Como surgiu o pedido?
Miguel Reale Júnior - Nós, [juristas], fomos convidados pela CPI da Pandemia para fazer um parecer à Comissão a partir do que foi apurado durante as reuniões. Nosso parecer gerou subsídios quanto à qualificação jurídica dos fatos apurados pela CPI e ajudamos nas conclusões do Relatório final da Comissão, uma delas foi o crime de responsabilidade que pode levar ao impeachment de um presidente da República.
Os crimes de responsabilidade estão previstos na Constituição Federal, no Artigo 85. É o único modo pelo qual se pode promover o afastamento de um presidente que não cumpra com os deveres éticos, morais e políticos, e também de responsabilidade fiscal. Ao longo do pedido falamos sobre os elementos configuradores dos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro.
Então esse pedido de impeachment, com base no nosso parecer e com outros elementos da CPI, é uma consequência obrigatória do relatório da CPI da Pandemia. E como responsáveis por esse pedido, decidimos convidar pessoas da sociedade civil e de vítimas da covid-19 para assinarem e colaborarem após todas as conclusões apuradas pelo relatório final.
Quais são as principais acusações do documento?
Miguel Reale Júnior e Helena Lobo - As acusações estão centradas na prática de crimes de responsabilidade, porque os crimes comuns e contra a humanidade são tratados em outras esferas. Dentre os crimes de responsabilidade, indicamos a violação patente de direitos e garantias fundamentais individuais principalmente a vida e a saúde e a quebra de decoro.
Os fatos narrados no pedido referem-se à grave omissão na direção das ações de proteção das pessoas no âmbito da pandemia, o projeto de imunização de rebanho, a prática de inúmeros atos contrários à precaução exigida em uma situação tão grave, a promoção de medicamentos sem eficácia contra a doença, as omissões e ações que levaram Manaus à situação de descalabro a que todos nós assistimos perplexos, a desassistência aos povos indígenas e a demora na aquisição de vacinas. Além de o presidente ter colocado a eficácia da vacina em questão, ele zombou e disse que “vacina obrigatória só no Faísca”, cachorro dele.
Entre as denúncias existe um ato que vocês considerem o mais grave?
Helena Lobo - Todos os fatos são gravíssimos e levaram inúmeras pessoas à morte, além de tantas outras que ficaram seriamente sequeladas. Muitas dessas pessoas poderiam ter sido salvas se o Governo Federal tivesse adotado uma política de prevenção fundada na ciência e não no negacionismo e distribuição do Kit covid como medida salvadora diante do coronavírus.
Considerando que o Relatório da CPI da Covid-19 é o grande motivador do pedido de impeachment, os proponentes consideram que o afastamento do presidente nesse momento seria a melhor opção para responsabilizar Bolsonaro pelos crimes cometidos ao longo da pandemia e ainda mais diante do cenário próximo das eleições?
Miguel Reale Júnior - O que importa é a conclusão, nós não estamos pensando politicamente ou em A, B ou C, nós estamos pensando em favor do relatório. Ou seja, o relatório concluiu e nós, no nosso trabalho, estudamos todas as provas contidas na CPI da Pandemia, e concluímos que existe crime de responsabilidade. Nós não podemos, em função de estar perto das eleições ou porque o Arthur Lira (presidente da Câmara dos Deputados) não vai dar andamento aos pedidos de impeachment, deixar de cumprir o nosso dever. Não agimos com a visão meramente consequencialista, agimos com a perspectiva de que não era possível não dar início ao processo de impeachment por razões alheias aos fatos que estão ali relatados [no Relatório da CPI].
Os fatos relatados conduzem obrigatoriamente a propositura da ação para que haja responsabilidade. Não é possível se pensar em nos omitirmos porque eventualmente haverá repercussões políticas ou em dificuldades políticas lá na frente, nós cumprimos o nosso dever.
Por que os advogados se reuniram com os senadores Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (PMDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) antes de protocolar o pedido junto à Câmara?
Helena Lobo - Essa reunião ocorreu porque os senadores fizeram questão de nos entregar em mãos uma via do relatório e solicitar um parecer. Esse parecer é subsídio à elaboração do relatório que foi muito bem feito e levantou várias provas que imaginávamos que existiam, especialmente em relação às vacinas.