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Autor de “Toda Ansiedade Merece um Abraço”, psicólogo Alexandre Amaral analisa caminhos para lidar com o problema

Entrevista
12 de abril de 2025
04:00

O Brasil lidera o ranking mundial de prevalência de transtornos de ansiedade, segundo dados da organização Our World in Data. Durante e após a pandemia, entre 2019 e 2023, o Ministério da Saúde (MS) registrou um aumento de mais de 200% nos casos de Transtorno de Ansiedade Generalizada no país. Provavelmente você conhece alguém com o transtorno — ou mesmo você pode ter passado por essa situação, considerada um problema de saúde global pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Entrevistado da vez do Pauta Pública, o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral avalia ser uma leitura simplista e insuficiente diante da complexa realidade brasileira quem afirma que as principais causas da questão são as telas e o consumo excessivo de internet.

Amaral também é autor do livro Toda Ansiedade Merece um Abraço (2023, Editora Paidós) onde faz uma análise das raízes sociais do problema e os possíveis caminhos para o cuidado coletivo e o acolhimento da saúde mental. Desigualdades sociais, precarização do trabalho e o impacto do caos global na vida cotidiana são os fatores centrais que alimentam a ansiedade, além do medo e da exaustão da população brasileira.

Para Amaral, discutir o tema exige ir além dos diagnósticos individuais e reconhecer a ansiedade também como um sintoma social e, acima de tudo, um problema de saúde pública. “O Brasil é o país mais ansioso do mundo porque tem uma porcentagem absurda da população que não sabe se vai ter dinheiro para comer ou trabalho nos próximos meses, são pessoas que têm medo de morrer de susto, de bala ou de vício”, avalia.

A seguir, os principais trechos da entrevista. Ouça o podcast completo abaixo.

EP 163 O que fazer com essa tal ansiedade? – Com Alexandre Coimbra Amaral

O psicólogo Alexandre Coimbra Amaral fala sobre saúde mental, desigualdade e o impacto do caos global na vida cotidiana

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Em que momento o Brasil se tornou o país com a população mais ansiosa do mundo?

Eu não lido com essa palavra, ansiedade, como um sintoma psiquiátrico. Porque lidar com a ansiedade como um sintoma psiquiátrico é patologizar e medicalizar um sintoma que para mim hoje é cultural. Nós estamos vivendo uma vida de múltiplas pressões de desempenho, uma cultura cada vez mais competitiva e comparativa das trajetórias individuais. Desde o tipo da casa, de carreira, de trajetória pessoal, de humor, se está bem humorada o tempo inteiro ou não, performa na rede social, é um mundo que pressiona e faz a pessoa chegar no final do dia com a sensação de derrota.

Agora, no Brasil, nós precisamos pensar que o país mais ansioso do mundo não tem a ver só com tela e internet. Essa é uma leitura simplista e classista. O Brasil é o país mais ansioso do mundo, porque é um país em que a gente tem uma porcentagem absurda da população brasileira que não sabe se vai ter dinheiro para comer no próximo mês, que não sabe se vai ter trabalho no próximo mês, que tem medo de morrer de susto, de bala ou de vício, como diria Caetano. Que está sujeita às condições de moradia que são insalubres, que acorda cedo e pega o ônibus ou o metrô, e está sujeita aos atrasos da ‘imobilidade’ pública. A pessoa vai ficar ansiosa porque vai chegar atrasada e levar uma bronca do patrão, e isso pode vulnerabilizar a permanência naquele trabalho fundamental para a gestão da vida, para a sobrevivência.

É uma ansiedade para além do que seja fazer terapia e tomar remédio. Por isso, é que a gente precisa fazer uma crítica à medicalização da vida, porque é disso que se trata saúde mental. Saúde mental é falar de política pública, é falar de saneamento básico, é falar de emprego, é falar de machismo, misoginia, racismo, capacitismo, todas essas formas de violência sociais que são, infelizmente, parte do cotidiano dos brasileiros. Todas essas experiências somadas vão fazendo com que a pessoa tenha gatilhos de ansiedade disparados ao longo do dia, como uma goteira que fica caindo dentro do balde. E, na hora que você chega no final do dia, o balde está cheio e ele vai derramar. Por isso que somos o país mais ansioso do mundo.

