O cearense José Júlio de Andrade é tido como o latifundiário pioneiro da região do Jari. Chegou à Amazônia no apogeu do ciclo da borracha, final do século XIX, e se apossou de uma extensão de terras maior que o território do Jari. Para subordinar a população local o coronel Andrade usava a prática do aviamento, ou seja, comprava borracha, balata ou a castanha em troca do fornecimento de insumos para as populações extrativistas. Como os preços sempre favoráveis ao comerciante, os coletores estavam sempre ao devendo ao dono do barracão, e eram obrigados a trabalhar de graça para ele. O expediente ainda hoje é usado na Amazônia.
Mas os extrativistas se revoltaram, e Andrade teve que fugir para o Rio de Janeiro. Além de comerciante, o grileiro de terras foi prefeito em Almeirim quando Magalhães Barata mandava na política do Pará, e Getúlio Vargas, no país.
Em 1948 um grupo de portugueses e um brasileiro passaram a dominar terras e o mercado deixado por Andrade. Para explorar produtos extrativistas e agrícolas da região, criaram três empresas: a Jari Indústria e Comércio e a Companhia Industrial do Amapá para a comercialização dos produtos, e a Companhia de Navegação Jari S\A, a partir de José Júlio. É deste grupo que o multimilionário Daniel Ludwig adquiriu parte das terras no final da década de 1960. O estadunidense chegou a controlar mais de 200 empresas espalhadas pelo planeta nos setores da finança, do transporte, da mineração e da agroindústria.
O Jari de Daniel Ludwig
Ludwig não foi o primeiro estadunidense a tentar subordinar a floresta Amazônia aos seus interesses. Em 1927 o também milionário Henry Ford fundou seu próprio reino – a Fordlândia – na cidade de Aveiro, às margens do rio Tapajós, oeste paraense. A domesticação da seringueira em grande escala fracassou. Ainda hoje existem vestígios da fábrica, vila e do monocultivo.
O compatriota Daniel bem que poderia ter atentado para a experiência de Ford. Ele chegou na Amazônia no ápice do estado de exceção e, com apoio do governo militar, instalou um complexo agroindustrial que englobava a produção de celulose em grande escala, arroz, criação de gado, e o extrativismo mineral de bauxita e caulim. Aeroporto, porto, rodovia e ferrovia compunham a infraestrutura, além de uma fábrica para a produção de celulose importada do Japão.
O desmatamento de mais de 200 mil hectares de floresta densa, para o cultivo de espécies exóticas – com o objetivo de produzir celulose – foi primeiro ato do polêmico projeto do milionário, que invadiu o território de indígenas e ribeirinhos que viviam do extrativismo no entorno dos rios Paru e Cajari. Os conflitos entre os seguranças da empresa e os moradores tradicionais eram constantes.
Crise do Projeto e Novos Donos
Nos anos 1980 e 1990 o debate ambientalista abriu espaço na agenda política do país, e transbordou as fronteiras nacionais com a militância do seringueiro Chico Mendes, executado em 1988. As críticas contra o Projeto Jari ganharam o mundo.
O jornalista Lúcio Flávio Pinto, que escreveu um livro sobre o assunto (Jari: Toda a Verdade Sobre o Projeto de Ludwig), conta que no início dos anos da década de 1980, os lucros sumiram e o Jari foi transferido a um grupo de 27 empresários brasileiros, liderado pelo Banco do Brasil e por Augusto Trajano de Azevedo Antunes, do Grupo Caemi, em operação coordenada pelo ministro Antônio Delfim Netto. Avalizado pelo governo, o grupo comprometeu-se a pagar a quantia de 280 milhões de dólares em 35 anos.
Mas a crise continuou. Em 1999 o Projeto foi adquirido por dois acionistas de São Paulo da direção do Grupo ORSA, presidido pelo empresário Sérgio Amoroso, pela soma simbólica de 1 dólar – as dívidas totalizavam cerca de 414 milhões de dólares. A negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durou dois anos. O projeto passou a ter o nome de Grupo Jari, e os empresários firmaram compromisso em sanar passivos sociais e ambientais.