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Cientista político, Carlos Romero aponta que, caso Maduro perca, governo ainda controla Legislativo e Judiciário

Entrevista
27 de julho de 2024
11:13

Neste final de semana, Nico e Egu disputam as urnas na Venezuela.

Nico – como a campanha tem apresentado Nicolás Maduro, no poder desde 2013, quando sucedeu Hugo Chávez – representa ao mesmo tempo a resistência e o desgaste do chavismo. Pesquisas de intenção de voto no país têm indicado uma possível derrota do governo nas eleições por grande margem.

Já Egu – a abreviação usada na disputa para Edmundo González Urrutia, candidato da coalizão de oposição – é um ex-embaixador que nunca chegou perto de ocupar um cargo como o de presidente. Na prática, ele representa o desgaste do chavismo e a possibilidade de um governo inédito em décadas, mas também a incerteza de uma plataforma liberal em um país com uma grande desigualdade social.

Egu sucedeu a ex-deputada María Corina Machado, que se autodenomina liberal e foi a pessoa escolhida originalmente pela oposição para disputar as eleições. Contudo, ela foi declarada inabilitada a disputar cargos públicos por acusações de corrupção junto a Juan Guaidó.

A Agência Pública entrevistou o professor da Universidade Central da Venezuela, Carlos Romero, que concorda que há grandes chances de que as previsões das pesquisas se concretizem. “Na maioria dos casos, na Venezuela, as pesquisas são sérias. E, a meu ver, conduziram corretamente o campo, a investigação, o número de entrevistados. Pela primeira vez as pesquisas favorecem a oposição naqueles que estão nos setores mais populares. Nunca a oposição teve acesso majoritário a esses setores”, avalia.

Contudo, Romero destaca que uma eventual vitória da oposição não significa o fim do chavismo, que permanece com o apoio do Legislativo, Judiciário e das Forças Armadas. “Se a oposição ganhar, ganhará apenas o poder Executivo. O poder Judiciário, o poder militar, o poder Legislativo etc. continuarão nas mãos da maioria oficialista até agora, o chavismo”. Para ele, esse cenário levaria a um governo muito instável, inclusive antes da tomada de posse.

Carlos Romero, cientista político e professor da Universidade Central da Venezuela
Carlos Romero, cientista político e professor da Universidade Central da Venezuela

O que esperar das eleições venezuelanas de 2024? 

Bom, neste momento há um clima tenso no país. A maioria dos venezuelanos está atenta ao que vai acontecer no dia 28 e nos dias subsequentes. Há uma grande incerteza, há projeções de cenários, mas nenhuma delas é suficiente para o que podemos viver a partir do dia 28.

Há três elementos, três dados muito importantes que temos que levar em conta.

Em primeiro lugar, que a maioria das pesquisas coloca como vencedores os candidatos de oposição na Venezuela.

Em segundo lugar, uma margem de 20% em média [de vantagem da oposição nas pesquisas] torna muito difícil manipular esta eleição.

E, em terceiro lugar, tem-se observado que, surpreendentemente, apesar dos recursos materiais que o governo e o regime em geral possuem, eles estão prestes a perder as eleições.

O que resta ao governo e aos que apoiam o governo? Restam duas coisas. Ou permitem uma transição ou, ao contrário, caminham para uma modificação dos resultados eleitorais que os favoreçam. E, se ocorrer essa segunda possibilidade, haverá muita suspeita. Porque a maioria das pessoas aponta que a única maneira de alterar os resultados é por meio de fraude.

Dessa forma, a Venezuela enfrenta dias muito difíceis. Claro que eu concordo que deve haver uma transição e que os resultados eleitorais sejam respeitados, quaisquer que sejam eles, apesar de eu acreditar que estas eleições serão vencidas pela oposição.

O senhor aponta que seria muito difícil para o governo, em uma eventual derrota, modificar o resultado das eleições. Por quê? A pressão internacional ajudaria a manter o resultado das eleições?

Tanto do ponto de vista doméstico quanto do internacional, existem fatores suficientes que alertam sobre a possibilidade de que o governo altere os resultados por meio do Conselho Nacional Eleitoral. Se for assim, alterar os resultados teria um custo muito alto, mas menor do que suspender as eleições.

Isso traria uma avalanche de críticas ao governo do ponto de vista interno e de outros governos, seria uma pressão muito forte que traria novamente uma grande instabilidade ao país.

Qual o nível de confiança das pesquisas? Elas enfrentam restrições para serem realizadas por parte do governo ou mesmo da oposição?

