Xinguara

Políticos pagam para aparecer na TV

“Aqui a gente brinca de fazer televisão”, resumiu bem humorado o empresário Júlio César Pitombo, proprietário da afiliada do SBT em Xinguara, no sul do Pará. O empresário, de 49 anos, admite que sua emissora cobra pagamento dos políticos para entrevistá-los. “Eu não bajulo ninguém. O político que quiser aparecer vai ter que gastar algum. Ele vai ter que pagar alguma coisa pra sair, se não eu não faço.”

Pitombo não é exceção. Em vários estados da Amazônia Legal, é praxe o político pagar para ser entrevistado pelas retransmissoras quando quer se promover.

Com uma equipe pequena, de cinco funcionários, ele diz que não depende financeiramente da emissora e que o faturamento que obtém com a venda de anúncios e de espaços no noticiário mal dá para cobrir as despesas. O preço da inserção comercial é um indicador da precariedade financeira das pequenas emissoras da Amazônia: um anúncio com quatro inserções diárias custa R$ 1.500 por mês.

“É um pequeno negócio, mas se eu fechar a TV vou deixar cinco pessoas na mão”, acrescentou Pitombo, referindo-se aos empregados.

Teia acionária complicada

A emissora é administrada pelo Sistema Marajoara de Comunicação, empresa de Pitombo. Mas o canal está registrado no Ministério das Comunicações em nome da RCR – Rede de Comunicação Regional, que pertence ao vereador e ex-prefeito de Marabá Nagib Mutran. O vereador tem outras oito outorgas de retransmissoras de TV no sul do Pará: em Altamira, Conceição do Araguaia, Itupiranga, Jacundá, Parauapebas, São João do Araguaia e Marabá, onde acumula dois canais.

Segundo Pitombo, Mutran vendeu todos os canais, à exceção dos de Marabá, há vários anos. Cada outorga foi repassada a um comprador diferente, o que torna a regularização da venda muito complexa.

Xinguara é uma cidade de 42 mil habitantes e sua economia é baseada no agronegócio, sobretudo gado de corte e plantio de soja. A prefeitura possui dois canais de retransmissão de TV, mas não os utiliza. Um dos canais do município foi cedido à Igreja Adventista do Sétimo Dia.

A emissora de Pitombo fica no topo do morro da Torre e, se não fosse pelas antenas, pareceria uma casa de família do interior, com pomar e jardim. No estúdio, há uma grande foto do proprietário com Silvio Santos, com quem ele diz “trocar figurinhas”.

“Na minha TV mando eu”

A entrevista a seguir foi dada por Júlio César Pitombo no hall do hotel Bravos, na entrada de Xinguara:

Por que resolveu investir em televisão?
Eu trabalhava com laticínio quando soube que existia um canal de TV disponível na cidade e que deveria ser instalado em dois anos. Isso foi em 1998. Comprei a licença. Construí o prédio e pus a televisão para funcionar. É uma emissora pequena, que cobre um raio de 35 Km.

Qual é a estrutura da TV?
Tenho cinco funcionários: dois repórteres, o operador do máster, um cinegrafista e um editor. Um dos repórteres apresenta o jornal. Quando falta pessoal, eu edito e filmo. Apresentei o jornal durante seis anos, mas fiz uma cirurgia no pescoço e minha voz ficou ruim.

Qual é a formação de seus repórteres?
O atual apresentador, Tiago Gomes, trabalhou na TV Record de Belém, mas é raro encontrar repórter formado em comunicação. A repórter trabalhava na rádio local. Como tem uma desenvoltura grande, eu a chamei para fazer reportagem na TV. Ela faz o que muitos jornalistas formados não fazem, principalmente na área policial. Se tiver um morto com furo de bala, é capaz de meter o dedo. O pessoal que se forma e vem para cá serve mais para jornalismo de revista.

Você vive da TV ou tem outras atividades?
Tenho renda de aluguéis. Não dependo da TV para sobreviver. É um pequeno negócio, mas se seu sair de lá vou deixar cinco pessoas na mão. Tenho uma folha salarial de R$ 10 mil por mês. É um custo fixo alto. O apresentador do jornal “O Povo na TV” ganha mais ou menos R$ 3.500. Pago metade do salário dele em dinheiro e metade em cota de publicidade. Ele ainda pode agregar um pouco mais com merchandising. Repórter ganha R$ 1.000 por mês. É pouco, mas não dá para pagar mais do que isso.

Tenho um cinegrafista e um repórter pela manhã. À tarde, o apresentador do jornal e a mulher dele fazem de duas a três matérias para o dia seguinte. Eu quase fechei a televisão no início de 2015. Estava estressado e precisava investir em equipamento. Mas resolvi arriscar: comprei câmera nova e contratei o apresentador. Investi R$ 25 mil. Graças a Deus está dando certo.

Você tem concorrente na cidade?
Meu concorrente é a Sky e a antena parabólica. Mas toda a cidade quer ver o noticiário local e as famílias mantém uma televisão com antena comum na cozinha. É o que nos salva.

As retransmissoras de televisão da Amazônia Legal vivem num limbo jurídico porque o governo pode retomar o canal a qualquer momento. Como você vê seu futuro?
Se o governo decidir cancelar as outorgas, todos vão brigar. Acredito que temos direito adquirido. A grande maioria das televisões da Amazônia é de político. Então com certeza o que eles conseguirem nós vamos conseguir também.

Como é a cobertura política no período eleitoral?
Durante a campanha eleitoral o horário político é de graça, não é?

E fora do período eleitoral?
Não é todo mundo que gosta de mim aqui. Não bajulo ninguém. Aqui, o político que quiser aparecer vai ter que gastar alguma coisa. Ele vai ter que pagar alguma coisa pra sair. Se não eu não faço.

E quanto ele tem de pagar?
De R$ 300 a R$ 500.

Para dar entrevista?
Exato.

E para atacar o adversário?
Não aceito. Na gestão passada, fiz uma reportagem sobre uma obra inacabada da prefeitura. O secretário de Obras ameaçou cancelar o contrato de publicidade da prefeitura com a TV, de R$ 5 mil por mês. Fizemos a matéria e ficamos um ano sem verba publicitária da prefeitura. Não me intimidei. Na prefeitura manda o prefeito. Na minha TV mando eu. Hoje a prefeitura tem um contrato comigo de R$ 6 mil por mês para três inserções por dia.

Quanto vale sua televisão?
Me ofereceram R$ 2,5 milhões certa vez. O interessado era laranja de um cara de Brasília, que acabou preso.

Qual o segmento que mais cresce na radiodifusão no interior da Amazônia, políticos ou igrejas?
Igrejas, principalmente pelo arrendamento de espaços nas emissoras.

Você vislumbra possibilidade de crescimento?
Não, porque o comércio local não tem renda.