Sebastião de Oliveira Pereira trabalha com frete para comprar e revender os produtos colhidos por castanheiros e seringueiros do sul de Lábrea. Como há grileiros querendo expulsar esses seringueiros de sua terra, ele avisou que iria depor a favor dos seringueiros. Meses depois, foi preso. Acusado de cometer os crimes que queria denunciar: pistolagem e dano ambiental, entre outros.
Segundo o mandado de prisão, ele foi denunciado pela líder Nilcilene Miguel de Lima. Ela nega ter feito qualquer denúncia contra ele e ajudou a levantar um abaixo assinado para tirá-lo da cadeia.
“Nasci no mato aqui do sul de Lábrea, minha família mexia com seringa e açaí. Com 13 anos tiraram a gente a bala e perdemos tudo, passamos oito anos na Bolívia. Quando voltei, em 2010, vim morar de aluguel aqui na vila [Nova Califórnia, vila mais próxima] e comecei a fazer frete para vender o açaí, cupuaçu e castanha que o pessoal pega lá dentro. Nessa época, os grileiros já tinham colocado dois homens na porteira para impedir os seringueiros de entrar.
Um dia de 2010, topei com esse grileiro e mais cinco peões armados no caminho. Ele disse: ‘se você entrar, eles vão te linchar’. Eu disse que estava só fazendo meu serviço, o frete. Mas fiquei atento porque eles são perigosos, matam mesmo. Tem muita gente sumida aí, queimado, enterrado lá para dentro.
Depois eles ameaçaram botar fogo no meu carro porque eu não parei de levar as coisas para o povo. Eles querem tirar todo mundo lá de dentro, mas não pode fazer uma coisa dessas, já tem muito seringueiro passando fome aqui na vila. No tempo que fomos criados na mata, não tinha onde estudar. Eles não tem um saber para trabalhar na cidade.
Como eu não posso entrar mais com a caminhonete, vou até onde dá e depois levo as coisas nas costas. Levo tábua, arroz, feijão, o que for preciso. Conheço essa gente aí desde que sou menino, não vou ajudar?
O problema mesmo foi quando comecei a falar que ía depor a favor dos seringueiros na disputa pela terra. Aí esse grileiro não gostou, começou a espalhar que sou eu que trabalho na porteira dele. Que eu é que bato nos outros, derrubo árvore. Um dia eu estava na associação vendendo cupuaçu e ele passou de caminhonete com a polícia, apontando para mim. E não é que a polícia me prendeu? Me levaram para Extrema e Porto Velho. Fiquei 70 dias preso por cinco castigos: dano ambiental, tentativa de homicídio, pistolagem, porte de arma e massacre –que é dar peia, bater nos outros.
O delegado disse que foi a Nilcilene e outras castanheiras que tinham registrado queixa contra mim, mas eu não acreditei. Eu conheço esse povo há muito tempo, eles não íam fazer isso. Esse povo se reuniu foi para fazer um abaixo assinado, 370 assinaturas dizendo que eu não fazia essas coisas. Minha família e os amigos juntaram 25 mil reais para pagar o advogado e me libertar.
Agora que sai, vou entrar com advogado porque fui preso inocente. E o povo dizendo pros meus filhos que eu bati nos seringueiros? Como que pode uma coisa dessas?
O mandado de prisão diz que foi a Nilce que me denunciou, que o depoimento está em anexo. Mas não tem anexo nenhum. Não entendo como pode acontecer uma coisa dessas.”
Leia mais: Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “eles vão me matar”