Como aconteceu o processo de recolhimento das assinaturas?
Quando, no dia 15 de março, Bolsonaro não só convocou nas redes e divulgou, como foi e apertou mãos, descumprindo o que a Organização Mundial de Saúde recomenda, eu comecei a ligar para a Rosana Pinheiro Machado, o Vladimir Safatle, o Sílvio Almeida, a Débora Diniz. Falei que estávamos pensando em fazer o pedido e que estamos no momento mais difícil da história do Brasil, não tenho nenhuma dúvida disso. Obviamente, num momento de pandemia, tu abrir um processo de impedimento e abrir uma crise política não é fácil.
É o momento mais difícil da nossa história, mas é o momento mais necessário para fazer o impedimento, justamente porque ele é a instabilidade política. Ao invés de combater o COVID, ele combate a ciência. Olha que grave a situação!
Aí todos foram concordando com essa ideia e foram falando com outras personalidades, como o deputado distrital Fábio Félix (PSOL), além da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), que prontamente me disseram que era o momento. Aí em 24 horas coletamos a primeira leva, se eu não me engano foram cerca de 100 personalidades. Então começou a crescer: várias pessoas começaram a dizer que queriam ter assinado também, e a gente fez uma nova leva de assinaturas e mais personalidades entraram.
Nisso, o abaixo-assinado já estava rolando, aí a gente protocolou com as 200 assinaturas e, depois, com 1 milhão de assinaturas nas redes sociais.
O que aconteceu foi que depois de tudo houve um aumento da instabilidade política graças ao Bolsonaro, e a delação do Moro também trouxe novos elementos. Aí o Glauber Braga, o Chico Alencar, o Milton Temer, a Monica Iozzi e outras 100 personalidades fizeram um aditamento ao nosso pedido, com nomes de peso, mas também agregando em conteúdo, pedindo para acrescentar a delação do Moro e a tentativa de interferência na Polícia Federal.
Quais foram os crimes cometidos pelo Bolsonaro, na sua opinião?
Foram inúmeros. Nosso pedido de impeachment trabalha com o crime de responsabilidade da convocação de manifestações claramente golpistas, do descumprimento das medidas sanitárias definidas pela OMS, e agora com a questão da interferência na polícia federal. Mas se tu pegar o conjunto da obra tu vai ver inúmeros crimes de responsabilidade cometidos pelo Bolsonaro: ataque à liberdade de imprensa, ataque a direitos constitucionais das mais variadas formas, interferência política na polícia federal, a própria constituição de uma organização criminosa como o ‘Gabinete do Ódio’, que tem vinculação com o Palácio do Planalto. Só que o problema é que um processo de impedimento também é um processo político. Os tempos políticos são uns e os tempos jurídicos são outros.
Qual você acha que deveria ser a postura da Câmara nesse momento?
Eu acho que a Câmara deveria cumprir com sua responsabilidade histórica, abrir o processo de impedimento e começar a fazer toda a tramitação jurídica e política para dar um basta nesse autoritário. O Brasil convive com o vírus do COVID e um processo de impedimento também é uma medida sanitária para salvar vidas.
O presidente é um autoritário que está em um momento de COVID-19 tentando fechar as liberdades democráticas. Não é um momento de normalidade, a Câmara precisa garantir que ele seja afastado. Ele não tem nenhuma condição de seguir governando o nosso país, seja política, jurídica ou sanitária, não tem nenhuma condição.
Que país do mundo tem dois ministros de saúde demitidos em meio a uma pandemia? E por seguirem o que a OMS recomenda...
Nosso país agora já tem mais de 20 mil mortos, ontem [21/05/2020] de novo mais de mil pessoas morreram em um dia, 24 horas. E o Bolsonaro está preocupado em fazer piada, atacar jornalista, botar os amigos para comandar a polícia federal para que os filhos não sejam responsabilizados pelos seus crimes. Isso é absurdo. Se ele não for derrotado agora, não tenha dúvida, ele vai fechar o regime político. É o que ele quer! Acabar com as liberdades democráticas da Constituição de 88.
Considerando todo esse contexto, o que você acha que falta para o impeachment receber um parecer favorável na Câmara?
A rejeição do Bolsonaro aumentou muito, ele cresceu 10 pontos percentuais, já tem 50% da população que apoia um pedido de impedimento. O PDT, a Rede e o PSB entraram cada um com o seu, e um novo pedido foi protocolado ontem, que eu assinei de novo, porque todos os pedidos contra o Bolsonaro têm meu apoio. Tem muitos pedidos, e isso é bom. Mas ao mesmo tempo que o Bolsonaro perde apoio social, ele recrudesce a base da extrema-direita. E nós temos uma contradição que é que a gente não pode organizar mobilização de rua. Eu não tenho nenhuma dúvida de que se tivesse mobilização de rua no Brasil seriam as maiores mobilizações da nossa história contra o Bolsonaro.
O que eu acho que falta? Pressão de fora para dentro do Congresso. Por isso fizemos um abaixo-assinado virtual, por isso os panelaços são importantes, por isso que até essas manifestações pequenas garantindo o distanciamento social, como a dos enfermeiros, são importantes. Mas é preciso aumentar essa pressão.
Você acredita que o Bolsonaro sair representa uma derrota no projeto político dele, considerando que é o vice-presidente Mourão quem assume?
Eu acho que sim, porque é uma derrota em um projeto autoritário, mesmo que assuma o Mourão. Quando a gente protocolou o pedido de impeachment muitas pessoas me falaram: "Mas Fernanda, aí os militares vão tomar o poder". Os militares já estão no poder. Estão nas principais estatais, e no Ministério da Saúde temos só militares sem nenhuma experiência na área. É um escândalo o que está acontecendo no Brasil! O Bolsonaro conseguiu transformar a Casa Civil em uma casa militar. É surreal! Então eu acho que o impeachment primeiro enfraqueceria o projeto deles, porque o projeto deles é um projeto de poder inclusive de reeleição, Bolsonaro tá falando que só sai em 2027. Segundo que um processo de impeachment e uma luta política contra o Bolsonaro trazem consigo um poder destituinte, que é a ideia da soberania, da luta por conseguir derrotar um presidente, isso debilita e enfraquece qualquer governo que assuma.
O Mourão já assumiria enfraquecido, até porque ele tem menos popularidade que o Bolsonaro, e também porque seria presidente a partir de um processo de impedimento. Em terceiro lugar, eu não acho que a gente deva lutar pelo impedimento e depois Fica Mourão. Acho que um processo de impeachment é necessário para combater o COVID-19 e logo depois do combate à pandemia é preciso realizar novas eleições para presidente. Nós temos um calendário eleitoral que vai ser adiado, mas não muito, pelo que a gente está vendo. Por que não pode fazer uma eleição para presidente?