Buscar
Coluna

O pacote trilionário de Trump versus o sucesso eleitoral de Mamdani em Nova York

Enquanto presidente deve aumentar dívida para deportar imigrantes, candidato socialista aponta outro caminho para o país

Coluna
8 de julho de 2025
12:00

Dois fatos das últimas semanas servem para ilustrar os Estados Unidos atuais e seus muitos conflitos: de um lado, a insistência de Donald Trump em assinar o seu pacote orçamentário que vai aumentar o endividamento do país no 4 de julho, Dia da Independência do país. Do outro, a vitória inesperada de Zohran Mamdani, do Partido Democrata, nas prévias das eleições a prefeito de Nova Iorque, a cidade mais cara para se viver nos EUA.

Do lado de Trump, a assinatura numa data tão importante para os americanos é mais um esforço populista que usa da bandeira nacional para vender a ideia de um presidente patriota preocupado com o bem-estar do cidadão americano comum. O conteúdo real do projeto de lei – que deve aumentar mais de 3 trilhões de dólares à dívida pública do país – conta uma história diferente. O “Grande e Belo Projeto de Lei” de Trump, como assim ele chamou, mantém os cortes de impostos para os ricos, ao mesmo tempo em que elimina verbas para programas governamentais que sustentam os benefícios sociais daqueles que mais necessitam.

No último minuto, pouco antes da lei ser aprovada no Congresso, Elon Musk, ex-melhor amigo de Trump, juntou-se à disputa legislativa, aparentemente irritado com o fato de o projeto remover os subsídios para a compra de carros elétricos. Ele pediu aos republicanos que se opusessem à legislação, e prometeu financiar candidatos que concorressem contra aqueles que votassem a favor do projeto. Embora sua tentativa de bloquear a legislação pareça ter sido nula, isso não impediu Trump de ameaçar retirar a cidadania americana de Musk.

Vários dias depois, o homem mais rico do planeta anunciou que estava formando o Partido América para desafiar os apoiadores de Trump em futuras eleições. Embora na política americana uma alternativa de terceiro partido aos democratas e republicanos raramente ganhe muita força, ela poderia drenar alguns dos eleitores de Trump e oferecer uma vantagem aos democratas, caso Musk consegua legalizar o novo partido em estados-chave.

Por outro lado, na semana anterior à sanção do novo projeto de lei por Trump, a retumbante vitória eleitoral do socialista Zohran Mamdani, do Partido Democrata, nas prévias das eleições para prefeito de Nova Iorque, abalou o establishment político do partido e abriu caminho para uma discussão sobre estratégia eleitoral. Líderes do partido argumentaram que a agenda social-democrata radical de Mamdani poderia afastar os eleitores democratas moderados, prejudicando assim a chance de o partido conseguir o controle da Câmara.

Ao mesmo tempo, a vitória de Mamdani sugere a possibilidade de que muitos jovens que não votaram na última eleição presidencial possam se unir aos democratas nas eleições para o Congresso de 2026, caso candidatos dinâmicos e progressistas como Mamdani desafiem os republicanos. Isso seria especialmente significativo em distritos eleitorais polarizados, onde qualquer um dos partidos poderia conquistar uma cadeira no Congresso e levar as pessoas às urnas é essencial para qualquer sucesso eleitoral. Revelando o medo de Trump dessa crescente onda progressista, o presidente ameaçou retirar a cidadania de Mamdani para frustrar suas mudanças eleitorais.

Tanto democratas quanto republicanos estão agora claramente de olho nas eleições de novembro de 2026 para todos os 435 membros da Câmara dos Representantes e um terço das cadeiras do Senado dos EUA. Os democratas insistem que, assim que o público compreender todos os efeitos que a legislação orçamentária de Trump terá em suas vidas, os votos irão para o partido que votou unanimemente contra o projeto de lei. Já os republicanos afirmam que a legislação, que inclui algumas disposições populistas, como a eliminação do imposto de renda sobre gorjetas, horas extras e benefícios da previdência social para alguns, ao mesmo tempo em que aumenta os recursos para o Departamento de Imigração e Alfândega (ICE) para deportar trabalhadores indocumentados, agradará sua base de apoio, bem como os eleitores independentes que não se alinham a nenhum dos partidos.

