Eduardo Leite homenageia vice com dados discutíveis sobre homicídios
Foto: Rodrigo Ziebell/SSP/Divulgação
PSDB - Eduardo Leite

Eduardo Leite homenageia vice com dados discutíveis sobre homicídios

Candidato do PSDB elogiou elucidação de crimes no estado promovida por seu vice, o delegado Ranolfo Vieira (PTB), quando esteve na chefia da Polícia Civil. Mas o critério adotado é contestado por órgãos do judiciário e especialistas

Polícia Segurança Pública Violência

Taís Seibt, Bruno Moraes
7 minutos

“O delegado Ranolfo, quando foi chefe da Polícia Civil no estado, estruturando a Delegacia de Homicídios, ampliou de cerca de 20% de elucidação dos crimes de homicídio para 70% o número de elucidação de crimes [de homicídio].”

Tendo como candidato a vice o delegado Ranolfo Vieira Júnior (PTB), que foi chefe da Polícia Civil no RS de 2011 a 2014, no governo Tarso Genro (PT), Eduardo Leite (PSDB) fez referência ao aumento na taxa de elucidação de homicídios no estado no período em que o colega de chapa esteve à frente da polícia. Com a criação de delegacias especializadas na investigação de homicídios, a taxa de elucidação desses crimes passou de 20% para mais de 70% de 2013 para 2014.

Delegado Ranolfo Vieira Júnior (PTB) concorre a vice-governador do RS na chapa de Eduardo Leite (PSDB) (Foto: Júlia Soares/Divulgação)

O aumento expressivo de eficiência de um ano para outro abriu margem para contestação, já que o próprio delegado Ranolfo, à época, admitiu ter contabilizado como elucidados crimes que ainda não haviam sido remetidos à Justiça. O entendimento sobre elucidação de homicídios gera divergência entre órgãos policiais, judiciários e especialistas. O Truco nos Estados – projeto de checagem de fatos da Agência Pública, feito no Rio Grande do Sul em parceria com o Filtro Fact-checking – verificou a declaração de Eduardo Leite, feita durante o Painel Eleitoral ARI, promovido pela Associação Riograndense de Imprensa, em 14 de agosto.

Quando chefiou a Polícia Civil no RS, Ranolfo comandou a implantação do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), iniciada em dezembro de 2012. A criação do departamento é fruto da Força-tarefa de Enfrentamento aos Homicídios, realizada entre junho e setembro de 2012, como uma espécie de laboratório para o DHPP.

O relatório da força-tarefa, enviado pela assessoria de Eduardo Leite quando consultada sobre as fontes dos dados citados pelo candidato, mostra um crescimento expressivo. Na comparação entre junho e setembro de 2011 com o mesmo período de 2012, os casos com autoria conhecida aumentaram de 36% para 71%. Em números absolutos, de 470 ocorrências, em 171 casos a polícia identificou um autor em 2011, passando para 355 casos com autoria conhecida de um total de 503 no ano seguinte.

Gráfico extraído do relatório da força-tarefa de investigação de homicídios no RS

Em janeiro de 2014, depois da estruturação do DHPP ao longo de 2013, a PC informou ter elucidado 74% dos inquéritos de homicídios registrados no ano anterior, nas 11 cidades mais violentas do RS. Conforme o mesmo comunicado da polícia, o índice era de 20% antes da implantação do departamento. Os números batem com os anunciados por Leite.

Contudo, os critérios de identificação de autoria foram contestados à época. Em 2013, um levantamento do jornal Zero Hora mostrou que apenas 30,7% dos crimes foram denunciados à Justiça pelo Ministério Público (MP). De 88 assassinatos nas cidades com DHPP, em 48 a polícia indicou supostos autores, mas os promotores entenderam que somente 27 continham provas suficientes para levar os suspeitos ao tribunal, ou seja, 69,3% dos casos não geraram denúncia.

“Pode-se dizer que há efetividade na investigação, se o inquérito resulta num processo judicial. Se os indiciamentos foram questionados pelo MP, é porque não havia elementos suficientes para sustentar uma denúncia e efetivamente promoverem elucidação”, comenta Francisco Amorim, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e jornalista com mais de uma década de atuação na área de segurança pública no estado.