Bom, historicamente falando, houve casos em que as pesquisas erraram. Por exemplo, quando a senhora Violeta Chamorro ganhou na Nicarágua em 1990, ninguém apostava na sua vitória.

Mas, na maioria dos casos, na Venezuela, as pesquisas são sérias. E, a meu ver, conduziram corretamente o campo, a investigação, o número de entrevistados, a distribuição espacial e os diferentes setores da vida social.

Claro, se você fizer uma pesquisa apenas em zonas mais pobres, certamente terá maior propensão ao Maduro. Se fizer na classe média, maior ao González. Mas há dois elementos novos nesta eleição.

Um, a queda da votação absoluta do chavismo, que vem desde 1999 até hoje. Ou seja, houve uma constância na perda de votos pelo chavismo.

E, em segundo lugar, outra questão interessante é que pela primeira vez as pesquisas favorecem a oposição naqueles que estão nos setores mais populares. Nunca a oposição teve acesso majoritário a esses setores. E tanto uma coisa quanto a outra ajudam a aumentar o percentual favorável ao candidato González.

Há outro elemento que não podemos esquecer também, que é a abstenção. O governo aposta na abstenção, porque, na medida em que a população não vá votar, o voto controlado, como é chamado, pode dar um resultado favorável ao governo.

Ao centro o candidato à presidência da Venezuela, Edmundo González
Pesquisas têm apontado vantagem de Edmundo González, da oposição

Como ficaria a política venezuelana caso a oposição saia vitoriosa? 

Será muito difícil, porque, se a oposição ganhar, ganhará apenas o poder Executivo. O poder Judiciário, o poder militar, o poder Legislativo etc. continuarão nas mãos da maioria oficialista até agora, o chavismo.

O senhor poderia explicar melhor o que isso significaria para um governo de oposição na prática?

De fato, pode acontecer que a presidência seja conquistada por Edmundo González e o governo aceite a transição política, mas o poder Legislativo tem outros prazos, assim como o poder Judiciário. Isso resultaria em uma situação bastante difícil porque o governo não teria apoio dos outros poderes, inclusive enquanto Edmundo González toma posse.

É por isso que, dentro da oposição, se diz que, caso ganhem a eleição e o resultado seja respeitado, seria preciso fazer uma Assembleia Constituinte para mudar a Constituição e, assim, conseguir que todos os poderes estejam nas mãos do setor opositor. Seria um governo muito instável.

E a relação diplomática com o Brasil? 

Acho que há quatro fatores que poderiam ajudar muito na aproximação entre Brasil no caso de o presidente ser o González.

Primeiro, a necessidade do apoio brasileiro à democracia venezuelana. Segundo, o aumento do comércio, que tem sido muito pobre nesses últimos anos, e para isso conta com o apoio do Lula. Terceiro, a inserção da Venezuela nos Brics. Isso seria muito importante.

E quarto, e talvez o mais importante, o respaldo brasileiro ao equilíbrio político, à estabilidade política na Venezuela, para que se dê uma transição pacífica, sem traumas.

Acredito que, se Maduro continuar como presidente na Venezuela, haverá muitos problemas no país. E, quanto à relação com o Brasil, não será fácil, tendo em conta a separação que houve nos últimos dias entre Maduro e Lula.

O governo trabalha com a tese de que vão ganhar as eleições. Eles chegaram a reconhecer que há uma tendência, porque é apenas uma tendência, de vitória de Mundo González.

Atual presidente da Venezuela Nicolas Maduro
Governo Maduro tem perdido popularidade em áreas mais pobres do país, mas oposição ainda tem mais espaço na classe média e mais ricos

Até que ponto a Venezuela pode passar por um conflito civil? 

Bom, eu faço a pergunta ao contrário. É necessário um conflito na Venezuela? Acho que não. Já tivemos momentos de violência durante os últimos 30 anos. 

Todos os nossos esforços estão a favor de uma transição pacífica. E não nego que há setores, inclusive na oposição venezuelana, que estão buscando outro caminho distinto ao caminho eleitoral. Mas a maioria dos venezuelanos vai no domingo votar.

O senhor acredita que o resultado das eleições pode aumentar o fluxo de venezuelanos migrando para outros países, como o Brasil? 

Já temos 7 milhões de venezuelanos no exterior. As famílias estão divididas. Os jovens não estão na Venezuela. Os avós estão sozinhos etc. E isso vai aumentar no caso de uma vitória do oficialismo e de Maduro.

Edição:
Arquivo pessoal
Reprodução/Instagram/Edmundo Gonzalez Urrutia
Marcelo Camargo/Agência Brasil

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