Caso o projeto de lei que propõe aumentar de 513 para 531 o número de deputados federais seja aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente, os custos aos cofres públicos podem chegar a mais de R$ 845 milhões, mostra levantamento da Agência Pública. O valor é 13 vezes maior que os R$ 64,8 milhões previstos como gastos adicionais no substitutivo do Projeto de Lei Complementar PLP 177/2023. O montante foi calculado considerando dois efeitos cascata da medida: o espelhamento do aumento de vagas nas Assembleias Legislativas e a manutenção da média de emendas parlamentares destinadas por cada parlamentar federal.
Por que isso importa?
- Já aprovado na Câmara e em avaliação pelo Senado, o PLP 177/23 que aumenta vagas para deputados federais não considera o amplo impacto da decisão nos cofres públicos que vão além da própria Câmara.
- Impacto imediato de efeito cascata do projeto pode representar despesas de R$ 3,38 bilhões para um mandato de quatro anos, considerando Câmara e assembleias.
O primeiro seria o investimento necessário para criar mais 30 cargos de deputados estaduais em nove Assembleias Legislativas do país: Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Os nove estados seriam os que ganhariam deputados federais, alterando o valor de referência para a composição das casas estaduais.
No total, os Estados gastariam pelo menos R$ 111,9 milhões em um ano com a criação das novas vagas. A quantia considera os vencimentos atuais dos parlamentares de cada Estado, salários de servidores comissionados e a média anual de gastos em 2024 com verbas indenizatórias, cotas de gabinete, diárias de viagem e passagens aéreas. Os dados foram retirados dos portais de transparência de cada casa legislativa.
Outro risco de aumento de gastos públicos é o incremento em emendas parlamentares. Em 2025, cada deputado federal tem R$ 37,3 milhões em emendas individuais para usar segundo seus próprios critérios e indicar ao governo federal onde a verba deve ser aplicada. Com a aprovação do PLP 177/23 e a manutenção desse valor até 2027, a fatia da Câmara dos deputados no Orçamento Público teria um acréscimo de R$ 671,4 milhões.
A deputada federal do Psol Sâmia Bomfim votou contra o PLP e critica a iniciativa. “Diante de tantas urgências e necessidades reais, não tem cabimento a Câmara discutir isso. Ainda mais considerando o impacto orçamentário que traz. Não podemos votar mais recursos para a educação pelo impacto financeiro, mas podemos votar mais deputados?”, indaga. Psol, Rede, Novo e Cidadania foram os quatro partidos que votaram contra o PLP.
A deputada ainda salienta o impacto nas emendas parlamentares. “Para o país, o impacto pode ser muito maior [que os R$ 64,8 milhões previstos no PLP 177/33] porque há um efeito cascata. Nos Estados, teremos por consequência o aumento do número de deputados estaduais. Sem contar o efeito que isso tem sobre o Orçamento Público Geral, sobre as emendas parlamentares, porque ano após ano aumenta o poder do Congresso Nacional no Orçamento por meio dos recursos destinados a Emendas”, afirma.
O texto foi aprovado pela Câmara no dia 6 de maio, em caráter de urgência, e seguiu para o Senado. Segundo o relator, deputado Damião Feliciano (União-PB), os R$ 64,8 milhões sairão do próprio orçamento da Casa e serão suficientes para cobrir os vencimentos e a estrutura necessária aos 18 novos deputados federais. O texto prevê que eles sejam eleitos para a próxima legislatura, a partir de 2027.
O PLP 177/23 foi elaborado após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar, em 2023, que o legislativo federal deveria atualizar o número de deputados de acordo com último Censo do IBGE, de 2022, até 30 de junho de 2025. A Constituição Federal estabelece que o número de deputados federais de cada Estado deve ser proporcional à população. A decisão do Supremo partiu de um pedido do Estado do Pará, que alegava sub-representação na Câmara – com o redesenho, com ou sem PLP, a unidade federativa ganharia mais quatro vagas em 2027.
A Lei Complementar 78/93, que regulamenta o texto constitucional, e será revogada se a PLP 177/2023 for sancionada, determina que as atualizações devem ser feitas mantendo 513 deputados e alterando o número de representantes de cada Estado. “Isso implicaria em algumas unidades da federação perderem cadeiras em favor das outras. É aí que mora o grande problema. Nenhum Estado quer perder representação no Congresso”, afirma a professora de direito constitucional do UniArnaldo Centro Universitário Virgínia Machado.
“Perder cadeiras significa perder peso político na correlação federativa e, portanto, perder recursos”, admitiu o relator do PLP 177/23, deputado Damião Feliciano (União Brasil-PB) à Agência Câmara.
