Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco
Por Raphaela Ribeiro
O que motivou o Instituto Marielle Franco a compor e assinar esse superpedido de impeachment?
Assinamos este pedido porque já passou da hora há muito tempo do país colocar limite nesse projeto de destruição nacional. Essas pessoas que ocuparam o poder com o discurso do ódio precisam ser paradas. O Brasil não merece tanta dor, tanta morte, tanta violência. Precisamos de um projeto nacional baseado nos valores da paz, da justiça, do respeito e do amor para voltarmos a crescer.
Qual o simbolismo de assinar esse pedido de impeachment três anos depois da morte da sua irmã, a vereadora Marielle Franco (PSOL) ainda sem esclarecimentos?
É mais um sinal de que passamos tempo demais submetidas a esse terrorismo de estado miliciano que assassinou minha irmã e segue promovendo o medo e o caos pelo país. O que acontece há anos no Rio de Janeiro na política, conseguiu chegar a Brasília no cargo mais importante do nosso país.
Esse pedido contou com a articulação de movimentos sociais, partidos da oposição e ex-aliados do presidente, como Alexandre Frota e Joice Hasselmann. Para você, qual o peso dessa articulação?
É o peso do constrangimento de ter conseguido alcançar o posto de ser o pior governo da história do Brasil desde a redemocratização. Tão ruim que fez com que inimigos políticos históricos se unissem.
O pedido de vocês apresenta mais de 20 tipos de crimes de responsabilidade enquadrados pela Lei do Impeachment, como manifestações antidemocráticas, ameaças ao STF e ao Congresso, interferência na PF, a gestão da pandemia. Dentre esses 20 crimes, qual é o mais grave, na sua opinião?
A Justiça e o Congresso Nacional precisarão julgar os fatos, mas eles estão dados. Bolsonaro não fez apenas as pedaladas fiscais (realizadas por muitos outros presidentes e governadores na história do país e que foram utilizadas como desculpa indecente para o golpe parlamentar empresarial e midiático que destituiu a presidente Dilma em 2016). Foram dezenas de improbidades administrativas e atos abertamente contra a Constituição Federal. Todos eles são motivos suficientes para que as instituições democráticas deste país tomem alguma atitude.
Até o momento mais de 120 pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados. Porém, nenhum foi apreciado pela Casa. O que falta, na sua opinião?
Apesar dos motivos e pedidos de sobra, sabemos que o impeachment é uma ferramenta que vem sendo tratada no Brasil de forma política. Parlamentares que dominam a presidência do Congresso jogam com o poder e negociam a vida do povo brasileiro em troca dos seus acordos. Bolsonaro, que se elegeu com o discurso contra a corrupção, desde o início do seu governo trabalha na mesma lógica de negociação com o Centrão (grupo político aliado a Bolsonaro no Congresso), orçamentos secretos, indicações para cargos e outras artimanhas. É mais do mesmo. O sistema com novas caras e novos discursos se segurando no poder há 520 anos.
Com a CPI da pandemia novas acusações de supostos crimes e irregularidades foram adicionadas à conta do presidente, gerando uma pressão para a abertura do impeachment. Você acredita que agora há chances do processo ir adiante?
Tem que ir, mas também não podemos ser ingênuas. O desembarque de determinados setores que até agora estavam segurando o governo não é porque descobriram que é um governo corrupto e assassino. Disso sempre souberam. Se saírem agora é porque estão com medo da dificuldade da reeleição e de irem para o fundo da lata de lixo da história junto com Bolsonaro, então precisarão sacrificá-lo para continuar tentando seguir ditando as regras.
Como esse superpedido dialoga com as manifestações contra Bolsonaro que estão ocorrendo pelo país?
Os cartazes nas últimas manifestações dizem tudo: “Se um povo precisa ir para as ruas no meio de uma pandemia é porque o presidente mata mais do que o vírus.” Este superpedido acompanha o grito que as ruas vêm dando a cada mês e que a população negra, indígena e periférica vêm gritando desde o ano passado: não queremos morrer nem de Covid, nem de tiro e nem de fome.
Marielle é hoje um símbolo de luta e resistência. Inclusive as supostas interferências nas investigações da morte da vereadora já foram objeto de outros pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Você tem esperança que, com o andamento do impeachment, o caso seja esclarecido. Que sejam apontados os mandantes?
Esse é um dos motivos pelos quais eu me levanto todos os dias. Manter viva a luta por justiça e em defesa da memória e do legado da minha irmã. Mas também é a pergunta cuja resposta é essencial para que possamos voltar a caminhar no sentido de construção de alguma democracia nesse país. Um país que vê uma vereadora assassinada por grupos milicianos ligados a grandes estruturas de poder do país, estar há três anos sem elucidar o caso é vergonhoso.
Esse é o primeiro pedido que você e o Instituto assinam? É por Marielle que você está integrando essa frente?
Não é o primeiro, mas espero que seja o último. Fazemos isso por Marielle e por mais de 500 mil vidas perdidas por uma doença para a qual já existe vacina. Faço isso pelas famílias de brasileiros desempregados e passando fome enquanto o ministro da Economia, defensor dos bilionários, fala sobre dar sobras dos restaurantes aos mais pobres. Faço isso pelas famílias faveladas e periféricas que têm medo de morrer nas mãos dessa política de violência e ódio que não dá em nada. Faço isso pelas gerações que vieram antes de nós e nos trouxeram até aqui e pelas gerações futuras, para que ainda tenham um lugar digno de se viver.
Iago Montalvão, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)
Por Laura Scofield
O que motivou a UNE a compor e assinar esse superpedido de impeachment?
A UNE, na verdade, já havia assinado um pedido de impeachment em julho do ano passado, em conjunto com dezenas de outros movimentos sociais. Do ponto de vista de fundamentos legais, tem diversos crimes, seja de crimes contra a probidade administrativa, crimes em relação às finanças do Estado, ataque aos direitos políticos e civis. Tem diversas fundamentações jurídicas.
Naquele primeiro momento, entramos com aquele pedido justamente porque víamos já ali um perigo para a vida das pessoas. O que se confirmou, porque naquele momento Bolsonaro já desviava funções do Executivo ao não respeitar recomendações científicas e judiciais, inclusive, para que a gente pudesse conter os impactos da pandemia. Além, claro, de todas as políticas de ataque à educação, no nosso caso específico, de contenção de verbas, de corte de verbas nas universidades, institutos federais, de prejuízo ao orçamento do FUNDEB e de prejuízo às políticas educacionais no Brasil. Então, tudo isso nos deu a motivação, que do ano passado pra cá só se confirmou e se fortaleceu. A gente se soma nesse novo pedido, acrescentando todas as novas coisas que aconteceram até aqui e claro, dando a importância de que nesse momento é um pedido unificado. Então, para além de todos esses crimes, que vêm sendo reforçados ainda na CPI e com esse último caso da Covaxin, todos os ataques à educação, aos direitos sociais e civis também são motivação.
Esse pedido contou com a articulação de movimentos sociais, partidos da oposição e ex-aliados do presidente como Alexandre Frota e Joice Hasselmann. Qual o significado disso?
Esse pedido é importante justamente porque ele reúne todos os pedidos anteriores. E aí, evidentemente, que se todo mundo tem um objetivo em comum, que é derrubar o Bolsonaro pelos crimes que ele cometeu, é claro que vamos juntar num só. Então, eu acho que ele tem um peso importante de demonstrar que é uma vontade ampla da sociedade, né? Que não se restringe só a um setor da política, é óbvio que o que nós estamos aí no campo da oposição, no campo progressista, mas a saída do Bolsonaro é mais urgente do que qualquer outra coisa. Então esse é o peso que ele demonstra.
O pedido de vocês apresenta mais de 20 tipos de crimes dentro da Lei do Impeachment. Existe algum mais grave, que poderia levar à retirada do presidente do cargo, na sua análise?
Acho que todos os crimes são muito graves. Mas é claro que alguns movimentam mais a opinião pública. É claro que o processo de impeachment é um processo político também e que conta com essa mobilização. Por exemplo, a rejeição das ofertas de vacina é algo que mexe muito com a opinião pública e, de fato, teve um impacto muito grande no número de vidas que poderiam ter sido resguardadas na pandemia. Eu acredito que também o fato de ameaças, ataques, perseguições, insinuações antidemocráticas e autoritárias que promovem algum tipo de recrudescimento da democracia, de fechamento democrático, são muito graves também. E você tem, por exemplo, ataques à autonomia universitária, que são ataques antidemocráticos. Eu acho que esses ataques à democracia são muito graves.
