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Durante meses o repórter apurou os casos de desaparecidos no Rio de Janeiro

Da Redação
26 de fevereiro de 2014
12:00
Este artigo tem mais de 10 ano

Não é novidade para ninguém: o caso Amarildo ganhou uma repercussão inédita para um desaparecimento ocorrido durante o período democrático brasileiro. O que sempre me intrigou, desde o início, era o porquê disso tudo, e o porquê de outros casos não ganharem repercussão semelhante. Minha intenção quando propus a reportagem era, principalmente, encontrar personagens que ainda não tinham recebido nem 1% da atenção que Amarildo teve dos meios de comunicação.

Ao mesmo tempo em que consegui ter acesso ao inquérito todo da investigação do sumiço de Amarildo – 2,7 mil páginas de depoimentos, provas periciais, escutas telefônicas, além de quase 13 GB de arquivos de áudio, fotos e vídeos – comecei a levantar e analisar os dados de desaparecimentos compilados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. Os primeiros especialistas com quem falei mencionavam que parte dos desaparecimentos podia estar acobertando homicídios e autos de resistência (homicídios ocorridos em confrontos com policiais). O aumento dos desaparecimentos e a queda nos outros dois indicadores davam indícios neste sentido. Mas faltavam estudos mais aprofundados que respaldassem essa percepção.

Ainda faltam, na verdade. Há uma fragilidade nos números do ISP, porque eles se sustentam apenas nos registros feitos em delegacias. Muitos especialistas acreditam que muitos dos chamados “desaparecimentos forçados” – que se tratam na verdade de homicídios com ocultação de cadáver –nem são registrados, por inúmeras razões: medo, conformismo, alívio (o desaparecido podia dar muito trabalho à família). Depois de ler pelo menos seis estudos acadêmicos e falar com especialistas, no entanto, há uma tendência a acreditar que os desaparecimentos forçados são uma realidade cada vez mais forte. Principalmente em algumas áreas do Rio, como a zona oeste e a Baixada Fluminense.

Aí está o grande desafio da reportagem: como chegar a casos significativos desta realidade, já que a polícia obstaculiza a investigação jornalística e o crime organizado é uma ameaça constante? Mesmo as entidades de defesa dos direitos humanos não têm muito conhecimento de famílias que perderam entes nestas condições. Notícias de jornal dão apenas pistas. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) tem dados consistentes de autos de resistência, mas não de desaparecimentos.

O coordenador dessa comissão me apresentou o sociólogo Fábio Araújo, que tinha feito uma tese de doutorado a respeito dos desaparecimentos forçados. Ele me mostrou alguns casos de suas investigações de anos, e pelo menos um está na reportagem: o de Felipe Venâncio.

Uma notícia antiga de jornal me levou ao caso que mais representou perigo para minha integridade física: o de Donício Vianna, desaparecido por uma milícia de Campo Grande. Consegui telefonar para sua mãe e marcar um encontro no bairro onde estão as maiores e mais conhecidas milícias do estado. Enquanto estávamos conversando, um dos suspeitos de ter sido responsável pelo desaparecimento de Dony passou perto de nós, dentro de um carro.

Com relatos de moradores da região e a valiosa entrevista que o delegado da 35ª Delegacia de Polícia aceitou dar foi possível traçar um panorama do que acontece naquela região e chegar ao relato de que muitas vítimas de desaparecimentos forçados têm sido jogadas no rio que fornece água para praticamente toda a capital fluminense e a Baixada. Uma curiosidade mórbida sobre uma realidade crua e cruel que tem ganhado pouca atenção dentre tantas notícias sobre as Unidades de Polícia Pacificadora.

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