A história da TV Colina é tão cheia de reviravoltas que parece obra de ficção, mas trata-se um caso exemplar do uso político dos meios de comunicação na Amazônia Legal.
Em janeiro de 2015, assim que assumiu o mandato de governador do Tocantins, Marcelo Miranda, do PMDB, descobriu que seu orçamento pagava funcionários, combustível, energia elétrica e demais despesas administrativas da emissora da cidade de Colina de Tocantins, no norte do estado. Miranda interrompeu a transfusão financeira, mas, diante do apelo de políticos, manteve o equipamento de retransmissão em Colinas, o que permite o funcionamento da TV.
Arrendamento
A história da emissora começou em fevereiro de 2009, quando o radialista Valmir de Freitas e o fazendeiro e comerciante Wellington Luis de Faria, donos da empresa Freitas e Faria, arrendaram o canal 5 de Colina do Tocantins do Grupo Boa Sorte, afiliado do SBT, dos herdeiros de Benedito Boa Sorte – que cumpriu mandato no Senado entre 1971 e 1987 e morreu em 1997. Freitas e Faria foram procurados por dois herdeiros do político e acertaram o arrendamento, ignorando que havia uma disputa entre os descendentes.
O contrato foi assinado com prazo até junho de 2012, pelo valor de R$ 10 mil mensais. Uma cópia do contrato e comprovantes dos pagamentos estão com a Justiça Federal, onde o caso foi parar porque a legislação proíbe o arrendamento de canais de televisão.
A TV funcionou por três anos, produzindo conteúdo local. O contrato terminou no início da campanha eleitoral para prefeito, quando veio à tona que o canal usado não tinha licença de funcionamento. A denúncia surgiu na reunião das coligações sobre o horário eleitoral gratuito na TV. O promotor público da cidade acionou a Anatel, e a direção do Grupo Boa Sorte notificou os arrendatários para interromper a atividade. Os empregados foram demitidos e Colina dos Tocantins voltou a ficar sem televisão local.
Depois de três anos inativa, a TV Colina voltou a funcionar, desta vez financiada pelo estado. O radialista Valmir Freitas, um dos antigos arrendatários, contou que em junho de 2014, no início da campanha para o governo do estado, foi procurado por um emissário do então governador Sandoval Cardoso, do partido Solidariedade, candidato à reeleição. O emissário lhe propôs reabrir a emissora em parceria com a Fundação Rede Sat, que administra a televisão educativa estadual.
Sandoval Cardoso é de Colina do Tocantins e havia assumido o governo um mês antes. Ele era presidente da Assembleia Legislativa e foi eleito por voto indireto para substituir Siqueira Campos, do PSDB, que renunciou junto com seu vice para facilitar o caminho da eleição de Sandoval.
A Rede Sat não possui outorga de canal de retransmissão em Colina do Tocantins. Ocorreu, então, um dos lances mais reveladores dessa história: o governo estadual ofereceu ao radialista usar o canal 7, do Sistema de Comunicação do Tocantins, afiliado à Rede Record. A empresa pertenceu ao ex-senador e atual deputado estadual Eduardo Siqueira Campos, aliado político de Sandoval Cardoso na eleição.
A parceria entre a TV Colinas e a Fundação Rede Sat foi selada com um “termo de cooperação técnica e de parceria de programa de radiodifusão sonora e outras avenças”. O documento, assinado pelo então presidente da Fundação Rede Sat, Wagner Coelho de Souza Amaral, não citava cifras. Até janeiro de 2015, a Fundação Rede Sat bancou todas as despesas administrativas e colocou dois carros à disposição da retransmissora de Colinas.
A jornalista Maria Valéria Kurovsky, que sucedeu Wagner Coelho na presidência da Fundação Rede Sat, descreve a situação que encontrou: “O departamento jurídico da fundação não tinha cópia do termo assinado com a TV Colinas. Era um contrato de gaveta. Pagávamos os salários de 15 funcionários, aluguel do prédio e a conta de energia elétrica. O estado ainda fornecia o transmissor e carros. A TV Colinas continua retransmitindo a programação da EBC, mas ela capta o sinal diretamente do satélite, sem interferência da Rede Sat.”
