Qual a principal denúncia do pedido de impeachment que vocês assinam?
Todos os atos descritos na denúncia correspondem a algumas daquelas hipóteses previstas na lei como infrações contra os demais poderes, contra o livre exercício de direitos políticos e contra a probidade da administração, que integram um comportamento de quem está a todo o tempo testando os limites do Estado Democrático de Direito e dando sinais claros de que não aceita os seus limites: como o comparecimento em manifestações populares nos quais os participantes pedem o fechamento do Congresso e/ou do Supremo Tribunal Federal (STF), acusações sem provas de fraude na eleição passada.
Esses são os tipos de infrações que nos parecem mais graves, porque o Estado Democrático de Direito é o pressuposto para todo o resto: para que se possa questionar se um presidente se conduz bem no combate a uma pandemia, se se conduz bem na proteção ao meio ambiente é necessário que se esteja num Estado Democrático de Direito. Numa ditadura, nada parecido com um processo de impedimento seria possível.
Quais crimes de responsabilidade o presidente teria cometido?
Várias atitudes do presidente poderiam ser mencionadas para justificar um pedido de impeachment, nas mais diversas áreas de atuação do governo, meio ambiente, cultura, além daquelas mencionadas na petição que fizemos. Outros pedidos já protocolados são uma demonstração disso.
Outras atitudes do presidente, em outras áreas, parecem sintomáticas do modo como ele enxerga as instituições. Por exemplo: a Constituição Federal diz expressamente que é da competência comum da União, dos Estados e dos municípios a proteção ao meio ambiente, fazendo expressa referência a algumas regiões como patrimônio nacional, entre as quais a floresta Amazônica, a Serra do Mar.
Mas o ministério do meio ambiente, por meio do qual o governo federal deveria exercer essa proteção, parece atuar no sentido de remover os instrumentos de proteção já existentes, como é o caso das resoluções do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), salvo engano de setembro do ano passado, de revogação de resoluções mais antigas que garantiam a preservação de manguezais e de áreas próximas de reservatórios d’água. Isso depois de um decreto que alterou a composição do órgão para facilitar a aprovação dessas novas resoluções.
Vocês atuam como consultores políticos. Já prestaram algum tipo de consultoria para o presidente e/ou políticos aliados? Se sim, gostaria de saber quem e mais informações.
Nunca prestamos consultoria ou qualquer outro tipo de serviço para o presidente ou para políticos aliados.
Já apresentaram pedidos de impeachment de outros presidentes? Se sim, quais?
Nenhum de nós nunca apresentou nenhum pedido de impeachment de nenhum outro presidente antes. O impeachment é uma medida excepcional que só deve ser usada em último caso.
Sendo o impeachment uma medida que deve ser usada em último caso, como você disse, que fator ou fatores foram decisivos para a apresentação do pedido de afastamento nesse momento?
A péssima gestão na área de saúde acabou sendo talvez o maior estímulo à apresentação do pedido. É inacreditável que com a situação da pandemia, durando já mais de um ano e com uma piora acentuada desde novembro, o presidente continue insistindo no tal “tratamento precoce” e resistindo tanto às medidas sanitárias adotadas por governadores e prefeitos. Além do péssimo exemplo dado pessoalmente pelo presidente, que reiteradamente comparece a situações com grande aglomeração de pessoas e sem uso de máscara, a atuação do governo é muito ruim: deixou que um grande estoque de testes perdesse a validade sem ter sido utilizado, deixou de adquirir vacinas e de fazer um real esforço nesse sentido no segundo semestre, quando isso seria mais decisivo, chegando ao ponto de combater as iniciativas de alguns governadores, enfim, é o comportamento de quem parece não reconhecer a existência e a gravidade do problema ou – o que é pior – o de quem reconhece a existência e a gravidade do problema, mas que é absolutamente insensível e indiferente às suas consequências.
Possivelmente um quarto das mortes ocorridas nos últimos dias em vários países do mundo, por causa da pandemia, ocorre no Brasil. Como se explica essa desproporção, se não como um reflexo da gestão do governo federal e do comportamento do presidente em particular? Mas a motivação vem também de vários atos mencionados na petição, que vão se acumulando ao longo do tempo – alguns deles já no corrente ano de 2021 – que, no nosso entendimento, configuram uma constante ameaça ao regime democrático e um permanente desrespeito à Constituição.
Considerando o cenário atual, você diria que neste momento existe um cenário mais favorável ao impeachment na sua avaliação?
Difícil fazer essa avaliação. O deputado Baleia Rossi (MDB) dizia nos últimos dias antes da eleição na Câmara que, se viesse a ser eleito, examinaria com cuidado os pedidos que já haviam sido até então protocolados. A eleição do deputado Arthur Lira (PP), aliado do presidente, em princípio seria um sinal de que a aceitação do pedido de impeachment torna-se uma probabilidade cada vez menor e mais remota. No entanto, uma recente declaração sua sobre os “remédios amargos” parece mostrar que essa possibilidade permanece.
Um processo de impeachment sempre é traumático, já que acarreta a interrupção do mandato de alguém que foi eleito e naturalmente divide muito a sociedade. Mas não nos parece razoável que o estresse do processo seja sempre invocado como um obstáculo, já que os problemas causados pelo presidente e que servem de motivo para as denúncias são, em princípio, um problema ainda maior do que o processo propriamente dito. Se o presidente tivesse sido afastado em meados do ano passado, uma hipótese – e partindo da premissa de que o vice Hamilton Mourão teria um comportamento diferente em relação à pandemia, por exemplo –, parece razoável supor que o número de mortos pela Covid-19 seria menor, caso houvesse uma ação de esforços conjugada entre os governos federal e os dos estados e municípios.
Cabe lembrar que nos dois processos de impeachment pelos quais já passamos, o tempo restante de mandato de cada um dos presidentes afastados era maior do que agora. Desde o afastamento de Fernando Collor no final de setembro de 1992, Itamar Franco governou como presidente a partir daí até o final de 1994 pelo período de dois anos e três meses. Dilma Rousseff foi afastada em maio de 2016, tendo Michel Temer governado a partir daí até o final de 2018 por um período maior ainda, de dois anos e sete meses e meio.
No caso de Bolsonaro, a partir de agora ele tem pela frente um ano e pouco menos de nove meses de mandato. Mais da metade do mandato já transcorreu. Ou seja, quanto mais o tempo passa, parece ficar cada vez menor a chance de aceitação de algum processo. No entanto, a pressão precisa continuar porque as atitudes do presidente, na essência, não mudam.