O genocídio da população negra no Brasil se agravou pela atuação da presidência da República no contexto da pandemia. Esse é o argumento fundamental do primeiro pedido de impeachment de um presidente feito pelo movimento negro organizado na história brasileira. Assinado pela Coalizão Negra por Direitos, um movimento que reúne 150 organizações e coletivos negros brasileiros, o documento tem apoio de mais de 600 entidades e personalidades, como os músicos Emicida e Chico Buarque, o ator Antônio Pitanga e o cineasta Fernando Meirelles, que são signatários.
A peça foi protocolada no dia 12 de agosto de 2020. Depois da entrega, militantes fizeram um ato simbólico na frente do Congresso Nacional. A própria data de apresentação do documento tem um significado importante para o movimento negro no Brasil. Nela se celebra a Revolta dos Búzios, uma revolução escrava que ocorreu em 12 de agosto de 1798, na Bahia. O movimento emancipatório, liderado por Cipriano Barata, pregava a libertação dos escravos e a instalação de um governo igualitário.
O pedido de impeachment do presidente, apresentado pela Coalizão Negra por Direitos, afirma que a população negra foi a mais atingida pela covid-19 no Brasil. Afirma que o “Brasil de Bolsonaro já matou o dobro de pessoas por coronavírus do que a guerra do Paraguai” e que está em curso uma “política de morte, que tem como alvo prioritário os corpos negros.”
Os autores do pedido de afastamento afirmam que o governo Bolsonaro se mostra racista pelo “desmantelamento de políticas públicas resultantes de lutas históricas do movimento negro”, bem como por seus pronunciamentos preconceituosos. No texto, a participação do movimento negro em defesa da democracia e dos princípios da República recebe destaque. Também há a reprodução do manifesto da Coalizão Negra por Direitos, lançado em junho de 2020, que é categórico ao afirmar: “enquanto houver racismo, não haverá democracia.”
Entre os crimes de responsabilidade atribuídos ao presidente Bolsonaro na peça estão ações de extermínio e vulnerabilização da população negra – em especial de comunidades quilombolas. A Coalizão Negra por Direitos sustenta que Bolsonaro comete improbidade administrativa “por não impedir a disseminação do ódio racial proferido por Sérgio Camargo, enquanto presidente da Fundação Cultural Palmares, que é “voltada para promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”, como descreve o site da instituição. Camargo já chamou o movimento negro de “escória maldita”.
Ainda dentro das denúncias relacionadas aos ataques dos direitos da população negra, o texto relembra o discurso de posse o presidente da República, que disse: “Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e a nossa tradição judaico-cristã, combatendo a ideologia de gênero, resgatando os nossos valores. O Brasil passará a ser um país livre das amarras ideológicas”. A declaração é interpretada como um ataque à “laicidade do Estado brasileiro”, que garante a liberdade de culto, inclusive das religiões de matriz africana.
Ameaças ao Congresso Nacional, ao STF (Supremo Tribunal Federal) e tentativas de interferência na Polícia Federal para favorecer familiares também configurariam crime de responsabilidade do presidente, na interpretação dos signatários. Jair Bolsonaro teria cometido dolo ao ameaçar a liberdade de imprensa, com ataques a jornalistas, e comprometimento do direito ao acesso à informação, pela falta de transparência nos dados da covid-19. Também ao “utilizar recursos públicos para incentivar o uso de um medicamento de eficácia não comprovada” – a hidroxicloriquina – no tratamento da covid-19.
O documento pede o afastamento urgente do presidente e lista testemunhas do movimento negro organizado que devem ser ouvidas, caso o pedido tenha andamento. São elas: Marcia Lima; Diego Xavier; Luciana Brito;Denize Ornelas; Cimar Azeredo.