Esse foi o primeiro pedido de impeachment contra um presidente que você protocolou? O que te motivou?
Foi o primeiro pedido. Jamais imaginei antes que em algum momento faria isso. Sempre acompanhei a política muito de perto e, desde o início do ano passado, comecei a ficar verdadeiramente incomodado com a inércia institucional relacionada a abusos cometidos pelo presidente da República.
Como sou médico e não tenho formação em Direito, busquei primeiro me instrumentalizar para ter condição de fazer o pedido, passei a estudar mais sobre. Quando chegou meu período de férias notei, também, que as situações criadas pelo presidente permaneciam surgindo semanalmente e que havia correlações claras com crimes de responsabilidade definidos na Lei 1079/50. Decidi usar, então, esse período para fazer a redação. Acho que minha maior motivação tenha sido, na verdade, a impressão clara de que os atos tinham tendência a se tornarem cada vez mais graves, como de fato ocorreu.
Quais são, na sua avaliação, as denúncias mais graves do seu pedido?
O pedido é composto basicamente por três frentes. A primeira é meio ambiente, com destaque à gestão do atualmente extinto Fundo Amazônia, o que determinou inclusive situações absurdas nas relações internacionais, bem como falta de transparência do ministério do Meio Ambiente. A ingerência verificada sobre o patrimônio nacional é, textualmente, crime de responsabilidade.
Ainda a suspensão de edital da Ancine após declarações de caráter homofóbico em uma live do presidente, figurando como evidente quebra de decoro e dignidade do cargo.
Além disso, as declarações xenofóbicas sobre os colegas cubanos que estavam no Brasil pelo Mais Médicos, tendo se referido aos mesmos como membros de “guerrilha”, o que não é somente sobre o decoro, mas também sobre a diplomacia com um país com o qual o Brasil possui relações.
Você é filiado a algum partido político ou faz parte de algum movimento político? Outros profissionais de saúde assinam documento. Qual a ligação entre vocês?
Não tenho relação com nenhum partido político. Protocolar o pedido foi, de certa forma, um ato político. Tenho um entendimento do que é “exercício político” muito próximo do conceito de cidadania e participação social.
A peça foi escrita por mim, que sou médico, e teve a assinatura – solidária, posto que informal – de dois psicólogos. São pessoas com as quais tenho relação de amizade e que ajudaram na redação.
Em algum momento você chegou a apoiar o presidente Bolsonaro? Alguma situação específica te fez mudar de ideia?
Não votei em Bolsonaro, seria absolutamente incompatível com o minha consciência e o que já conhecia dele. Ainda assim sua atuação mantém a capacidade de me chocar profundamente.
Como médico e também como cidadão, você acredita que, mesmo na atual crise de saúde que estamos vivendo por causa da pandemia no Brasil, – inclusive com prejuízos às ações de combate ao vírus pelas trocas de comando no ministério da Saúde – o afastamento do presidente ainda é a melhor opção?
Quando surgiram as primeiras discussões sobre a Covid-19 aqui no Brasil, fui muito claro em dizer que não era o momento. A postura de Bolsonaro nesse meio tempo me provou que eu estava frontalmente errado. O presidente foi o primeiro a não compreender que existiam setores da sociedade dispostos a deixar de lado (temporariamente) arestas e compôs um comportamento que escalou muito rápido.
Hoje acho que o impeachment não só deve ser pautado com urgência como também creio que os atos relacionados à pandemia são, por si só, motivo robusto e suficiente.