Treinamento oferecido pelo maior grupo de promoção da educação domiciliar (homeschooling) no Brasil encoraja pais a bater em suas crianças "calma e pacientemente" como forma de educar, revela uma investigação da Agência Pública e da Open Democracy.
Livros, sites e vídeos consultados pela reportagem dão dicas aos pais de como bater em crianças e contornar a lei – evitando lesões graves, marcas visíveis e humilhação pública. Materiais afirmam que pais que não castigam os filhos com a "vara" não amam a Deus ou aos seus filhos.
No grupo de Moreira no Telegram, chamado “A família e seus direitos” – que tem mais de 10,8 mil inscritos -, uma enquete sobre castigos físicos foi lançada em maio de 2021; das 664 respostas, 51% marcaram que “sim, eu uso castigo físico (por exemplo: palmadas)”.
Desde 2010, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) tem desafiado a lei que tornou obrigatório que menores de 17 anos frequentem as escolas, pressionando por mudanças nas legislações estaduais e defendendo pais adeptos do homeschooling na justiça.
A pauta é defendida há anos por grupos conservadores e membros do alto-escalão do governo Bolsonaro, apesar de essa modalidade de ensino alcançar apenas 0,03% das crianças em idade escolar, segundo estimativas.
A ANED não defende explicitamente o uso de violência contra crianças em suas comunicações oficiais, mas distribui materiais de apoio que o fazem – por meio do Clube ANED, um programa de descontos para membros com 25 empresas parceiras.
Reprodução:ANED
Uma dessas empresas é a Kairós Consultoria Educacional, que divulga o trabalho da polêmica autora Simone Quaresma. Seu livro, intitulado “O que toda mãe gostaria de saber sobre a disciplina bíblica”, teve a venda proibida em 2020 por defender o uso de castigos físicos.
O Senado pode votar ainda este ano o Projeto de Lei (PL) que busca regulamentar o homeschooling (educação domiciliar) no Brasil, que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e é uma promessa assumida pelo presidente Jair Bolsonaro desde a campanha de 2018.
Com tantas questões urgentes na educação, só um lobby muito poderoso explica a aprovação de um PL que interessa a um grupo de apenas 15 mil pessoas
Sâmia Bomfim deputada federal e educadora