Enquanto nas capitais o movimento sindical luta para a volta da obrigatoriedade do diploma universitário de jornalismo, o interior da Amazônia Legal vive outra realidade.
No Maranhão e no Pará surgiu a categoria de jornalista de nível médio, formado em cursos de capacitação curtos, fora das universidades. Muitos ganham pouco mais do salário mínimo nas emissoras e vendem anúncios para completar a renda.
Élbio Carvalho, repórter da TV Mirante, é o fundador do Instituto Brasileiro de Estatística, Cultura, Educação e Comunicação (Ibecec), com sede em São Luís. Até julho de 2015, o Ibecec já havia formado cerca de 220 jornalistas de nível médio no interior do Maranhão.
As aulas ocorrem aos sábados e ocupam o dia todo. No final do curso, de quatro meses de duração, os alunos recebem um certificado para requerer o registro na Delegacia Regional do Trabalho em São Luís.
“A gente dá o anzol e diz onde está o lago. Mas é o aluno que tem de ir buscar o peixe”, diz Élbio, ao explicar que é o aluno que tem de dar entrada ao pedido na Delegacia Regional do Trabalho.
A DRT do Maranhão reconhece o certificado do Ibecec como válido e tem dado os registros profissionais. Mas o Sindicato dos Jornalistas não os aceita como associados. O conflito está formado.
Douglas Cunha é presidente do sindicato e diz que segue as determinações da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que só reconhece profissionais graduados pelas faculdades de comunicação. O sindicato tem engavetado os pedidos de sindicalização desses profissionais.
Escola da igreja em Belém
Em Belém, o jornalista e padre italiano Cláudio Peguim, naturalizado brasileiro, dirige a Escola Papa Francisco, mantida pela Igreja Católica, que também forma jornalistas de nível médio.
O ensino começou no final dos anos 90, de forma precária. No início, era itinerante e as aulas eram dadas a jovens carentes na periferia de Belém.
O curso tem duração de um ano, com um total de 1.200 horas, incluindo estágio. Já formou mais de 500 alunos. Segundo o padre, o foco da escola não é viabilizar o registro profissional no Ministério do Trabalho, mas muitos alunos foram absorvidos pelo mercado de trabalho.
“A gente não se preocupa com o registro na DRT. Os alunos é que são os protagonistas. Nosso objetivo é dar expectativa e esperança aos jovens da periferia. A comunicação é a alma da sociedade”, diz.
Bronca do sindicato
Em 2000, o Sindicato dos Jornalistas do Pará protestou contra a iniciativa junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas o curso prosperou mesmo assim e foi reconhecido pelo Ministério da Educação.
“Levamos muita bronca do Sindicato dos Jornalistas porque , naturalmente, as empresas pagam salario menor aos nossos alunos. Mas o problema não é o curso. São as empresas. Nós fazemos o nosso papel. O papel dos sindicatos é fiscalizar as empresas”, diz o padre.
Roberta Vilanova, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará, resume sua posição sobre o assunto: “Sempre fomos contra, e não apoiamos o desenvolvimento de qualquer tipo de formação técnica. A gente defende a formação de nível superior para o jornalismo. Esses cursos técnicos enfraquecem a nossa luta pela obrigatoriedade do diploma”.
“Sinuca de bico” no Maranhão
No Estado do Maranhão, só há faculdades com cursos de jornalismo na capital e em Imperatriz. Uma está distante da outra cerca de 630 Km. Os jornalistas da capital, segundo Douglas Cunha, não se dispõem a trabalhar no interior, em razão dos baixos salários e do custo da mudança.
O desemprego é grande na capital, mas ninguém quer ir para o interior. O sindicato tem 498 jornalistas cadastrados, mas um grande parte deles está fora do mercado
Segundo Douglas, há projeto para organizar a categoria no estado que prevê abrir sindicatos no interior. Mas ele admite que isto não resolveria o problema, porque os sindicatos do interior tampouco admitiriam o ingresso de profissionais sem o diploma.
“É uma situação muito complexa, que nos deixa em saia justa. Precisamos encontrar uma possibilidade de proteger este trabalhador. Muitos deles estão no mercado há mais de 20 anos. E propor o fechamento das televisão seria inviável”, diz.
Alinhamento político
O sindicato não tem informações precisas sobre os casos de agressão a esses jornalistas do interior. “Quando tomamos conhecimento de ameaças, entramos em contato e cobramos apuração policial. Mas há um complicador: estes jornalistas, em sua maioria, trabalham em emissoras de políticos, vestem a camisa do político e atacam os adversários durante os programas nas emissoras. Eles criam problemas para eles mesmos”, acrescenta.
O sindicato, segundo Douglas defende esses profissionais quando são vitimas de agressão. “Mesmo não os considerando jornalistas, o sindicato sai em favor deles. Caso contrário, os agressor vai se achar no direito de agredir qualquer jornalista. Não é a defesa daquela pessoa, mas dos jornalistas “, prossegue o presidente do sindicato.
Ele admite que o vínculo indesejado entre jornalistas e políticos ocorre também nas capitais: “Em São Luís, o jornalista que trabalha na campanha de um político fica carimbado. Se o candidato perde a eleição, ele não terá emprego nos meios de comunicação que apoiaram o vencedor”.
Jornalista provisionado
Élbio Carvalho diz que os formados pelo Ibecec são registrados como jornalistas de nível médio mesmo que tenham outros diplomas universitários em outras áreas.
“O STF derrubou a obrigatoriedade do diploma, mas o candidato tem de comprovar que sabe fazer jornalismo. O Supremo delegou ao Ministério do Trabalho a tarefa de estabelecer os critérios para concessão do registro. As delegacias regionais do MTE do Maranhão e do Tocantins aceitam comprovante de qualificação de nível médio”, afirma Élbio.
Os alunos do Ibecec recebem registro de jornalista “provisionado”. Esse registro era muito usual no anos 80 – depois que o decreto 83.284 de 1979 tornou o diploma obrigatório – para regularizar a situação dos que já estavam no mercado e não se enquadravam na nova legislação. “A figura do jornalista provisionado nunca acabou”, diz Élbio.
Como os alunos conseguem o registro contra o interesse do sindicato? Segundo Élbio, a anuência do sindicato não teria sentido porque não há obrigatoriedade de sindicalização. “Se a sindicalização é opcional, não cabe aos sindicatos dizer quem pode e quem não pode exercer a profissão”, conclui.
Orgulho na formatura
Enquanto os sindicatos protestam, os alunos do Ibecec exibem os certificados de conclusão do curso e os registros nas carteiras profissionais como troféus.
Prefeitos, vereadores, padres e pastores prestigiam as festas de formatura. Os formandos, vestidos com suas becas, posam para fotos com suas famílias.
A Academia Pinheirense de Letras abriu seu salão, em abril de 2015, para a festa de formatura de 18 alunos do Ibecec na cidade de Pinheiro, a cerca de 300 km da capital. Três meses depois, uma outra turma se formou na cidade de Zé Doca (316 km da capital). A diplomação foi na Igreja da Matriz, com missa solene e com presença de formandos residentes em vários municípios vizinhos.
Algumas prefeituras que têm retransmissoras de televisão pagam parte das despesas para os jornalistas frequentarem as aulas do Ibecec. A de Coelho Neto forneceu o transporte para cinco jornalistas frequentarem o curso em Caxias, a 85 Km de distância.