O que levou vocês a protocolarem o pedido?
Quando o Bolsonaro se tornou o principal obstáculo para evitar o maior número de contaminações e mortes, acho que surgiu um contexto que pode gerar vontade política. Além disso, o pedido atende ao requisito jurídico. Eu levo muito a sério a diferença de direito e política. Da direita à esquerda, as pessoas só querem cumprir a lei quando convém, e isso é nefasto. Eu falava: “gente, eu não vou pedir impeachment do Bolsonaro só porque eu não gosto dele.” Eu resisti por um tempo. A gente não pode fazer um impeachment por qualquer coisa, a direita ganhou, tínhamos que ter uma posição democrática. Mas agora existe respaldo jurídico.
Quais crimes foram cometidos por Bolsonaro, na sua opinião?
A ideia central do meu pedido é a questão do decoro, de agir contra a dignidade, honra e decoro do cargo. É um conceito bem aberto. A questão do golden shower, por exemplo, tecnicamente é um ato contra o decoro, mas pedir um impeachment só por aquilo seria um exagero. Um impeachment é um trauma, mesmo quando ele é legítimo, todo mundo que votou na pessoa sente seu voto traído. Mas, no caso de Bolsonaro, são atos tão constantes, atacar a imprensa, cometer até mesmo crimes comuns, como discriminação e preconceito contra negros, LGBTI, indígenas, pessoas com HIV… O Presidente da República tem que ter decoro e conduta. O Presidente fazer isso faz a sociedade se sentir legitimada a fazer também.
É a mesma coisa na pandemia, as condutas de desincentivar o isolamento são crimes também, artigos 132 e 268 do Código Penal. Eu vi, por exemplo, que cidades mais bolsonaristas têm mais contaminação, as pessoas não estão nem ai, vão pra rua e se contaminam. Ele não pode fazer uma política de efeito genocida. Bolsonaro pode não ter intenção de ser genocida, mas o efeito de suas políticas é esse. Ele pode até não ter a má fé no sentido de querer isso, mas assume o risco e tem uma conduta que tem esse efeito. O Dia do Fogo também mostra isso: Bolsonaro não fez um ato que autorizava as pessoas a fazerem queimadas, mas o agronegócio e as pessoas de lá, se sentindo legitimados pelo discurso dele, fizeram queimadas.
O que falta para algum dos pedidos de impedimento ser aceito pela Câmara?
O que falta é pura e simples vontade política. Formalmente é do Rodrigo Maia, mas acho que falta vontade política da maioria dos parlamentares e consciência de que o Bolsonaro não é alguém que vá querer ser controlado pelas instituições democráticas. Ele se acha claramente um rei absolutista com mandato. Ele acha que tem que poder fazer o que ele quiser e as instituições que respeitem. Dizem que com o Hitler foi a mesma coisa, que no início pensavam que ele seria controlado institucionalmente.
Muitos têm receios quanto ao impeachment porque o próximo na linha é um militar, no caso, o Mourão. O que você pensa disso?
Eu também achava problemático o Bolsonaro sair para entrar o Mourão, porque na campanha o Mourão tinha falas tão absurdas quanto o Bolsonaro. Porém, quando ele assumiu o mandato de vice, ele assumiu um papel de estadista. Por um lado, é sim perigoso, ele continua com a mesma ideologia. Mas a partir de dado momento eu comecei a considerar também que o mínimo de decoro é importante.
Você pensa que a saída de Bolsonaro representa uma perda do projeto político dele?
Se o Mourão não está só fingindo ser um estadista, e eu espero que não esteja, talvez a gente tenha um presidente que respeite as instituições mesmo discordando delas. Vamos ter pelo menos uma diminuição desse estado de beligerância interminável que o Bolsonaro gera.
O impeachment é a melhor opção, mesmo considerando um contexto de crise sanitária?
Eu acho que sim, infelizmente. É uma medida positiva, apesar do trauma. O impeachment é uma forma de salvar a democracia em casos extremos, evitando que o processo de destruição da credibilidade das instituições faça as pessoas acharem que tudo bem ter uma ditadura. É uma medida necessária para salvar a democracia.