Itapecuru-Mirim

Nenhuma TV critica a prefeitura

Terça-feira, 30 de junho de 2015. Uma pequena multidão congestiona a prefeitura de Itapecuru-Mirim, um município de 62 mil habitantes a 118 km da capital maranhense. É dia de beija-mão na prefeitura, quando moradores carentes levam toda sorte de pedidos ao prefeito Magno Amorim, do PPS. Pedem emprego, remédios, ajuda para aposentadoria rural, passagens, dinheiro e até calçados.

Os moradores chegaram de madrugada. Alguns levam crianças pequenas no colo, em cena que remete à imagem do coronel.

A prefeitura de Itapecuru-Mirim administra três retransmissoras de TV: canais 11 (Globo), 5 (Record) e 7 (SBT). Só os dois últimos produzem noticiário local. Não há emissora na cidade que seja independente da prefeitura.

Os canais 5 e 7 funcionam numa pequena casa no alto de um morro e dividem o mesmo estúdio, uma saleta desprovida de móveis e sem isolamento acústico. As notícias locais veiculadas no SBT são gravadas com antecedência, para que o programa Balanço Geral, da Record, líder de audiência, seja transmitido ao vivo.

William Vieira é a estrela da Record local. Além de repórter e apresentador, dirige a emissora e negocia anúncios e permutas com o comércio da região. A equipe recebe salário da prefeitura. O apresentador completa a sua renda com a venda de anúncios.

Naquela terça-feira do final de junho, William chegou ao estúdio pouco antes do meio-dia, depois de gravar duas reportagens policiais. Moradores o esperavam na porta da emissora. Ele vestiu a gravata e o blazer tirados de um pequeno armário, colocou o banner da Record na parede e dirigiu-se à câmera num tom baixo e pausado – como se fizesse confidências aos telespectadores –, anunciando as manchetes do dia.

“O Zequinha. Você conhece o baixinho? Acostumado a pegar o que não deve, foi preso. Estava com uma máquina de lavar moto, muito bonita, que diz ter comprado por R$ 15. Eu estou tentando comprar uma igualzinha, que custa R$ 450 e ainda não consegui. Receptação é crime. E você vai conhecer também a história de uma mulher que tomou o marido da outra. A mulher agora quer cortar a cara dela todinha: sabe o que ela disse? Quem tem boca tem fome.”

William tem origem no rádio, onde trabalhou como locutor por 17 anos. Migrou para a televisão em 2010. Filho de um trabalhador rural, vendeu tomate em feira e capinou quintais em São Luís para ajudar a família. Fez curso técnico de comunicação no Senac.

Ele se queixou da falta de estrutura de trabalho. Disse que sua maior motivação é o assistencialismo, e que distribui cadeiras de rodas, remédios e cestas básicas obtidas em permuta por anúncios. O trabalho assistencial, ele admitiu, pavimenta o caminho para uma futura carreira política. Mas por enquanto, afirmou, não cogita sair candidato.

Refém de assaltantes

Um time minúsculo, de apenas três pessoas é responsável por manter no ar a retransmissora do SBT em Itapecuru-Mirim. À frente está Renato Valadares, de 30 anos. Assim como William Vieira, ele é o faz tudo da emissora.

Nascido em Chapadinha, no interior do Maranhão, Valadares começou no rádio, como sonoplasta, aos 15 anos. Segundo contou, aos 19 foi trabalhar numa emissora de TV do ex-deputado estadual Wagner Pessoa. Desde então, fez curso de editor e passou por quatro televisões no interior do Maranhão. O salário de R$ 2.500 é tirado, em parte, com a receita de anúncios. Seu contrato com a prefeitura de Itapecuru é anual e já foi renovado sete vezes.

Renato disse que não gostava de ser repórter e que preferia o trabalho de edição, mas se emocionou ao descrever a que considera sua maior reportagem: a cobertura policial de um assalto na cidade de Miranda do Norte, a 30 quilômetros de Itapecuru-Mirim.

“Um bando assaltou os Correios em Miranda. A polícia chegou e os funcionários ficaram reféns dos assaltantes. Os bandidos disseram que soltariam os reféns, mas só se tivesse uma TV de outra cidade filmando. Um amigo que trabalha na prefeitura da cidade me indicou. Segui atrás do carro da polícia, pela contramão. Fui o primeiro jornalista a chegar lá e fiquei filmando os assaltantes com armas nas cabeças dos reféns. No final, os bandidos jogaram o dinheiro para o alto. A população não pegou o dinheiro porque tinha polícia de toda a vizinhança no lugar. Foi adrenalina total. Isso me agradou muito. E fui elogiado no ar pelo SBT em São Paulo e em São Luís.”