“O governador me vê como inimigo político”
O radialista Valmir Freitas se vê como vítima do jogo político e diz que o futuro da TV Colinas é incerto. Na entrevista a seguir, ele descreve a trajetória de sua TV.
Como você foi parar no radialismo?
Tenho 54 anos. Fui gerente do Banco do Estado do Pará, mas sempre tive paixão por rádio. Tive programas em emissoras de rádio em Conceição do Araguaia e em Redenção, no Pará, quando estava no banco. Aproveitei um programa de demissão voluntária e vim para o Tocantins. Meu sócio é um grande fazendeiro e comerciante. Trabalhei para ele, na parte financeira, por oito anos. Quando o Ministério das Comunicações abriu licitação para uma emissora de rádio em Colinas, decidimos participar. O preço mínimo da concessão, previsto no edital era R$ 10 mil. Oferecemos R$ 350 mil para garantir vitória. Mas apareceu um candidato que ofereceu R$ 352 mil e ganhou. Desconfio que alguém os avisou sobre o nosso preço. Até hoje a rádio não foi implantada. Quando o pessoal do Grupo Boa Sorte soube da nossa proposta, nos ofereceu arrendar o canal 5.Vocês não viram que o canal não tinha autorização para funcionar?
A gente nem questionou este fato. O grupo Boa Sorte tem a bandeira do SBT no Tocantins. Meu sócio investiu mais de R$ 300 mil em equipamentos para montar a TV.O que a eleição municipal teve a ver com a paralisação da TV em 2012?
Na época o Sandoval Cardoso, que era deputado estadual, apoiava um candidato adversário do prefeito José Santana, do PT, e pediu ao grupo Boa Sorte para tirar o canal do ar. Ele achava que o prefeito tinha a máquina na mão e quis neutralizá-lo. Só que acabou virando um caso de Justiça. O canal 5 não tinha licença de funcionamento.Vocês se surpreenderam com a ação da Anatel?
Foi uma surpresa total. O juiz eleitoral nos chamou para informar sobre as regras para o horário eleitoral gratuito. Um advogado que representava a coligação apoiada pelo Sandoval Cardoso afirmou que a TV estava irregular. O promotor consultou a Anatel, que confirmou a suspeita, e a TV foi fechada de imediato. O grupo Boa Sorte nem buscou o transmissor de 100 Watts que está conosco. Acredito que por vergonha.E vocês não os processaram por terem arrendado um canal que não estava autorizado a funcionar?
Meu sócio não quis polemizar, e ficou com o prejuízo. Eu respondo a um processo na Justiça Federal, movido pelo promotor, por operação ilegal de TV. Entreguei cópia do contrato de arrendamento e os comprovantes de pagamento do aluguel à Justiça Federal.O que aconteceu ao canal 5?
Está fora do ar há três anos.Como foi o contrato que vocês fizeram com o estado em 2014?
Um representante do governo do estado veio nos propor parceria. E ofereceu dois carros, funcionários, material administrativo. Só não pagariam meu salário. O acordo funcionou de junho de 2014 a janeiro de 2015.Por que vocês aceitaram essa oferta?
O governo se ofereceu para pagar meus funcionários, água e energia, e disse que estava tudo certo. Eu ia dizer não?E como está a TV agora?
Todos os funcionários que eram pagos pela Fundação Rede Sat foram demitidos. O novo governador me vê como inimigo político, por ter aceitado a oferta do Sandoval em 2014. Uma deputada estadual intercedeu junto ao atual governador para que não retirassem o transmissor, que é o coração da TV. O salário de repórter, que era de R$ 1.300, caiu para salário mínimo. Estou correndo em busca de publicidade do comércio, mas sei que a TV pode acabar.Que conteúdo local vocês produzem?
Produzimos apenas o Repórter Colinas, às segundas, quartas e sextas. A cidade não comporta mais programas locais.A TV fez campanha para Sandoval na eleição para governador?
A TV não cobriu nem os eventos de campanha do então governador nem do adversário eleito.