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Reportagem

Meu amigo Jobim

Reportagem publicada em 30 de novembro de 2010 mostrava proximidade de Nelson Jobim com embaixadores americanos, que o viam como forte aliado

Reportagem
5 de agosto de 2011
18:00
Este artigo tem mais de 13 ano

O ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, que acaba ser substituído pelo ex-chanceler Celso Amorim por decisão da presidente Dilma Rousseff, é velho conhecido da representação dos EUA em Brasília.

Segundo documentos publicados em 30 de novembro de 2010 pelo WikiLeaks, Jobim era um interlocutor frequente dos diplomatas americanos desde que tomou posse em 2007.

O ministro mantinha uma relação próxima com o antigo embaixador americano Clifford Sobel, que deixou o cargo no começo deste ano – a ponto de confidenciar sua irritação com o Ministério de Relações exteriores, em especial com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

Jobim também teria contado que o presidente boliviano Evo Morales estaria sofrendo de um tumor. Sobel o considerava um ministro “atipicamente ativista” em prol da proximidade militar com os EUA.

A briga pelo acordo de defesa

Em abril do ano passado, o Brasil assinou um acordo de cooperação militar com os EUA que facilita a compra e venda de armamentos, a cooperação no desenvolvimento de tecnologia e a realização de exercícios militares conjuntos.

Os arquivos diplomáticos mostram a guerra silenciosa travada dentro do governo a respeito do acordo. De um lado, o Itamaraty; do outro, Jobim.

Em 17 de janeiro de 2008, durante um café-da-manhã com o embaixador Sobel, ele desabafou sobre suas desavenças com Samuel Pinheiro Guimarães.

Segundo o telegrama confidencial, Jobim disse que Guimarães causava “sérios problemas” não só para o acordo militar, mas nas relações entre os dois países.

“Ele odeia os Estados Unidos”, teria dito. Para ele, Guimarães estaria colocando entraves diplomáticos para evitar a visita de Jobim aos EUA, em março.

Jobim disse que preferia perder a batalha para ganhar a guerra, economizando capital político em vez de brigar na ocasião pelo acordo militar.

O embaixador conclui: “O presidente Lula deve ter um papel decisivo entre um ministro de Defesa atipicamente ativista, interessado em desenvolver relações mais próximas com os Estados Unidos, e um MRE firmemente comprometido em manter controle sobre todos os aspectos da política externa e manter a distância entre o Brasil e os EUA”.

Ministro forte

Sobel via Jobim com bons olhos, como mostra a análise preparatória enviada pela embaixada antes da visita de março de 2008.

Nele, diz que Jobim é “primeiro ministro da defesa forte no Brasil”, embora ainda penasse para lidar com as três forças, bastante autônomas. Além disso, durante a administração Lula, o foco em programas sociais teria “levado a uma redução do orçamento da defesa, gerando menos oportunidades de treinamento e compras de equipamento”.

A coisa estaria mudando com a busca do país pela liderança internacional, e aí entra a figura de Jobim como um ministro que busca fortemente acordos de cooperação militar.

Na época o Brasil tinha acabado de assinar um acordo militar bilateral com a França, com bastante empenho do ministro.

Em um contexto pós-mensalão, diz o documento, Jobim seria um dos “líderes mais confiáveis do Brasil”, com uma “reputação e integridade raras entre as lideranças brasileiras”.

O embaixador encerra o relatório ditando palavra por palavra o que o secretário de Defesa deveria dizer a Jobim: “Como você toma decisões importantes sobre a modernização do Brasil, tenha em mente que a parceria com os EUA pode ajudar os dois países a perceber nosso objetivo comum de preservar a estabilidade no hemisfério oeste”.

Jobim esteve na capital americana entre os dias 18 e 21 de março de 2008. A visita foi conturbada aos olhos do diplomata americano. Em especial, Sobel reclama da interferência do Itamaraty, que teria feito uma verdadeira campanha de boicote à viagem.

Sobel descreve em outro documento como o MRE – então comandado por Celso Amorim, atual ministro da Defesa – teria trabalhado para encurtar e esvaziar a visita.