Conta de padaria, gastos de palácio: o impacto do efeito cascata
Ao aumentar o número de deputados federais, a Câmara provoca também o aumento nas assembleias legislativas dos estados cujos representantes foram alterados em Brasília. Isso acontece porque a Constituição Federal calcula o número de deputados estaduais proporcionalmente ao de representantes federais.
Professora e pesquisadora em economia da PUC-SP, Cristina Helena de Mello avalia que o PLP 177/23 vai na contramão dos esforços do governo de fazer um ajuste fiscal. “É ilógico, não se justifica o aumento de deputados federais. Quando a gente começa a ver todos os esforços do governo federal, o compromisso com a gestão fiscal é sabotado, de certa forma, pelo legislativo”, afirma.
A economista ressalta que a falta de gestão fiscal “causa instabilidade, alimenta o apetite por juros mais elevados, sob argumento de risco, e justifica práticas de juros impeditivas para atividade produtiva”, explica, destacando ainda o caráter permanente dos gastos.
“Não é como uma emenda parlamentar que se aprova, se executa e não precisa renovar. Essa [despesa] significa um aumento de quadros, com custos mensais, mais todos os benefícios e gastos que vêm associados, com assessoria, moradia, transporte para visitar as bases, possibilidade de aumento das emendas parlamentares…”, salienta, lembrando que a ideia iria contra o arcabouço fiscal.

Nova Câmara, novas assembleias
Segundo o texto do PLP a nova composição da Câmara dos Deputados incluiria mais quatro parlamentares do Pará e Santa Catarina, dois para Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte e um novo representante para Goiás, Ceará, Paraná e Minas Gerais.
Com essa alteração, as Assembleias Legislativas do Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte ganhariam mais seis cadeiras. Já no Pará e em Santa Catarina seriam mais 4, e os Estados de Goiás, Minas Gerais e Paraná um representante a mais.
A Constituição Federal prevê que estados com até 12 deputados federais tenham assembleias estaduais com o triplo de deputados estaduais (ou seja, com até 36 vagas) – acima dessa marca, além das 36 de referência, as assembleias ganham uma vaga para cada novo representante federal.
O acréscimo nos Estados também traz desafios financeiros à gestão pública regional, uma vez que Estados também buscam equilíbrio fiscal. “Um agravante é que os Estados não podem ampliar suas dívidas para fazer esses pagamentos. Eles estão sujeitos a uma legislação de controle, [a Lei] de Responsabilidade Fiscal, que impede o crescimento de folha de pagamento”, explica a economista Cristina Helena de Mello.
Esse cenário, para o advogado e professor de pós-graduação em direito na PUC Minas Renato Braga Bicalho, aumenta a crise de representatividade enfrentada hoje pelas casas legislativas, tanto em âmbito nacional como regional.
“A sociedade não tem se sentido mais representada pelos seus parlamentares. Isso porque os parlamentares, em sua maioria, não têm demonstrado capacidade de mudanças na vida das pessoas, para melhor”, avalia. “Então, não é aumentando o número de deputados que teremos essa sensação de maior representatividade”, completa.

Em silêncio, deputados estaduais aguardam definição
As assembleias legislativas dos nove Estados que seriam afetados pela mudança foram procuradas, mas apenas as de Goiás, Pará e Santa Catarina se manifestaram.
Em nota, a assessoria de Goiás afirma que “os contrapontos relacionados ao aumento dos custos públicos, à questionável melhoria na qualidade da representação e à percepção pública negativa não podem ser ignorados. A decisão, que ainda passará pelo crivo do Senado, exige uma ponderação cuidadosa entre os benefícios da atualização representativa e os ônus financeiros e políticos envolvidos”.
Pará e Santa Catarina afirmaram apenas que não existe nada de concreto sobre o tema, uma vez que ele continua em discussão no Congresso Nacional.
O presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), deputado estadual Roberto Cidade (UNIÃO) havia se manifestado a favor da possibilidade de aumento do número de deputados federais e estaduais.
“Avalio esse aumento de forma positiva. Quanto mais representantes aqui nesta Casa, mais teremos debates com pessoas que têm ideias diferentes, mas que têm como propósito a construção de projetos importantes para o Estado. O Amazonas já vem perdendo representatividade há muitos anos e, aumentar dois representantes no Congresso Nacional é muito positivo para nós. Toda vez que precisamos defender a Zona Franca é um desafio enorme, porque só temos oito parlamentares na bancada”, afirmou em entrevista coletiva no dia 7 de maio. Procurado pela Pública, ele preferiu não se manifestar.