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Hotéis foram aos céus pela Olimpíada

Logo que anunciado em 2009 o Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, havia a preocupação com o fato de que a cidade não tinha uma rede hoteleira suficiente para o previsível aumento de demanda no turismo. Havia o receio de que os próprios Jogos atrairiam muito mais gente do que o número de quartos de hóspedes à disposição no município. O debate tomou conta dos jornais e levou a um projeto de lei para acelerar a construção de hotéis até o início dos próprios Jogos.

O então prefeito Eduardo Paes o enviou, em outubro de 2010, à Câmara dos Vereadores, propondo incentivos fiscais e mudanças nas normas urbanísticas para a construção de hotéis, com ênfase no aumento de gabarito. O Rio, que em 2010 tinha 31 mil quartos de hotel à disposição dos turistas, atualmente tem mais de 45 mil.

Aprovada pela ampla maioria na Câmara dos Vereadores do PMDB, partido de Paes, a lei é pura exceção às normas da cidade, dando muito mais liberdade de construção às empreiteiras e abrindo possibilidades de negócios também ao mercado imobiliário e aos proprietários de terrenos. A pressa de preencher o vazio hoteleiro da cidade foi tão grande que não se cogitou, à época, que a demanda pós-olímpica poderia ser menor que a esperada. No caso dos hotéis, ocorreu a maioria das construções previstas; mas muitos deles estão com seus quartos vazios em meio à crise por que passa o estado e a própria cidade.

Esqueletos

Hotel inacabado na Rua Bolívar. (foto: Rogério Daflon/ Agência Pública)

Entre as construções previstas, há duas inacabadas: na rua Bolívar, número 65, em Copacabana, um hotel foi construído para os Jogos, mas até agora a obra não terminou. Seu gabarito é mais alto do que os demais prédios da rua. Ou seja, se o aumento do gabarito era vinculado à conclusão da obra para a Olimpíada, há que perguntar se o hotel hoje é irregular. A Pública encaminhou a questão à assessoria de imprensa da prefeitura, que garantiu que o prédio não pode funcionar.

“A lei é rígida. Hotel que não teve a obra completada antes das Olimpíadas não vai poder funcionar. Isso porque dificilmente vão conseguir habite-se e alvará.  O assunto é estudado e o diálogo está aberto.  Segundo os técnicos, nem mesmo a comissão de urbanismo da Câmara dos Vereadores tem, no momento, um consenso para votar esse tema. Certamente será necessário criar um projeto de lei – que pode ser proposta tanto pela prefeitura como pela câmara – para dar uma solução ao caso”, escreveu a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação – SMUIH.

O outro caso é bem diferente. Em meados de 2015, a arquiteta Isabelle Cury, que trabalha no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ao visitar uma prima na rua Francisco Otaviano, em Copacabana, se surpreendeu ao ver da janela dela uma construção iniciada em uma área tombada pelo Iphan. Resolveu descer à rua para verificar se o número de pavimentos obedecia às normas do instituto para aquela jurisdição. “Quando cheguei em frente à placa da obra, li que seria um hotel de 24 andares.” Horrorizada, ela iniciou imediatamente um procedimento administrativo no órgão.

“Dias depois, o Iphan encaminhou à prefeitura um pedido de embargo da obra, o que acabou sendo feito”, explica a arquiteta. A obra, como consequência, foi paralisada imediatamente.

“Nosso bem tombado aqui é o Forte de Copacabana, que tem uma zona de amortecimento, da qual faz parte a rua Francisco Otaviano. Quando li a placa, vi que o hotel teria 24 andares, algo muito maior do que o gabarito de Copacabana, que hoje é de 12 andares”, disse a arquiteta.

Ela lembra que o setor hoteleiro sempre tem conseguido concessões do poder público no Rio de Janeiro. “Na orla de Copacabana, há dois hotéis prejudiciais ao skyline da cidade: o Hilton, que é o antigo Meridien [onde ocorre a cachoeira de fogos de artifício no Réveillon] e o Othon. Ambos são muito maiores do que qualquer prédio ali.”

Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães disse que os hotéis vão trazer transtornos ao bairro. “Já entramos na Justiça contra o hotel da rua Bolívar. Nós fomos na Secretaria Municipal de Urbanismo e perguntarmos se aquele hotel não ficou mais alto, mesmo levando-se em conta a nova lei para a Olimpíada. A ação acabou evoluindo e houve uma liminar pedindo o embargo da obra. A alegação do juiz: o hotel construiu acima da nova norma, dois andares acima e mais um subsolo”, diz Horácio.

Em termos de skyline, o hotel na rua Bolívar é um grande absurdo, diz a arquiteta Márcia Bezerra. “Ele é bem mais alto do que todos ali e fica acima de um prédio art-déco. Pior: ele fica espremido entre dois prédios, não tem uma área de escape. Imagina um prédio desses com a lotação de hóspede esgotada… Será um transtorno para a rua Bolívar e para as vizinhas.”

Hotel Rio Othon, em Copacabana, foge totalmente ao padrão do bairro. (Foto: Divulgação)

 Barra da Tijuca

Em dezembro de 2012, o então prefeito Eduardo Paes mostrou como o aumento da rede hoteleira era uma das principais metas de seu governo. Seu governo enfrentou um protesto na praia da Reserva, na Barra da Tijuca, na zona oeste, onde autorizou um empreendimento imobiliário do Grupo Hyatt. Paes argumentou que, embora fosse uma área de proteção permanente, uma APP, não era proibido construir nela. Pressionado, disse na época que iria transformar aquela área em um parque, para que nenhuma edificação se erguesse ali. Isso, é claro, soou bem aos ouvidos do empreendimento, que teria uma área bucólica para oferecer a seus hóspedes.

Na Barra da Tijuca houve outros protestos contra a construção de hotéis. Hoje, a pequena demanda traz a pergunta se realmente valeu a pena romper gabaritos e voltar à sem-cerimônia com o skyline da cidade.

Para Márcia Bezerra, não houve um debate com a cidade sobre construções de mais prédios com gabarito mais alto e com impacto viário no município. “Em Copacabana, quatro hotéis foram concluídos e há mais duas obras. Isso num bairro já com hotéis, repleto de carros e com vistas a serem preservadas. Rompeu-se com um padrão urbanístico de uma forma descuidada.”

Roubaram o céu