Quatro histórias de violência obstétrica no intervalo de oito anos, que teria sido cometida pelo mesmo médico; vítima mobiliza mulheres para uma ação coletiva.
A diarista Anita* sentiu as primeiras dores no dia 16 de junho de 2012 e logo pensou que seu filho poderia chegar neste mundo antes da data prevista, que seria dali um mês. Mesmo sem ser a hora do filho nascer, decidiu ir até o hospital.
“Foi então que conheci o dr. Odir [Hospital São Lucas], aquele monstro. Quando ele me examinou, a luva veio suja de sangue e ele falou que eu estava em trabalho de parto. Expliquei a ele que, como meu filho era grande demais [macrossomia fetal], havia a orientação da minha médica que ele deveria nascer de cesárea. Ele deu um tapa no meu ombro e disse: ‘Você aguenta, você é forte’. Foi muito abusado comigo”, conta Anita.
Para ele, eu já tinha perdido meu filho, porque não estava batendo o coração. Ele começou a me rasgar com as mãos dele. Aí eu gritei: “O senhor não vai me dar uma anestesia?’. (...)Eu sentia meus ossos, parecia que estava tudo quebrando para o bebê passar.
O dr. ficou desesperado na sala de parto.
O bebê saiu do hospital com as seguintes sequelas irreparáveis: paralisia braquial, estrabismo – e dificuldade em enxergar –, quadro de epilepsia e paralisia da parte superior do braço direito, que, tecnicamente, se chama “monoplegia de membro superior”.
“Hoje em dia eu tenho até medo, tenho trauma de ter outro filho. Meu sonho era ter três filhos, mas eu tenho muito medo de cair na mão de outro carniceiro, entendeu? Ele deixou sequelas, ele marcou a minha vida”, lamenta Anita.
trauma de ter outro filho
Mais de 130 quilômetros e oito anos separam a história de Anita e da garçonete Bruna Moraes, 31 anos. Mas uma coisa as conecta: ambas afirmam ter sido vítimas do médico Odir Sagim Junior.
Em outubro de 2020, por volta das 4h30, Bruna chegava à Santa Casa de Atibaia, no interior de São Paulo, em trabalho de parto e se queixando de dores. A dilatação estava evoluindo bem, mas havia um problema: a criança não estava encaixada, ou seja, não estava posicionada com a cabeça no colo do útero.
Eu implorei por uma dipirona, para amenizar a dor. Foi quando ele veio, bateu nas minhas costas e disse: ‘Minha filha, o remédio é nascer. Vamos! Faz força aí que vai nascer’. Eu segurei, fiquei quieta e comecei a chorar. Ele falou: ‘Não adianta nada chorar’. Aquilo me subiu e eu falei: ‘Eu vou chorar porque estou sentindo dor e eu vou chorar’. Ele rebateu: ‘Não vou mais colocar a mão em você. Você é uma ignorante. Não faço seu parto’.
Assim como Gabriel, filho de Anita, Laura, filha da Bruna, também nasceu com um quadro de ausência de oxigênio, mas não teve sequelas como o menino.
Em março de 2019, na Santa Casa de Atibaia, Marcela Cavallari, 29 anos, chegou cheia de expectativas para o nascimento do filho, Theo.
Mas a realidade, conforme seu relato, foi de horror: ela conta que, na sala de parto do hospital, foi amarrada e teve desrespeitado o desejo de realizar parto vaginal. O médico que prestava atendimento, segundo Marcela, era Odir Sagim Junior.
Ainda na sala de pré-parto, o médico se comunicou de forma desrespeitosa e abusiva comigo e com as outras gestantes. Ele falava coisas como: ‘Olha pra mim enquanto eu tô falando!’, ‘Eu tô mandando!’; ‘Isso é falta de educação!; ‘Não grita’. Fez vários exames de toque brutos e desnecessários.
A vida da vendedora Suellen dos Santos Machado, 21 anos, também teria sido atravessada pelo médico Odir Sagim Junior na Santa Casa de Atibaia.
Quando a filha dela estava saindo, as contrações diminuíram e, já sem força, Suellen temeu que a criança ficasse presa nela. “Ele olhou e falou: ‘Põe o soro, senão a gente vai perder ela’. E aí ele pôs o soro em mim para vir a contração, e aí veio. A minha nenê nasceu fria, ela nasceu gelada. Eu não ouvi o choro dela, ela não pode ficar no meu colo. Ela saiu de mim e foi direto para um bercinho.”
Eu lembro o momento da agulha entrando e saindo, foi muito doloroso. É muito difícil até de falar, de lembrar. Depois, para tirar minha placenta, ele deu dois socos na minha barriga e colocou a mão dentro de mim, puxou da forma mais bruta possível. E aí ele ainda disse que tinham sobrado membranas, enfiou o braço, girou, tirou o que sobrou… É uma coisa que era para ser linda, mas foi horrível”
Os relatos dessas mulheres apontam que teriam sido vítimas de violência obstétrica, que, por definição, é “toda conduta ou omissão realizada pela equipe de saúde, (...) expressa por um atendimento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e a capacidade de decidir livremente sobre o seu corpo e a sua sexualidade, afetando negativamente sua qualidade de vida”.
Marcela Cavallari enviou uma carta ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) relatando o sofrimento por que passou. A denúncia foi arquivada. Agora, junto com outras mulheres, ela prepara uma ação coletiva para buscar responsabilizar criminalmente o médico Odir Sagim Junior.