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Projetos antiaborto avançam no Congresso enquanto descriminalização segue suspensa no STF

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Enquanto a descriminalização do aborto não avança no Supremo Tribunal Federal (STF), há pelo menos três propostas antiaborto em tramitação no Senado, que podem levar a retrocessos de direitos já conquistados.

A PEC 49/2023, de autoria do senador Magno Malta (PL-ES), altera a Constituição para incluir a garantia de direito à vida desde a concepção. Já o projeto de lei 4281/2023, de autoria do senador Eduardo Girão (Novo-CE), institui o dia do nascituro. Ainda há uma proposta de plesbicito, de autoria do senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, sobre o aborto, em reação às discussões sobre o tema no Supremo. 

O senador Eduardo Girão é um dos principais articuladores da ofensiva antiaborto no Congresso. Ele também é autor de outro PL no Senado, que veta qualquer modalidade de aborto por telessaúde. Essa PEC está em tramitação na Comissão de Direitos Humanos. A telemedicina é regulamentada no Brasil desde 2022, por normas do Conselho Federal de Medicina. O aborto legal, via telessaúde, foi criado pela ginecologista e obstetra Helena Paro, que lançou uma cartilha com orientações sobre o procedimento, em 2021. Desde então, a médica tem sido alvo de vários ataques. 

Girão também está entre os senadores que assinaram a favor do plesbicito sobre aborto, apresentado na última terça-feira (26), em resposta ao julgamento no STF. A proposta já reúne 45 assinaturas. Ela pretende que a população vote “sim” ou “não” para a pergunta: “Você é a favor da legalização do crime de aborto?”

Manifestantes em ato nesta quinta (28) exibiram grande lenço verde, símbolo da luta pela descriminalização do aborto, sobre o Eixo Monumental, na capital federal

Em Brasília, durante a semana de 25 a 29 de setembro, aconteceram mobilizações pela legalização do aborto nas ruas e no Congresso. Nesta quinta-feira (28), dia da Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe, os atos começaram logo cedo, com um grande lenço verde, símbolo da luta pela descriminalização do aborto, estendido sobre o Eixo Monumental, a principal avenida do Plano Piloto. Outras manifestações também aconteceram em várias capitais brasileiras. 

Jolúzia Batista, assessora do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria)

Ainda na véspera do dia 28, representantes de organizações feministas de vários estados brasileiros se movimentavam nos corredores do Congresso para articular apoio de parlamentares, tanto para o evento da Frente Feminista Antirracista, realizado no Plenário da Câmara nesta quinta, e também contra o avanço das propostas legislativas antiaborto. A Agência Pública acompanhou visitas do grupo aos gabinetes da senadora Augusta Brito (PT-CE) e Zenaide Maia (PSD-PB), onde o grupo foi recebido por assessores. 

“Essas propostas legislativas antiaborto estão sendo impulsionados no bojo dessa discussão da ADPF 442 no STF”, explicou Jolúzia Batista, socióloga e assessora do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, é uma ação que busca descriminalizar o aborto, em qualquer circunstância, até a 12º semana de gestação. No Brasil, a interrupção legal da gravidez já é prevista em casos de violência sexual, anencefalia do feto e risco de vida da gestante. 

Na semana passada, a ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro Luis Roberto Barroso. Ainda não foi marcada uma nova data. 

“Estão ressuscitando propostas legislativas que estavam esquecidas e que agora estão tramitando muito rápido. O projeto do dia do nascituro entrou em pauta no mesmo dia em que a ADPF foi votada, surpreendendo todo mundo”, explicou Clara Wardi, assessora técnica do Cfemea.

A proposta de criação do dia do nascituro, ou seja, daquele que ainda não nasceu, de Eduardo Girão, foi recebido na Comissão de Direitos Humanos da Casa no dia 11 e aprovado no dia 20 de setembro, com relatoria do senador Magno Malta. Agora, ele pode seguir direto para a Câmara dos Deputados, se não houver interposição de recurso até o próximo dia 29. 

Durante a visita do grupo feminista ao gabinete da senadora Augusta Brito, a assessora legislativa Olga Leitão, disse que enfrentar pautas antiaborto têm sido prejudicado por outros temas que estão mobilizado a atenção dos parlamentares neste momento, entre elas o Marco Temporal, aprovado no Senado na quarta-feira (27). “Acaba que outras coisas vão passando”, comentou a assessora.

Plenária na Câmara dos Deputados nesta quinta (28) sobre a descriminalização do aborto

“É uma reação conservadora aos nossos avanços”

Dentro das atividades realizadas no Congresso Nacional, para marcar o dia de luta pela descriminalização do aborto, a Frente Parlamentar Feminista Antirracista, encerrada na Legislatura anterior e ainda não oficialmente recomposta, retomou atividades com um seminário no Plenário da Câmara dos Deputados. “É uma frente que pautou lutas e resistências em um momento difícil. A gente agora tem um desafio maior, que é uma combinação de liberdades democráticas para seguir a luta em outro patamar, mas também seguir na luta”, disse a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), na abertura da programação.

“A obstrução de votações na Câmara e no Senado, anunciada por frentes de direita, é mais do que um recado para o STF. É uma reação conservadora aos nossos avanços: o casamento homoafetivo, que é uma garantia desde 2011, a votação do Marco Temporal e a defesa dos Povos Indígenas e do meio ambiente, e a pauta a legalização do aborto”, acrescentou Melchionna.

“Ainda temos uma extrema direita e um conservadorismo fundamentalista muito organizado aqui no Congresso Nacional. As pautas que envolvem nossa liberdade, nosso corpo, nossos direitos sexuais e reprodutivos ainda vão ser muito atacadas”, diz Talíria Petrone, deputada federal do PSOL-RJ, que participou da abertura do seminário da Frente Parlamentar Feminista Antirracista.

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