De fato, com uma maioria estreita tanto na Câmara quanto no Senado, e uma divisão conservadora de 6 a 3 na Suprema Corte, a única linha de defesa real contra Trump parece estar a dezessete meses de distância, quando os democratas esperam reconquistar a Câmara dos Representantes. Se o fizerem, terão o poder de bloquear as propostas legislativas de Trump e realizar audiências investigativas sobre as maneiras como ele se enriqueceu como presidente, entre muitas atividades ilegais e inconstitucionais que cometeu desde que retornou ao cargo.

No entanto, a aprovação do projeto no Congresso não foi fácil. Após dias de intensas negociações entre republicanos para manter o apoio majoritário, ele foi aprovado por uma margem pequena no Senado, com o vice-presidente J. D. Vance tendo que desempatar a votação, já que três senadores haviam rompido com seu partido para votar contra o projeto. A lei foi aprovada pela Câmara por uma votação igualmente apertada, de 218 a 214. Essa vitória por uma margem mínima não impediu o presidente de afirmar que a legislação era “o projeto de lei mais popular já sancionado na história do nosso país”.

Mas pesquisas recentes contam uma história diferente. Um estudo da Fox News realizado em meados de junho revelou que 59% dos eleitores registrados se opunham ao projeto, 38% o apoiavam e 3% não tinham opinião formada sobre o assunto. Uma pesquisa da Universidade Quinnipiac realizada no final de junho registrou 55% dos eleitores se opondo à legislação, 29% a apoiavam e 16% indecisos.

A realidade é que maioria dos cidadãos comuns tem apenas um conhecimento vago do conteúdo do pacote orçamentário de 850 páginas. Os republicanos agora tentam convencer o público de que a legislação os beneficia, enquanto os democratas argumentam que se trata da transferência de riqueza mais radical dos pobres para os ricos nos últimos cinquenta anos.

No futuro imediato, Trump corre um enorme risco político por ter aprovado o projeto de lei orçamentária, que o Escritório de Orçamento do Congresso, independente e apartidário, estima que aumentará a dívida nacional em 3,4 trilhões de dólares nos próximos dez anos. Alguns republicanos temem que isso possa lhes custar o controle da Câmara.

É preciso relembrar: durante a campanha eleitoral, Trump anunciou seu plano de continuar com os cortes de impostos para os muito ricos, que estavam programados para terminar este ano, e aumentar os gastos com Defesa, produção de energia e segurança de fronteiras. No entanto, ele prometeu não tocar no Medicaid, um programa de seguro saúde para deficientes, idosos e pessoas de baixa renda.

Mais uma vez, Trump mentiu para o público.

Estima-se que 11,4 milhões de crianças e adultos podem perder parte ou todos os seus benefícios em saúde, segundo dados do Centro para Orçamento e Prioridades de Políticas Públicas, já que o projeto de lei transfere a responsabilidade de garantir o a cobertura para os estados. É importante entender que, embora o governo federal possa acumular um déficit — atualmente de 31 trilhões de dólares e em crescimento —, os estados precisam equilibrar seus orçamentos. Isso forçará governadores e legisladores estaduais a alocar verbas suplementares para esses programas, se quiserem sobreviver.

Como resultado, muitos estados serão forçados a cortar benefícios ou eliminar outros serviços governamentais para subsidiar esse seguro médico. Hospitais rurais perderão 21% de seus fundos do Medicaid, o que significa que centenas poderão ser fechados, afetando em grande parte os eleitores que votaram esmagadoramente em Trump no passado. Da mesma forma, outros cortes no Medicaid, que subsidia o custo de muitos idosos em asilos, terão um efeito negativo sobre milhões de idosos de baixa renda de ambos os lados políticos.

A legislação também aumenta o orçamento de defesa em 150 bilhões de dólares e fornece financiamento para as Forças Armadas desenvolverem um programa de defesa antimísseis “Golden Dome“, que, segundo os críticos, será extremamente caro e provavelmente inoperante. Os fundos para o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) saltarão de 8 bilhões de dólares anuais para 170 bilhões de dólares. Desse montante, 46,5 bilhões de dólares serão destinados à construção do muro na fronteira e 75 bilhões de dólares serão dedicados à contratação de mais pessoal e à duplicação da capacidade de detenção de migrantes, tornando o ICE a maior agência federal de segurança pública.

Esses fundos para o ICE visam garantir a implementação da promessa de campanha de Trump de deportação em massa de trabalhadores indocumentados, o que terá um grande impacto na economia dos EUA. De acordo com o instituto de estudos sem fins lucrativos Institute on Taxation and Economic Policy, trabalhadores indocumentados pagam quase 100 bilhões de dólares em impostos federais, estaduais e locais, um terço dos quais são deduzidos de seus salários para financiar programas governamentais aos quais não têm direito.

