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Militares querem vagas no CNJ e assumir mais casos da Justiça Comum ainda em 2024

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É prioridade para a Justiça Militar convencer o Congresso a aprovar duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) ainda em 2024: uma que lhe garante vagas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outra que amplia sua atuação em processos civis, avançando sobre matérias hoje sob competência da Justiça Comum. Para isso, o Superior Tribunal Militar (STM) – principal interessado nas pautas – conta não apenas com o governo Lula, mas também com alguns dos mais influentes bolsonaristas no Congresso.

O ex-vice-presidente, senador e general da reserva do Exército Hamilton Mourão (Republicanos-RS), o ex-líder de Bolsonaro no Congresso senador Eduardo Gomes (MDB-TO) e o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), um dos maiores defensores do garimpo na Amazônia, são os principais articuladores das duas PECs em Brasília.

Por que isso importa?

  • Enquanto os militares buscam mais representação [e poder], uma queda de braço vem sendo silenciosamente travada com a gestão Lula, colocando em xeque a autoridade do presidente, em especial em questões como a crise indígena Yanomami

À Pública, o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), tenente-brigadeiro da Aeronáutica Francisco Joseli Camelo Parente, disse: “nossa expectativa é que a gente consiga [ao menos] um assento no CNJ e também consiga fazer avançar a PEC do campo de Direito Administrativo nesse ano”, referindo-se à ampliação da competência militar em relação a casos da Justiça Comum.

Francisco Joseli Camelo, presidente do STM

O trabalho do STM em prol das duas PECs consolida um esforço para aprovar seus projetos no atual governo Lula.

O caso mais recente ocorreu no fim de 2023, quando o Congresso aprovou uma proposta para a criação de 740 novos cargos na Justiça Militar – 403 comissionados. Este projeto virou lei em 30 de novembro passado, com a assinatura do presidente da República em exercício na data, o vice Geraldo Alckmin (PSB-SP). 

Centrão e oposição a Lula apoiam militares no CNJ

A PEC das vagas para militares no CNJ tem discussões mais avançadas, com texto e parecer legislativo em trâmite no Senado desde o ano passado. A proposta conta com extenso apoio da oposição a Lula (PT) e do Centrão no Senado, como mostram as 32 assinaturas da proposta.

Conforme apurado pela Pública, a entrada da Justiça Militar no CNJ já estaria “pacificada” com o governo Lula, o Legislativo e o Judiciário. Entretanto, não há data prevista para sua votação no Senado.

Uma semana após o ex-líder do governo Bolsonaro protocolar esta PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, em março de 2023, o STM antecipou quem se tornaria o relator: o general Mourão. O ex-vice-presidente de Bolsonaro qualifica a proposta como “conveniente, necessária e adequada” em seu parecer.

Joseli Camelo e o ex-líder de Bolsonaro no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO)

Antes da PEC tramitar no Congresso, o presidente da Justiça Militar foi ao Senado para tratar do tema com Davi Alcolumbre (União-AP), o presidente da CCJ, além de encontrar-se com o general Mourão e o próprio Gomes.

Originalmente, o ex-líder do governo Bolsonaro sugeriu a abertura de três novas vagas no CNJ para a Justiça Militar: uma a ser ocupada por um ministro do STM e outras duas para, respectivamente, juízes das esferas estadual e federal da Justiça Militar da União (JMU). Em comum, os três assentos seriam ocupados por nomes indicados pelo STM.

O projeto já tem um parecer legislativo por sua aprovação. Nele, o general Mourão diminuiu a influência do STM na escolha das vagas – que foram reduzidas de três para duas, sendo que apenas uma teria indicação da Corte militar. A outra, a ser ocupada por juiz militar dos estados ou Distrito Federal, seria preenchida por indicação do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Achamos muito importante a nossa presença lá dentro [do CNJ], para contribuirmos e também avaliarmos aquilo que diz respeito à Justiça Militar. Carecemos desse assento, por isso vamos trabalhar firmemente ao longo deste ano para que possamos ter essa vaga”, disse Camelo à Pública.

Senador pró-garimpo colhe assinaturas para mudar atuação da Justiça Militar

Segundo dito pelo presidente do STM à Pública, a PEC que defende mudanças na área de atuação da Justiça Militar visa “julgar o Direito Administrativo e o Direito Disciplinar militar”, hoje na alçada da Justiça Comum.

“Nós, da Justiça Militar, julgamos apenas o crime [militar]. Por exemplo: o direito administrativo que diz respeito à vida militar vai à Justiça Comum – mas casos desse tipo dizem respeito às atividades militares, como está previsto no Estatuto dos Militares”, afirmou Camelo à Pública.

A PEC é articulada no Congresso pelo senador bolsonarista Mecias de Jesus, um parlamentar com trânsito na Justiça Militar. Em setembro de 2021, por exemplo, o senador recebeu a medalha de Alta Distinção de Ordem ao Mérito dos militares, por ter “prestado relevantes serviços à Justiça Militar da União”.

Desde o fim de 2023, Jesus é o responsável por colher pelo menos outras 26 assinaturas para o projeto – cada PEC precisa do apoio oficial de ao menos 27 senadores para que comece a tramitar no Senado. Não se sabe, porém, quantas assinaturas já foram coletadas pelo senador. 

Senador Mecias de Jesus e o ex-presidente Jair Bolsonaro

Consultado pela reportagem, o esboço inicial da PEC alega que as Justiças Militares da União e dos estados têm “capacidade técnica”, “recursos humanos e materiais” para lidar com casos “de Direito Administrativo Militar que hoje tramitam na Justiça Federal e nas Varas de Fazenda Pública estaduais”.

Os militares defendem que a PEC ajudaria a ‘desafogar’ os tribunais civis. À Pública, o presidente do STM estimou que existem pelo menos 90 mil processos de direito administrativo e disciplinar militares tramitando na Justiça Comum.

“Poderíamos reduzir essa carga de trabalho e temos procurado a Justiça Comum, sempre prontos para dialogar. Tudo aquilo que ela entender que não deseja passar a competência [para a Justiça Militar], naturalmente conversaremos e chegaremos a um acerto”, afirmou Camelo à Pública. “Temos todo o cuidado com isso, porque sabemos que perder competência é perder poder”, concluiu.

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