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A morte de JK e o Plano Verde Amarelo: o que o novo golpismo nos ensina sobre o passado

Versões de assassinato de JK e Jango soam mais realistas à luz dos planos sinistros da turma de Bolsonaro

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15 de fevereiro de 2025
06:00

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Faço parte de uma geração de jornalistas que sonhou em desvendar três mortes presidenciais (ou assassinatos?) do período da ditadura. Se as investigações da imprensa, dos familiares dos mortos, do Ministério Público (MP) e dos governos pós-regime militar só fizeram aumentar o número de vítimas do golpe de 1964, a ponto de hoje em dia se falar em 10 mil mortos, muitos jornalistas da redemocratização também tentaram, sem sucesso, esclarecer as circunstâncias das mortes de Juscelino Kubitschek, João Goulart e do general Castello Branco, mortos entre 1967 e 1976.

Motivos para suspeitar das versões oficiais nunca faltaram – das falhas nas investigações a laudos periciais precários e depoimentos contraditórios –, além do interesse óbvio da ditadura em se livrar dos três ex-presidentes: Juscelino por ser um presidente popular, anterior à ditadura, e que a ela se opôs; Jango por suspeitas de articular sua volta ao Brasil do exílio no Uruguai; e Castello Branco, este golpista de primeira hora, por supostamente ter se colocado contra o endurecimento da ditadura, que se concretizaria com a promulgação do AI-5, cinco meses depois da morte do general. 

Mas também havia razões para atribuir a tese dos assassinatos a teorias da conspiração. Castello Branco, o primeiro dos três a falecer, em 18 de julho de 1967, foi vítima de um acidente aéreo; Jango, com problemas de saúde, morreu oficialmente de infarto de miocárdio, em 6 de dezembro de 1976; e JK, também morto em 1976, quatro meses antes de Jango, em um acidente de carro na via Dutra. 

Por isso senti um misto de fascínio e terror diante da notícia da reabertura do caso JK pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) divulgada ontem (13/2) – a decisão seria confirmada em uma reunião que ocorreria hoje (14/2). Será possível provar, tanto tempo depois, que pelo menos um ex-presidente tenha sido assassinado pela ditadura como se suspeitava?

O acidente de Castello se deu em um evento raro, o choque com um avião militar em um dia claro, fomentando suspeitas ainda não totalmente descartadas; já a morte “natural” de Jango sempre gerou dúvidas, que se reforçaram com o depoimento de um ex-agente secreto do Uruguai de que os remédios para o coração de Goulart foram manipulados com o objetivo de envenená-lo – em 2013, seu corpo chegou a ser exumado, mas o laudo pericial foi inconclusivo; quanto a JK, o motivo de seu motorista e amigo, Geraldo Ribeiro, também morto no acidente, ter perdido o controle do Opala, atingindo uma carreta na pista oposta, permanece obscuro e cercado de contradições. 

Mas, além da dificuldade de encontrar provas tantos anos depois das mortes – algumas versões, como o envenenamento de Jango, pareciam fantasiosas. Não é mais natural pensar que um homem de 57 anos com problemas no coração sofreu um infarto do que imaginar que seus remédios foram substituídos por veneno?

O Ministério dos Direitos Humanos do governo Lula, ao qual é vinculada a CEMDP, vê motivos para reabrir agora o inquérito da morte de JK amparado em um laudo de 2019 – assinado pelo engenheiro e perito Sergio Ejzenberg – e juntado pelo MP ao cabo de uma investigação que durou seis anos (2013-2019). Ejzenberg desmontou a conclusão das investigações policiais conduzidas durante a ditadura militar: de que o motorista de JK teria batido em um ônibus e, por isso, o carro teria se desgovernado, o que hoje se sabe que é falso, embora o MP não tenha conseguido definir a causa real do acidente. Vamos ver se consegue agora, apesar das “falhas periciais severas” no inquérito policial da época, que impediram a conclusão do MP.

O fato é que tanto a hipótese de acidente provocado no caso de JK como a do envenenamento de Jango parecem mais críveis depois da descoberta pela Polícia Federal (PF) do Plano Verde e Amarelo, impresso no Palácio do Planalto, pelos golpistas de 2022.

Afinal, os atuais golpistas foram formados pela mesma doutrina que os torturadores e assassinos da ditadura, e os métodos dos agentes ocultos da repressão não diferenciam muito daqueles imaginados pelas atuais forças especiais do Exército para impedir a posse do presidente eleito há dois anos. Chegam até a coincidir perfeitamente, como o plano para matar Luís Inácio Lula da Silva tendo como método a substituição da medicação do presidente por veneno, exatamente como teria ocorrido com Jango. 

Na semana que vem a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve entregar a primeira parte da denúncia no inquérito que apura as tentativas golpistas de 2022. Esse bloco se refere justamente aos “cabeças” do golpe, como Jair Bolsonaro e o general Braga Netto, já que, devido ao grande número de indiciados pela PF (40 pessoas), a PGR “fatiou” o inquérito para agilizar o processo que vai tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Vamos esperar que pelo menos os atuais aspirantes a ditador e seus kids pretos sejam punidos, colocando mais uma pá de cal no legado sinistro de 1964.

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