maiores desastres ambientais do Brasil. Mas, à diferença de outras contaminações por substâncias tóxicas, como o caso Césio-137, em Goiânia, sua história  foi esquecida. E o problema segue sem solução até hoje.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

A comunidade teve origem com a construção de um orfanato. Nos tempos de glória, a Cidade dos Meninos chegou a abrigar mais de 1.200 órfãos. Nas cinco décadas em que funcionou, foi o lar de cerca de 5 mil órfãos e crianças retiradas das ruas do Rio de Janeiro e de outros estados do Brasil.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

O primeiro alerta do desastre que selou a história da comunidade do orfanato e de seus moradores está em uma placa, a menos de 1 quilômetro da entrada: 

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

“PERIGO – ÁREA CONTAMINADA”.

A placa foi instalada há quase três décadas, e marca também a última vez que o Governo Federal tirou do papel algum projeto para controlar a contaminação por hexaclorociclohexano, o HCH. O pozinho branco, de aparência inofensiva, é o  agrotóxico organoclorado, mais conhecido como “pó de broca”.O nome vem de um besouro que ataca o cafezal, a “broca do café”.

Centenas de toneladas de agrotóxico cancerígeno foram esquecidas nos anos 60 pelo governo federal na área de um orfanato; moradores ainda sofrem efeitos na saúde.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

No ano da inauguração do abrigo, o Ministério da Saúde e Educação instalou o Instituto de Malariologia em oito pavilhões desocupados do orfanato. Inicialmente apenas pesquisas sobre malária seriam realizadas ali. Três anos depois, as instalações passaram a ser usadas para produzir inseticidas organoclorados – que hoje são proibidos em todo o território nacional – para matar o mosquito que transmite a malária.

Uma década depois, a fábrica fechou as portas. Os funcionários foram transferidos para Manguinhos, também no Rio de Janeiro, deixando para trás materiais de escritório, móveis e dezenas de tonéis de papelão contendo cerca de 400 toneladas de pó de broca puro.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

“Nós usávamos o pó de broca para tudo. Colocávamos nas casas para matar mosquito; se a criança tinha piolho, ou raspava o cabelo ou metia pó de broca. Era um santo remédio”, relembra dona Maria Sarmento, de 93 anos, uma das moradoras mais antigas da comunidade.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Pelo menos 360 toneladas de pó de broca foram espalhados pela Cidade dos Meninos em pouco mais de 20 anos.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

O sangue de 95% dos 1.400 habitantes testados já chegou a apresentar resíduos alarmantes da substância cancerígena, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Em 1999, todos os bichos da Cidade dos Meninos foram sacrificados para diminuir a contaminação, que passa pela carne e derivados.

Miguel, conhecido como “Miguel do pó”, participou de diversas ações judiciais para descontaminar a área. Contou a história da Cidade dos Meninos em palestras, audiências públicas e reuniões com vereadores, deputados estaduais, federais e até mesmo com ministros da Saúde.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

“Os organoclorados têm uma estrutura química muito estável no meio ambiente e no corpo humano, e por isso demoram anos para se degradar. Usar como inseticida uma substância que não se degrada no meio ambiente é uma bomba” Ana Cristina Simões Rosa Doutora em Saúde Pública e Meio Ambiente da Fiocruz

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Ao longo das décadas de 1980 e 1990, moradores que residiam a até 12 km da área da fábrica apresentaram aumento da mortalidade por câncer de pâncreas, fígado, laringe, bexiga e tumores hematológicos em homens, e de câncer de pâncreas e tumores hematológicos em mulheres, na comparação com grupos populacionais que viviam em áreas mais afastadas.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Meio século depois, 73% dos moradores continuam contaminados.

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media