Por Olga Lucía Lozano | 25 de julho de 2016
100 offline: o conceito por trás de uma reportagem transmídia
Durante o processo de gestação de 100, a ideia central desta reportagem especial foi a de paredes que cedem para que se apague uma história; para dar lugar a muros reluzentes que impedem a lembrança do que era o Rio pré-megaeventos; para enterrar as histórias de quem construiu e habitou esses espaços antes das remoções. Foi a partir dessa ideia que fizemos a conceitualização gráfica e a estrutura que, ao final, perpassam o projeto jornalístico na sua totalidade.
Ao ser concebido como uma reportagem transmídia, além dos conteúdos online, o especial 100 incluiu componentes produzidos para circular em outros formatos e em espaços offline, com o propósito de chegar a públicos diversos e, também, de gerar uma narrativa capaz de abordar diversas perspectivas.
Assim nasceram “Cem”, “Antes e Depois” e “Homenagem às Paredes Caídas”, três obras artísticas que traduzem a investigação jornalística para linguagens mais próximas às artes visuais.
As peças foram produzidas por mim e pela designer Lorena Parra e inauguradas durante a mostra “7×1 – Cinco anos de cobertura jornalística dos megaeventos”, que reuniu as melhores reportagens da Agência Pública sobre a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
“Cem”
As demolições não apenas fraturam construções e paredes. A imagem da queda das casas “desaparecidas” da paisagem urbana do Rio de Janeiro é somente uma face dos sentimentos de muitos que foram obrigados pela prefeitura a migrar do lugar onde cresceram e construíram tecidos sociais.
A peça expressa justamente esse processo de desintegração exterior e interior que acontece em poucos minutos, apesar de ter um impacto permanente. Tomando como base quatro imagens do fotógrafo carioca Luiz Baltar – duas delas de momentos prévios às demolições e duas, posteriores –, “Cem” é composta por duas persianas que, ao serem giradas pelo público, permitem ver, de um lado, os lugares antes de serem tocados e, do outro lado, o resultado da fragmentação do espaço.
“Cem” foi exposta publicamente pela primeira vez em 9 de julho de 2016, na Casa Pública, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.
É como um palimpsesto urbano, uma cidade que se reescreve sobre outra que se recusa a desaparecer entre os escombros… São imagens que usurpam o presente ou se fragmentam no passado. Assim, as persianas mantêm intactos dois lugares cujo passado somente poderá ser reconhecível nos relatos e nas lembranças daqueles que tiveram de abandonar a sua habitação.
“Antes e Depois”
Mais do que uma peça independente, esse cartão-postal é a versão 2 de “Cem”. Nela, diferentemente da instalação, as duas imagens se mantêm inteiras. O “antes” e “depois” dos lugares arrasados pelas obras olímpicas podem ser apreciados claramente, apenas virando o postal. Assim, o destinatário do cartão-postal pode definir o quanto vai demorar para demolir uma casa. Basta virar a mão… como se nela estivesse o destino dos outros.
Igualmente, a intenção ao escolher o formato foi criar uma lembrancinha. Uma peça para que as pessoas possam conservar como suvenir dos Jogos Olímpicos, mas sobretudo do Rio de Janeiro, que sofreu intervenções estéticas irreversíveis.
Foram impressos apenas 100 postais, fazendo uma alusão às 100 famílias cujas vidas, vozes e histórias fazem parte da reportagem especial.
Uma homenagem às paredes caídas
Uma das intenções centrais do projeto 100 é consolidar um relato multivocal, abordando não apenas os aspectos urbano, político e econômico, mas também toda a riqueza de emoções e vivências que rodearam as remoções olímpicas.
“Uma homenagem efêmera às paredes caídas” surge justamente como resultado da releitura da situação “geográfico-emocional” daqueles que viram a demolição das casas que construíram durante anos e nas quais passaram momentos fundamentais da sua história.
A instalação foi concebida como uma parede de 100 tijolos, não somente com o objetivo de evocar as histórias desses 100 personagens que alimentam a reportagem, mas sobretudo a condição efêmera daquelas paredes que por décadas as abrigaram.
Durante a inauguração da obra de arte, o público presente foi convidado a tomar parte no “ladrilhaço coletivo”: cada um pôde retirar um dos tijolos, feitos de espuma e tecido, e levá-lo para casa. Converteram-se assim, de maneira involuntária, em “demolidores” da parede. Cada tijolo tem um número único que também corresponde a uma das histórias de 100.
Entre os visitantes que participaram da demolição dessa parede efêmera, estava a família Santos Rocha, cuja história, em formato de fotorreportagem de JV Santos, está presente na contagem de 100.
Ao verem os tijolos caídos no chão, os dois filhos menores de Evanilde Rocha se puseram a rapidamente reempilhá-los.
O destino dos tijolos levados pelo público é desconhecido. Mas a reação dos filhos da família deixou claro o óbvio: é preciso voltar a juntar as peças e a levantar as paredes, mesmo que elas voltem a cair muitas e muitas vezes.