Numa casa de madeira – com dois cômodos, móveis velhos e muitas goteiras – no município de Porto Grande, interior do Amapá, uma jovem de 23 anos, que nasceu e criou os três filhos na região, explica que o garimpo próximo à residência sempre foi a única fonte de renda da família e, atualmente, também é cenário de preocupação com a saúde.
A região foi uma das quatro da América Latina que participaram de uma pesquisa para analisar a exposição de mulheres ao mercúrio. O estudo, feito com o apoio do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), coletou amostras de fios de cabelo de 34 mulheres brasileiras e de outras 129 na Bolívia, Venezuela e Colômbia.
Em 58,8% dos casos analisados, foi identificado um nível de contaminação por mercúrio superior ao limite de 1 ppm (parte por milhão) estabelecido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) para a percepção dos efeitos negativos em fetos. Além disso, 66,8% excederam 0,58 ppm, nível no qual, segundo os pesquisadores, os efeitos negativos podem começar a ocorrer.
A região apresentou o segundo maior índice de contaminação, com o nível médio de 2,98 ppm. O mercúrio é um elemento líquido usado nos garimpos para ajudar na coleta e separação do ouro, por conta da facilidade de se unir a outros metais e formar amálgamas – ligas metálicas utilizadas na mineração.
Não é preciso andar muito na estreita rua do vilarejo para ouvir dúvidas sobre problemas de saúde comuns entre os moradores. Esposas de garimpeiros relataram às pesquisadoras a ocorrência frequente de abortos espontâneos, crianças com dificuldades respiratórias e aparecimento de doenças sem diagnósticos definidos.
“O mercúrio pode atingir o sistema nervoso, o sistema reprodutivo da mulher. Então muitas querem saber se o teor [de contaminação] delas está alto para terem, pelo menos, um horizonte para saber por onde começar a pesquisar doenças que elas apresentam e que, hoje, não têm explicação”, explicou Renata Ferreira, pesquisadora do Iepé.
A preocupação com a saúde é recente. Antes, a angústia local voltava-se, principalmente, para os riscos estruturais da garimpagem. O tio de uma das mulheres ouvidas pela Pública, por exemplo, morreu soterrado por uma encosta que desabou durante a extração de ouro.
A pobreza, o medo da fome e a falta de informação são fatores que levam muitos ali a defender a atividade garimpeira.
Em julho de 2021, as atividades da Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Vila Nova (Coopgavin) deveriam ter sido paralisadas após a interdição do garimpo para a regularização estrutural das barragens de rejeitos, conforme parecer técnico da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema). Contudo, a exploração mineral permanece ilegalmente e em menor escala por, justificam os garimpeiros, não haver outro meio de trabalho.
As pesquisadoras relataram ameaças de garimpeiros para impedir a continuação dos trabalhos. Uma caminhonete — o dono do veículo não foi identificado — chegou a ser incendiada para enviar uma “mensagem” sobre as consequências do prosseguimento do estudo.
Mesmo com as limitações, a quantidade de amostras coletadas foi suficiente para evidenciar os efeitos indiretos do garimpo artesanal. Elas apontam um alto índice de contaminação em mulheres que não atuam na exploração de ouro, mas consomem regularmente peixes do rio Vila Nova. As consequências, podem alcançar um número muito maior de regiões, a partir do comércio das espécies contaminadas, explicou o coordenador de gestão da informação do Iepé, Decio Yokota.