“Enquanto Jobim dizia ao embaixador que queria uma programação completa, incluindo uma visita a Norfolk (onde há uma base aeronaval) e encontros com representantes da indústria de defesa americana, a embaixada em Washington dizia que a viagem teria que ser encurtada”, relala.

Ele avalia que “a atual administração de centro-esquerda tem evitado cuidadosamente uma cooperação próxima em assuntos policiais e militares importantes para nós e tem se mantido à distância na maioria dos assuntos relacionados à segurança”.

E menciona acordos de compartilhamento de informação e o polêmico Artigo 98, que “blinda” cidadãos americanos da possibilidade de extradição a pedido da Corte Penal Internacional.

“A dificuldade é mais aparente no MRE, que tem uma inclinação antiamericana e impede a melhora nas relações entre o Departamento de Defesa e o Ministério de Defesa brasileiro”.

Sobel vai mais longe ao comentar que a liderança do Brasil à frente da missão de paz da ONU no Haiti – apesar do pouco apoio nacional – se deve à “obsessão” do ministro de relações exteriores Celso Amorim em obter um assento no conselho se segurança da ONU.

Os EUA nunca expressaram apoio formal ao pleito brasileiro.

América do Sul

Em Washington, Jobim reforçou a intenção de uma parceria e da necessidade de modernizar as forças armadas, mas levando em conta primeiro o benefício da indústria nacional. Mas recusou a compra de caças F-35 Joint Strike Fighter, considerados caros demais. E criticou o governo americano por não permitir que o Brasil vendesse aviões de treinamento Super Tucanos à Venezuela.

Os caças, de fabricação brasileira, contêm partes americanas, e por isso desde 2006 o governo dos EUA proíbe a venda ao país vizinho. Segundo o telegrama, Jobim reclamou, dizendo que a recusa levou o presidente venezuelano a comprar caças russos.

O destaque ficou para a apresentação do projeto do Conselho de Defesa Sulamericano, uma aliança militar que inclui Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Suriname, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Jobim teria dito que o Conselho é a melhor maneira de manter Hugo Chavez na linha, segundo outro telegrama.

Já Sobel achava a ideia de refrear Chávez através do Conselho “impraticável”, mas “ela segue a política tradicional brasileira de tentar ser amigo de todos”.

Vizinhos

Um tema que causou fricção entre o ministro brasileiro e os americanos foi o acordo militar com a Colômba. Segundo o relato de um encontro com a atual Ministra Conselheira da embaixada Lisa Kubiske em 9 de novembro de 2009, Jobim mal esconde sua irritação.

Em especial, ele reclama do vazamento de um memorando da Força Aérea americana na internet, citando “países não-amigáveis” na região como um dos motivos para o acordo militar.

“Isso mostra completa falta de entendimento sobre a América Latina”, esbravejou Jobim, que teria interferido junto a Lula para pedir “moderação” na resposta ao memorando. O ministro explicou que tanto o ex-presidente colombiano Uribe quanto Hugo Chávez usavam retórica beligerante para desviar as atenções de problemas domésticos.

Na conversa, ele teria defendido a atitude neutra do Brasil, adiantando que o governo ofereceria vigilância aérea para apaziguar as tensões na fronteira entre os dois países. Mas deixou no ar um dos pontos mais polêmicos.

Perguntado se acreditava que as Farc mantinham presença na Venezuela, respondeu que, se reconhecesse a presença, “isso arruinaria a habilidade do Brasil como mediador”.

Morales e seu “tumor”

Outro documento, de 22 de janeiro de 2009, traz um relato inusitado sobre outro país vizinho. Jobim teria ido até Sobel para relatar em primeira mão que o presidente boliviano Evo Morales estaria sofrendo de um tumor no nariz, o que teria sido revelado em uma reunião com Lula em La Paz. Lula teria oferecido tratamento em São Paulo.

Jobim disse que Morales estaria “desconcentrado” e “não estaria sendo ele memso”, por conta da doença. A história nunca saiu na imprensa. Morales fez uma cirurgia na época, supostamente por uma sinusite aguda.

Os documentos da embaixada de Brasília fazem parte de um conjunto de 3000 telegramas da representação americana no Brasil que terminaram de ser publicados pelo WikiLeaks no dia 11 de julho.

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