No ano em que a Lei de Cotas completa dez anos, estudantes indígenas e quilombolas enfrentam um desafio ainda maior do que entrar na universidade: se manter nela.
Vindos de espaços em que o dinheiro não é a moeda de troca mais valiosa, eles contam com a Bolsa Permanência para se sustentarem nas cidades em que estão localizados os campi das universidades federais. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o programa foi drasticamente reduzido durante o governo Bolsonaro.
Hoje, seis entre cada dez alunos dessas populações que solicitam o auxílio têm seus pedidos negados.
Para receberem o auxílio de R$ 900, além da autodeclaração, os alunos indígenas e quilombolas precisam apresentar uma declaração da comunidade de residência, uma declaração da Funai ou da Fundação Palmares e um termo de compromisso.
De 120 alunos inscritos no programa em 2022, sendo todos indígenas, apenas 27 foram atendidos. “Até 2019, o acesso era universal, todos os alunos que se cadastravam tinham bolsa[...]”, afirma a professora Maria Aparecida Mendes de Oliveira, coordenadora do curso de Licenciatura Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Ano a ano, o total de bolsistas foi crescendo: de 15.477 alunos em 2014 até se estabilizar em 2017, com cerca de 24 mil beneficiários. Naquele ano, foram investidos R$ 134,3 milhões no programa. A partir do último ano do governo Temer, o número de bolsas começou a cair, diminuindo ainda mais no governo Bolsonaro.
Em 2022, quando as universidades federais voltaram às aulas presenciais depois da vacinação em massa contra a Covid-19, o MEC ofereceu apenas 2 mil bolsas para uma lista de 5.278 mil estudantes que declararam precisar de auxílio para manter a frequência no curso.
Seriam necessários R$ 34,8 milhões de verba pública – apenas R$ 2,9 milhões por mês – para atender o número de candidatos que têm direito ao programa, mas não foram contemplados neste ano.
A título de comparação, esse valor é inferior aos gastos individuais do presidente Jair Bolsonaro nos cartões corporativos no período de 35 dias entre abril e maio, que foi de R$ 4,2 milhões.
Os poucos alunos que conseguem receber a bolsa também sofrem com a não atualização do valor do auxílio, que em 2013 tinha um poder de compra muito superior ao atual.
Se reajustada com base no ritmo ascendente da inflação no Brasil no período, a bolsa pagaria hoje o valor de R$ 1.555,70, de acordo com a calculadora do IPCA do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não vemos procuradores indígenas, juízes indígenas, nossos advogados para atuar em defesa dos nossos direitos e os médicos para cuidar da saúde indígena ainda são muito poucos.
Braulina Baniwa, Cofundadora da Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges (Abia)