Ranolfo admitiu à reportagem de ZH que, para a Polícia Civil, ter o nome de um ou mais suspeitos pelo crime era suficiente para tomar o inquérito como elucidado. “Para efeito de investigação, consideramos esses casos elucidados. Às vezes, falta um laudo pericial ou ouvir uma testemunha. Embora não tenha sido remetido, já podemos considerar o caso esclarecido”, falou à época o candidato a vice, então chefe do órgão.

Não há consenso sobre esse critério. No rito processual, previsto no Código de Processo Penal, não fica especificado o que é elucidação. O caminho para a solução de um crime contra a vida começa na investigação policial, que deve gerar o indiciamento do suspeito, trabalho da Polícia Civil. Esse seria o estágio em que a autoria do crime é reconhecida pela autoridade policial. Do indiciamento resulta uma denúncia, apresentada pelo MP. Se a denúncia for aceita, a Justiça faz então a pronúncia do réu.

Elucidação, esclarecimento e solução

Uma pesquisa do Ministério da Justiça com o Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP), publicada em 2014, apresenta conceitos fundamentais sobre a solução de homicídios seguindo a literatura internacional sobre o tema. Com base nesse estudo, um homicídio é considerado elucidado quando a polícia remete o inquérito para a Justiça. No estágio seguinte, quando essa investigação torna-se uma denúncia formal, o crime passa a ser considerado esclarecido. Assim, um homicídio esclarecido é aquele no qual o agressor foi denunciado pelo MP.

De acordo com esses conceitos, um homicídio, para ser esclarecido (gerando uma denúncia), precisa antes ser elucidado (com indiciamento policial, indicando autor e materialidade do crime). Ao dizer que contabilizava como elucidados casos com inquérito em andamento, Ranolfo revela que a estimativa levava em conta processos ainda não remetidos à Justiça: os quais não se enquadrariam, portanto, nesses critérios de elucidação.

O pesquisador Francisco Amorim observa que os conceitos de elucidação e esclarecimento trazidos pelo documento do FBSP não encaixam perfeitamente com as especificações jurídicas para solução de homicídios previstas no Código de Processo Penal, já que tais conceitos não são definidos nesta legislação. Assim, mesmo nos casos elucidados entregues à Justiça, é possível que as informações colhidas sejam insuficientes para o encaminhamento do processo.

“Ao indiciar um suspeito, o delegado já deve apontar a materialidade do crime. No caso de um homicídio, por exemplo, um indicativo de materialidade é o exame de corpo de delito”, explica Amorim. “Se estas provas indiciárias forem consideradas insuficientes, o MP pode solicitar à polícia diligências complementares”, completa.

Um levantamento do Tribunal de Justiça do RS, divulgado também pelo Zero Hora, abrangendo 18 mil julgamentos entre 2011 e 2015, mostra que 9,6 mil processos sobre homicídios consumados ou tentados (51%) foram arquivados por falta de autoria ou por fragilidade de provas, o que revela inconsistências na investigação. A estimativa refere-se a processos que chegaram à primeira instância naquele período.

Já que não há consenso sobre o critério de elucidação de homicídios entre órgãos policiais, judiciários e especialistas, nem mesmo uma especificação precisa na legislação penal, os percentuais destacados pelo candidato foram classificados como discutíveis.

Posicionamento do candidato

Informada sobre o selo atribuído pelo Truco nos Estados, a assessoria do candidato argumentou que “o dado do Tribunal de Justiça do RS, que afirma que dos ‘processos JULGADOS entre 2011 e 2015’, 51% foram arquivados, ou seja, se foram julgados nesta época, não podem se referir ao período citado por Eduardo Leite (que usou dados de crimes ocorridos em 2013). O rito de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, leva, em média 8 anos, segundo dados da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (SRJ/MJ)”.

O tema da segurança pública ganha relevância no debate entre os concorrentes ao Piratini, pois o crime aumentou 47,7% no Rio Grande do Sul entre 2011 e 2016, de acordo com o Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea).

Mesmo após a gestão de Ranolfo, o Anuário da Polícia Civil de 2017 mostra que o órgão continua apresentando altos índices de elucidação desse tipo de crime: 80% no geral do estado (p. 17) e 72,9% no âmbito das delegacias especializadas (p. 34), que hoje são 16. A Polícia, no entanto, não detalha os critérios usados na geração desses indicadores.

 

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