O aumento da detenção e deportação de imigrantes em fábricas, campos e ruas também eliminará uma fonte significativa de mão de obra barata, difícil de substituir, pois os cidadãos americanos não estão dispostos a aceitar esses empregos de baixa remuneração, geralmente sem muita proteção ou benefícios trabalhistas. A perda de força de trabalho provavelmente incentivará a inflação, tendo em mente que o alto custo de vida foi um dos principais motivos pelos quais milhões de “eleitores indecisos” votaram em Trump na última eleição.

Políticos de ambos os partidos estão agora moldando a narrativa em torno do projeto de lei para se adequar às suas aspirações eleitorais. Os democratas esperam que os cortes de impostos para os ricos e a redução dos benefícios de programas governamentais ampliem seu apoio entre eleitores desiludidos, indecisos e de baixa propensão, incentivando-os a comparecer às eleições para o Congresso em 2026. Os republicanos insistem que os cortes em muitos programas visam apenas eliminar desperdícios e fraudes. No entanto, à medida que as pessoas percebem os efeitos diretos do projeto de lei em suas vidas, os democratas esperam ter uma vantagem nos resultados eleitorais.

A chave para uma vitória democrata na Câmara dos Representantes em 2026 é a participação eleitoral, já que o voto nos Estados Unidos não é obrigatório. Este foi um dos motivos pelos quais a ala mais progressista do partido elogiou a vitória eleitoral de Zohran Mamdani no Partido Democrata, com 43,5% dos votos no primeiro turno das eleições contra um oponente proeminente, porém falho. O ex-governador Andrew Cuomo, que renunciou ao cargo em 2021 após onze mulheres o acusarem de assédio sexual, conduziu uma campanha fraca, apoiado com enormes doações de democratas moderados. Ele recebeu 36,5% dos votos no primeiro turno. No último turno do sistema de votação por ordem de preferência implementado em Nova York, Mamdani derrotou Cuomo por 56% a 44%.

Mamdani é membro dos Socialistas Democratas da América, juntamente com o senador Bernie Sanders. Ele conduziu uma campanha dinâmica, mobilizando 50 mil voluntários que foram de porta em porta, de bairro em bairro, alcançando eleitores em todos os cantos da cidade. Mamdani também fez uso criativo das mídias sociais em uma campanha que abordou as dificuldades econômicas de muitos nova-iorquinos, que vivem na cidade mais cara do país. As promessas de campanha se concentraram em creches universais, passagens de ônibus gratuitas e congelamento dos aumentos de aluguel.

Democratas moderados argumentam que seu programa é muito radical e irrealista. Eles também temem que suas críticas à guerra de Israel em Gaza alienem a grande população judaica da cidade, que tradicionalmente vota em maioria em candidatos democratas. Seus apoiadores apontam para o fato de que ele mobilizou eleitores jovens e homens, dois grupos que ficaram em casa ou votaram em Trump em grande número nas eleições presidenciais de 2024. Alguns comentaristas temem que o fato de ele ser um muçulmano de ascendência indiana, cuja família morou em Uganda antes de se mudar para os Estados Unidos, também possa prejudicar suas chances eleitorais.

Trump não perdeu tempo em atacar Mamdani, chamando-o de comunista radical e ameaçando deportá-lo, em mais um abuso ilegal de seu poder presidencial. Democratas progressistas apontam sua vitória impressionante e seu estilo de campanha jovial como um modelo em outras disputas eleitorais para reconquistar muitos eleitores da classe trabalhadora que se afastaram do Partido Democrata nos últimos anos. Resta saber se candidatos semelhantes surgirão em todo o país em 2026 e terão resultados eleitorais semelhantes.

E, em 4 de julho, enquanto a maioria dos americanos celebrava a declaração de independência da Grã-Bretanha há 249 anos com piqueniques, churrascos e fogos de artifício, protestos contra o “Rei Trump” ocorreram em mais de 300 eventos distintos em todos os cinquenta estados, indicando que a oposição ao governo de Trump não diminuiu.

Reprodução/ZohranKMamdani

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 175 A quase morte da democracia brasileira – com Eugênio Bucci

Jornalista analisa movimentos anti-democráticos em livro que retoma trajetória golpista do governo Bolsonaro

0:00

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes