No interior do Maranhão, a televisão aberta não é gratuita como apregoa a publicidade da radiodifusão. Boa parte das prefeituras do estado paga para a população local assistir à programação da Globo, da Record e do SBT. Os prefeitos justificam a despesa com o argumento de que a população não tem outra fonte de lazer, a não ser a televisão.
Essa situação ocorre em municípios pobres, onde as redes de televisão não possuem estações retransmissoras, seja porque suas afiliadas não pleitearam canal na localidade ou porque não quiseram investir em equipamentos, uma vez que as pequenas cidades não oferecem retorno publicitário.
A legislação diz que as redes geradoras têm preferência na disputa por canais de retransmissão. Mas, se elas não mostram interesse, prefeituras, entidades não governamentais e outras empresas podem prestar o serviço.
De acordo com os dados da Anatel, existem 145 canais de retransmissão de TV outorgados a prefeituras na Amazônia Legal, dos quais 64 estão no interior do Maranhão. A maioria deles foi autorizada nos anos 80. Os prefeitos solicitavam os canais e colocavam o aparelho de televisão em praça pública, para a população pobre assistir.
Ainda existem em praças no interior pedestais remanescentes daquela época, onde ficavam os televisores protegidos por grades. Só que agora os pedestais estão vazios. Até as famílias mais pobres têm televisor em casa.
Transferência de custo
As prefeituras maranhenses não produzem programação local quando retransmitem o sinal da TV Mirante. Ou seja, deixam de aproveitar a vantagem da legislação da Amazônia Legal. O veto, neste caso, resultaria do modelo de negócios da Globo, que não admite interferências e cortes em sua programação.
A TV Mirante, da família Sarney, tem 39 retransmissoras que cobrem apenas parte do interior. Em muitas cidades pequenas, o sinal é retransmitido pelas prefeituras.
Uma empresa do grupo, a Rádio Litoral Maranhense, oferece assistência técnica às prefeituras e cobra pelo serviço. Os prefeitos autorizam o Banco do Brasil a descontar o valor do serviço da conta no Fundo de Participação dos Municípios e a transferir o dinheiro para a conta da Rádio Litoral.
A prática é adotada também pela TV Difusora, da família Lobão, e pela TV Cidade (afiliada Record), que tem entre seus acionistas o senador Roberto Rocha.
A prefeitura de Esperantinópolis pagava mensalmente R$ 6 mil à TV Cidade e R$ 4 mil à Mirante, em 2015. O que se conclui é que os contratos de assistência técnica são uma forma de as emissoras transferirem custos para a administração municipal.
A reportagem só constatou essa relação comercial entre as emissoras e as prefeituras no Maranhão. Os valores mensais variam de acordo com o tamanho da cidade e o tempo de vigência do contrato.
Poção de Pedras – cidade de apenas 18 mil habitantes – pagou R$ 1.996 por mês ao grupo Mirante em 2015, segundo informação do secretário de Governo do município, Nilton Pinto. A antena é da prefeitura, mas o transmissor é da Mirante.
Com 65 mil habitantes, Itapecuru-Mirim pagou cerca de R$ 4.500 mensais à Mirante em 2014, ao passo que São João dos Patos (25 mil habitantes) desembolsou cerca de R$ 3 mil mensais em 2015.
A prefeitura de Anajatuba possui duas outorgas de retransmissora de TV. Um canal retransmite a Mirante e o outro é mantido parado, como reserva. Georgiana Ribeiro, chefe de gabinete do prefeito Helder Aragão (PSDB), diz que ele consultou a Mirante sobre a possibilidade de incluir um jornal local na programação.
“Fizemos a consulta no início da gestão, em 2013, e nunca obtivemos resposta”, diz ela. O município pagava R$ 2.400 por mês à emissora em 2015. Segundo Georgiana, o contrato foi herdado da gestão anterior e foi prorrogado automaticamente, sem reajuste. “Não temos o contrato original. A gestão passada não deixou documentação”, afirmou.
Sem uso
Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão têm um número significativo de retransmissoras em poder de prefeituras. Um ponto comum entre esses estados é a existência de canais ociosos ou cedidos a terceiros.
As prefeituras apontam dois motivos para não implantar o serviço: o custo do investimento e a proliferação das antenas parabólicas, que permite que as famílias tenham acesso gratuito a todos os canais que estão disponíveis via satélite.
Em Barra do Garças, no Mato Grosso, a prefeitura tem sete canais de retransmissão (a maioria na zona rural) e apenas um deles está sendo usado. Não pela prefeitura, mas pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, que obteve do poder municipal o direito de uso.
Primavera do Leste, outro rico município do Mato Grosso, possui dois canais ociosos em nome da prefeitura.
Prefeituras no sul do Pará cederam gratuitamente canais de retransmissão aos adventistas. Encontram-se nessa situação as prefeituras de Xinguara, Canaã dos Carajás, Parauapebas e Marabá.
Em Dianópolis, cidade do Tocantins, o canal 6, da prefeitura, só foi usado em 1989. Assim que a TV Anhanguera, afiliada da Globo, conseguiu sua própria outorga, o canal ficou vago. A cidade, de 20 mil habitantes, é um dos portões de acesso ao Jalapão e tem um jornal impresso mensal e duas rádios.
Existem retransmissoras municipais há tanto tempo em desuso que os atuais gestores ignoram a existência delas. São fantasmas, à espera de ação governamental.