E claro, o conjunto de questões que afeta os direitos constitucionais. No nosso caso, como a gente trabalha muito com a questão da educação, tem esse aspecto também que são os ataques à educação que têm sido feitos. Então é de certa forma também um crime você não prover esse direito [à educação] a sociedade e não dar uma justificativa a essas medidas que ocorrem de derrubada de direitos no campo da educação, de cortes orçamentários e etc.
São mais de 120 pedidos de impeachment protocolados. Por que você acha que nenhum foi apreciado até agora?
Essa questão do pedido de impeachment tem um peso político muito forte. E a decisão do presidente da Câmara que, embora seja uma figura que concentre muito o poder decisório na sua mão, ela também tem um certo efeito do ponto de vista da pressão política que ele sofre.
Se o presidente achar que Bolsonaro tem um resguardo da maioria da Câmara dos Deputados ele não se moverá para liberar o processo de impeachment. Há o elemento da não vontade política do presidente da Câmara de incluir isso, porque é alguém que está concatenado com alguns interesses do Bolsonaro. Então, acho que é o nosso papel construir a pressão e deslocar a maior parte dos parlamentares para essa posição de defesa, de apoio ao processo de impeachment.
Com a CPI da pandemia, novas acusações de supostos crimes e irregularidades foram adicionadas à cota do presidente, gerando certa pressão para a abertura do impeachment. Você acredita que há chances do processo ir adiante?
A possibilidade dele ir adiante depende sempre da mobilização social e os fatos que acontecem ajudam a intensificar essa luta e essa mudança de correlação de forças. E a partir dos fatos que estão sendo denunciados na CPI, principalmente, como eu falei, a questão das vacinas, o caso da Covaxin, ajudam, intensificam a mobilização, ampliam a indignação popular e vão jogando pra esse campo de rejeição ao governo, grande parte da sociedade. O que também mobiliza os parlamentares, as instituições. Então, eu acho que isso vai aquecendo o terreno e vai se tornando cada vez mais possível o impeachment, acho que a CPI foi evidentemente um marco e que colocou em outro patamar essa possibilidade.
Como esse superpedido dialoga com as manifestações contra Bolsonaro que estão ocorrendo pelo país?
Durante as reuniões em que nós dialogamos sobre esse superpedido, unificando os demais pedidos, a gente chegou a chamá-lo também de o pedido das ruas, né? Porque ele vem nesse momento, não só pelo fato de ter a CPI, que foi um elemento importante, potencializador também, mas porque agora você tem um elemento novo que é a rua. E a gente sabe que nos processos históricos do país, o impeachment, a rejeição ao governo sempre tem necessidade de contar com a mobilização social. Então esse pedido ele vem justamente nesse momento, exatamente porque há mobilização social na rua, então ele vem carregado desse peso. Não há, por exemplo, como se apresentar a justificativa de que não há povo na rua exigindo o impeachment, porque há e há uma ampla mobilização, né? Que não é só de um campo político, então isso é importante e por isso que esse pedido de impeachment também é um pedido que vem das ruas.
Com a eventual saída de Bolsonaro, seria Mourão quem assumiria. Esse fato te gera algum receio? O que você espera do atual vice-presidente?
Olha, nós não temos nenhuma ilusão de acreditar que haveria alguma grande mudança de postura num eventual governo sendo assumido pelo vice-presidente Mourão. Afinal de contas, ele assinou, concordou e ele cumpre a cartilha do bolsonarismo, né? Mas é um processo de alguma forma de rejeição a esse projeto, quando há um impeachment do presidente, que é a representação desse projeto. Então, eu acho que o processo de impeachment é um processo de luta política, que não se encerra em si mesmo. Nós não queremos o impeachment porque nós queremos que o Mourão assuma, nós queremos o impeachment porque é uma demonstração de força social e popular, de que há uma rejeição ampla a esse governo. E evidentemente, com um processo de impeachment, há também um deslocamento dos campos políticos. Porque pra você ter esse processo, você já precisa de grande parte dos parlamentares, de uma maioria qualificada. Então isso já desloca também um campo político, ou seja, o vice-presidente assumindo já assume em condições contrárias e com uma pressão popular absurda, né? Que já era contrária às políticas que o Presidente apresentava. Então, eu acho que eu vejo esse processo dessa maneira. Não simplesmente como um fim em si mesmo, com o vice-presidente assumindo, até porque a luta continuaria, a pressão popular continuaria, mas em outro patamar, em outro nível porque haveria já se consolidado esse grau de rejeição popular a um projeto pelo Bolsonaro.
*Em breve atualizaremos o post com a íntegra do pedido