O pedido de impeachment do Centro Acadêmico XI de Agosto foi assinado por mais de mil alunos e ex-alunos da USP, além de centros acadêmicos e entidades estudantis. O que motivou vocês a protocolarem esse pedido?
A gente queria protocolar um pedido desde o início do nosso mandato no diretório do Centro Acadêmico XI de Agosto. Começamos essa gestão em dezembro de 2019. Mas, naquele momento, os processos de impeachment ainda eram muito incipientes.
Dentro da nossa gestão, que tem diversas pessoas e é bem grande, não era um consenso também apresentar um pedido de impeachment. Foi lá em meados de agosto de 2020 que se tornou um consenso que a gente precisava pedir e aí começamos a construção de uma peça — que tem um objeto diferente do que apresentamos agora.
Mas, várias coisas aconteceram naquele momento, nós somos estudantes e temos dificuldade de conciliar a pandemia com os estudos e a gestão do centro. E desde o início nós queríamos que fosse um pedido que nós participássemos do processo de escrita, então por conta dessa logística só conseguimos apresentar agora.
Foi a primeira vez que a gente protocolou um pedido. Nós criamos uma plataforma mais ou menos no meio de 2020 para coletar assinaturas de pessoas físicas. Nesse site nós recebemos mais de mil assinaturas de pessoas, que não necessariamente eram ligadas à USP, mas que apoiavam o impeachment.
O pedido elenca diversos crimes cometidos pelo presidente, nas mais diversas áreas e desde o início de seu mandato. Na sua opinião, qual deles é o mais grave?
A gente construiu a peça sobre o pressuposto que a irresponsabilidade é uma constante no governo Bolsonaro. Colocar a irresponsabilidade na saúde, com as instituições democráticas, por exemplo, foi uma técnica de escrita para mostrar que embora a gente tenha escolhido como objeto da peça a questão da intervenção do Bolsonaro nas instituições para benefício da sua família, existem várias outras possibilidades para um impeachment. Existem várias outras irresponsabilidades.
A nossa escolha foi mais pragmática ao tentar apresentar uma peça que tivesse rigor jurídico e que apresentasse uma denúncia original, um pouco diferente das outras peças. Eu acho que a questão da saúde já é muito abordada, a questão do ataque às instituições democráticas - do ponto de vista de defesa do autoritarismo - também.
Então, a escolha do nosso objeto levou isso em consideração. Todos os atos e irresponsabilidades do presidente, todos eles convergem para um esvaziamento da nossa democracia.
Mais de 60 pedidos foram protocolados contra o presidente até o momento. Nenhum deles por pessoas tão jovens. Para você, qual a importância da juventude nesse processo?
A juventude tem um papel essencial. Um processo de impeachment só vai ser iniciado no Brasil quando as juventudes começarem a disputar as narrativas de impeachment nas ruas também. Agora isso não é possível por conta da pandemia, mas eu acredito que as juventudes podem ser as responsáveis por iniciar esse processo.
E a relação do Bolsonaro com as juventudes, em especial as que estão hoje nas universidades ou lutando para entrar nas universidades, é uma relação bastante turbulenta. Isso vem desde quando ele estava tentando se eleger, a juventude naquela época já colocava a pauta antifascista e já sabia o que Bolsonaro pretendia fazer. Nesse sentido, a juventude está disputando esse espaço de se colocar novamente no debate público.
Bolsonaro tenta constantemente fazer com que a gente pareça irresponsável, a galera da "balbúrdia". E eu acho que a gente apresentar um pedido dessa forma, com tantas entidades estudantis, demonstra não só o nosso compromisso com o nosso país, mas também a nossa capacidade e legitimidade de lutar pela democracia.
Nós tivemos ajuda dos advogados que assinam a peça para redigi-la, mas foi uma peça escrita por nós e nós temos 20 anos. Foi uma peça que a gente escreveu, que nos debruçamos a pensar o que de fato estava acontecendo no país, o que consiste ou não em crime de responsabilidade. Esse processo coletivo também demonstra muito a importância que a juventude tem em conduzir essa mudança democrática no país.
Com o fim da pandemia, a diminuição dos casos e a vacinação, o nosso projeto é ir às ruas.
Enquanto presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia não deu início a nenhum dos pedidos protocolados. Como você avalia a atuação dele e, com a eleição de Lira, há esperança dos pedidos irem adiante?
Foi uma derrota grande para nós o Lira ter ganho as eleições à presidência da Câmara dos Deputados ontem. Mas, eu acho que no fundo tanto o Lira quanto o candidato Baleia Rossi, se tivesse sido eleito, teria chance sim de que eles abrissem o processo de impeachment. Principalmente, porque eles são do centrão. É óbvio que representam projetos diferentes, mas eles também representam projetos parecidos. E se for conveniente para o Lira, existe a chance dele abrir o processo de impeachment. O Maia mesmo queria abrir um processo ontem, como uma retaliação ao governo.
Eu acho que é possível sim, mas isso exige que a gente vá para às ruas. Se a pandemia permitir isso, a gente for para às ruas e se tornar conveniente pra ele, se a gente conseguir mobilizar a opinião pública, demonstrar pra todo mundo o que pra nós é muito evidente, há sim uma chance. O centrão vai para onde a água leva.
Você acredita que há clima político para o impeachment acontecer, tanto no parlamento quanto na sociedade?
Em alguns setores da sociedade, sim. O impeachment precisa acontecer, é uma questão de salvar o país. Mas, do ponto de vista da política institucional, não há clima agora. Ainda tem muito o que caminhar.
Os pedidos de impeachment são muito importantes nesse sentido de começarem a trazer esse debate, mas acho que ainda não há clima. Para os homens brancos do Congresso e aqueles que representam um projeto político elitista e branco, que na minha visão é a maioria no Congresso hoje, para que eles votem favoráveis ao impeachment ainda há muito o que a população tem que fazer.