Agência Pública

Parte IV: No horizonte, a retirada das tropas…

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A maioria dos analistas considera positiva a condução brasileira da missão de paz da ONU. “A queda de Aristide permanecerá cercada de mistério e descrita por várias versões. Durante seu governo se destruiu o pouco que havia de infraestrutura no país, se empobreceu sua população e se ampliou a violência”, afirma o professor de relações internacionais da UnB, Antonio Jorge Ramalho.

Também entusiasta da missão brasileira, principalmente até a eleição de René Préval, em fevereiro de 2006, Ricardo Seitenfus, doutor em Relações Internacionais e durante três anos representante da OEA no Haiti, diz que depois do “trabalho excepcional” durante o terremoto de 2010, a missão perdeu o rumo: “A resposta da ONU depois da catástrofe foi mandar mais soldados. Pensou na segurança. Mas o que você tinha ali era um país destroçado pela tragédia. O Haiti recebeu 11 bilhões de dólares em doações internacionais e o dinheiro não chegou ao país”, afirma.

Seitenfus deixou a representação da OEA no Haiti depois de uma entrevista em que revelava sua insatisfação com a interferência da organização no pleito que elegeu Martelly, promovendo uma recontagem de votos que alterou o resultado das eleições e tirou o candidato de Preval do segundo turno. Ele afirma, porém, que as razões para o “encurtamento de três meses” de sua representação no Haiti, foi “a defesa das instituições haitianas e a recusa em corroborar as pressões exercidas pela comunidade internacional sobre Préval”.

Interferência política

O ex-representante da OEA conta ter participado, na reunião do Core Group (países doadores, OEA e Nações Unidas) no dia das eleições,  de um episódio que o deixou “estarrecido”: “O representante das Nações Unidas, Edmond Mulet, sugeriu que o presidente René Preval deveria sair do país e que deveríamos pensar em um avião para isso. O primeiro-ministro do Haiti, Jean-Max Bellerive, perguntou se o mandato do presidente Preval estava sendo negociado. Em face do silêncio resolvi opor-me à luz da Carta Democrática Interamericana que, coincidentemente, acaba de completar dez anos de vida”.

Para ele, a interferência política dos países doadores durante todo o governo Preval apenas atrapalhou o Haiti – como no caso, revelado pelos telegramas do Wikileaks, da pressão americana para que o país não fechasse um acordo de fornecimento de gasolina com a Venezuela que levaria a uma economia de 100 milhões de dólares por ano.

Seitenfus defende o redirecionamento da Minustah para a Comissão da Consolidação da Paz na ONU, como primeiro passo para a retirada militar.  “Continuar lá para que? Interferir na política interna, ensinar como deve funcionar o governo deles? Democracia não é um produto que se compra no supermercado das Nações Unidas. Em um país com mais de 80% da população sem emprego, educação, saúde, alimentação, podemos considerar que a democracia imposta é sinônimo de estabilidade ?”, questiona Seitenfus.

Também o embaixador brasileiro no Haiti, Igor Kipman, diz que o Brasil sempre defendeu desenvolver o país, como condição para estabelecer a democracia. “Sempre falamos em mudança para uma missão de desenvolvimento”. Uma alta fonte do Itamaraty, porém, afirma ser “quase impossível” a mudança do caráter da missão. “É um problema econômico. China e Inglaterra, no Conselho de Segurança, são contra mudar o caráter da missão. E se tiver uma missão de desenvolvimento, abre um precedente”.

Em setembro houve uma reunião da UNASUL para tratar do tema, mas não se falou em números ou em prazos – e nem, inclusive, na retirada efetiva das tropas. (O site do ministério falava que não havia definido “nem o cronograma de eventual retirada de tropas”).

Ao repórter Luis Kawaguti, da Folha de S. Paulo, o general Luiz Eduardo Ramos Pereira, comandante militar da Minustah, afirmou que as tropas brasileiras devem ser reduzidas em 250 homens até o final de 2012. Se isso se confirmar, o número de soldados brasileiros no Haiti continuará a ser, pelo menos num horizonte próximo, maior do que antes do terremoto: restarão cerca de 1900 homens, contra 1200 soldados brasileiros antes da catástrofe.

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