Alexandre Amaral: ansiedade tem fatores culturais que fazem a pessoa chegar no final do dia com a sensação de derrota

No teu livro Toda Ansiedade Merece um Abraço você defende o acolhimento da ansiedade. O que é exatamente esse abraço que você propõe?

Primeiro, a ansiedade é uma força emocional. Ansiedade é uma emoção. Então, a primeira coisa que a gente pode fazer para acolher a emoção é não achar que a gente consegue controlá-la, porque nenhuma emoção é controlável na sua chegada. Não é possível a chegada de uma emoção. Então, ansiedade, como é uma emoção, na hora que ela aparece, ela te flecha. O que você pode fazer depois que você sente a chegada dela é o que eu vou fazer com isso.

Como a nossa época é marcada pelo individualismo, inclusive, a grande maioria dos livros sobre ansiedade publicados no Brasil e no mundo, são livros que têm uma proposta de tratamento individualista da ansiedade: ‘faça o seu mindfulness, faça a sua aula de yoga, respirar e tomar o seu remédio e não precisa me contar os seus problemas’.

Essa situação é uma tristeza porque se nós somos um mundo de ansiosos, e se a ansiedade hoje é uma característica cultural, a primeira coisa que a gente tem que fazer é tirar a ansiedade da caverna da solidão, é a gente poder falar dela.

E se ela é uma característica tão presente na vida, ela também se apresenta de maneira diferente para cada pessoa, porque nós somos únicos. Nós temos a unicidade da nossa identidade dada, por exemplo, pelo polegar. Se nós somos oito bilhões de polegares, que a gente pode detectar na biometria, nós somos oito bilhões de manifestações de ansiedade. Então uma coisa que a gente pode fazer, uma forma de abraçar a ansiedade do outro, é perguntar assim, como você costuma ficar ansioso. Isso já é uma forma de abraçar, porque o outro não se sente uma pessoa pior por sentir a visita da ansiedade. Agora, abraçar a própria ansiedade significa conversar com ela. Às vezes a gente consegue fazer isso sozinho, às vezes a gente precisa de ajuda. Porque a ansiedade, ela traz uma mensagem que te joga para um futuro catastrófico.

Em que momento a sociedade foi convencida de que a ideia de fracasso é individual e não um sintoma de um problema coletivo?

Isso é uma espécie de ressaca da modernidade. Nós estamos vivendo, desde o final do século passado, uma espécie de frustração dos desejos coletivos que a gente tinha sonhado junto. Se formos pensar todas as coletividades que emergiram na segunda metade do século 20, o movimento hippie, o movimento feminista, todos os movimentos pacifistas, ecológicos. A sensação é que a virada do século deu para a gente, foi que “eles venceram e o sinal está fechado para nós que somos jovens”. Então, o mundo vive, desde o final do século passado, essa ressaca.

Com o bombardeio de uma cultura francamente ideológica que diz assim, “você é a única pessoa responsável pelo seu sucesso”, a postura do que importa passa ser a minha vida, a minha carreira, os meus desejos, o que transformou a sociedade em ilhas de solidão. Nós viramos uma ilha de eu, eus, que se esqueceram do poder do nós para construir sentido para a vida. É para aí que a gente tem que caminhar para adiar o fim do mundo, como diz Ailton Krenak.

O medo é o lastro de existência, de espalhamento, de viralização da extrema direita

A culpa também tem uma função política muito importante — a extrema direita faz uso disso, por exemplo. Como funcionam esses propósitos de instrumentalização política?

A emoção mais usada pela extrema direita não é a culpa, é o medo. O medo é o lastro de existência, de espalhamento, de viralização da extrema direita. Ela produz um adversário com um discurso simplista e produz junto desse adversário uma sensação de perigo, massificando uma mensagem que produz medo na população. Depois que o medo está bem espalhado, surge um messias qualquer do grupo político deles dizendo assim, “eu sou a resposta”, viril — atenção a essa palavra —, para derrotar esse medo.

A culpa tem uma função política porque ela se liga direto, sem escalas, à cultura judaico-cristã. A base da cultura cristã é a culpa. Então, ela conecta a pessoa com esse tipo de fé, alimenta esse tipo de produção coletiva e essa é a ideologia de que o nós não precisamos existir, o único nós que precisa existir é a sua ligação com Deus e com essa comunidade religiosa. E a fé, de qualquer tipo, é um componente importantíssimo da vida das pessoas.

Edição:
Jardiel Carvalho /Agência Pública

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