Arina da Cunha Lopes, a Nina, é uma mulher negra de 42 anos nascida numa família de catadores de Jardim Gramacho, Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro. Por 34 anos, Nina viu caminhões da empresa de limpeza da capital entupirem seu bairro com resíduos sólidos de quase sete milhões de cariocas.

O lugar tornou-se uma cidade do lixo, com uma montanha de 60 metros de altura de rejeitos, uma favela que se formou ao redor – onde Nina mora – e a maior indústria de reciclagem do Brasil com cerca de dois mil catadores.

A realidade dos catadores de Gramacho foi exibida para o mundo todo no documentário “Lixo Extraordinário”, do artista plástico carioca Vik Muniz. Em 2012, um ano após o lançamento do longa-metragem, o aterro foi fechado para sempre.

Da noite para o dia, catadores perderam sua única fonte de renda e caíram em um limbo do qual nunca conseguiram sair, levando junto maridos e esposas, filhos e netos, tias e sobrinhos – gente que ouviu promessas que nunca saíram dos sonhos, como cursos de capacitação, urbanização, centro esportivo, escola, hospital, plantio de árvores, apartamentos sociais.

Tenho várias marcas no corpo, eu chamo de ‘cicatrizes do lixo’, principalmente por causa do vidro quebrado, que corta nossa carne. Uma vez um pedaço de ferro no meio do lixo atravessou meu pé. Continuei trabalhando até o fim do dia, e no dia seguinte também.

Domício Moreira de Sousa, de 62 anos, catador.

Uma caminhada pelas ruas de terra do bairro revela que aumentou o número de lixões clandestinos em terrenos próximos – um deles a poucos minutos da portaria principal do antigo aterro.

A vida é muito barata nesses lugares, as pessoas te matam por causa de um real. Se fossem só catadores, não teria problema, mas tem muita área de milícia aqui, e eles estão sempre rondando os lixões para ocultar cadáveres. Olha o tipo de coisa que precisamos enfrentar para ganhar uma merda de dinheiro

Wellington Cunha de Souza, de 18 anos

É de pessoas pretas que estamos falando, principais vítimas do racismo ambiental no Brasil, que expõe as condições desumanas de existência especialmente de negros e indígenas. São eles que trabalham com lixo desde a chegada da família real portuguesa.

Nossa luta é solitária, tudo é feito por nós, com nosso dinheiro, sem apoio da prefeitura de Caxias, da prefeitura do Rio, do governo estadual ou federal. Esse lugar sofreu por 34 anos com derramamento de resíduos e, mesmo assim, construímos nessa comunidade o maior mecanismo de geração de trabalho e renda com reciclagem do país. E que foi desativado.

Sebastião Santos preside da Coopergramacho

Cerca de 12 milhões de toneladas de resíduos sólidos acabaram descartados no meio ambiente, deixando de gerar trabalho, renda e reuso de materiais. Por ano, em todo o país, são gerados quase 80 milhões de toneladas de lixo, mas apenas 4% são reciclados.

dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Reportagem realizada em parceria com o Bocado, rede regional de jornalismo organizada em defesa de nossos sistemas alimentares (e futuros possíveis) em perigo.