Em 14 de março deste ano, o Brasil foi notificado da sentença de dois casos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH). Em um deles, do início dos anos 2000, um trabalhador rural sem terra foi assassinado e uma centena foi agredida enquanto se dirigia a uma marcha pela reforma agrária em Curitiba (PR). No outro, na mesma época, 12 homens que seriam membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) receberam informações falsas de infiltrados e acabaram assassinados sumariamente em um pedágio em Itu (SP), em uma emboscada. Em comum nos dois casos, estão os atores responsáveis pelas principais violações de direitos humanos no país julgadas pelo tribunal internacional: membros da Polícia Militar (PM).
As duas sentenças, além de uma série de medidas de reparação, também tentam evitar a repetição dos casos, determinando mudanças estruturais na PM e na forma com que o Judiciário tem conduzido investigações sobre crimes cometidos por agentes de segurança. Contudo, o histórico do Brasil, nesses casos envolvendo forças policiais e militares, é de descumprimento ou baixo cumprimento das determinações da Corte, segundo levantamento da Agência Pública e especialistas ouvidos pela reportagem.
A Corte Interamericana é um dos órgãos do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA). Entre os mecanismos do sistema está a análise de violações de direitos humanos cometidas por Estados membros da OEA. Em geral, os casos surgem de denúncias feitas por pessoas ou entidades não governamentais, que buscam os órgãos internacionais quando não obtêm justiça dentro do país.
Cumprir as decisões da Corte IDH é uma obrigação dos Estados que reconheceram sua competência, como é o caso do Brasil. O descumprimento não gera consequências diretas como em um tribunal nacional (que pode acionar forças policiais para cumprir um mandado de prisão, por exemplo), mas gera constrangimentos e pode manchar a imagem do país perante a comunidade internacional.
“O Brasil não tem atuado da melhor forma para cumprir essas medidas”, aponta Eduardo Baker, da Justiça Global, organização não governamental que representou vítimas em casos julgados pela Corte. “Por vezes, por falta de vontade política, por vezes, por desorganização interna, por vezes, por discordância quanto ao mérito da medida. [Também] pela dificuldade de operar esse tipo de medida estrutural no contexto de um país com diferentes esferas de governo razoavelmente independentes”, explica o coordenador do programa de Justiça Internacional da ONG.
Por que isso importa?
- Como o Brasil reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado é obrigado a cumprir suas determinações. Contudo, isso não tem ocorrido ou é feito de forma parcial
- O Brasil já foi julgado pelo organismo 14 vezes, sendo condenado em 13 ocasiões. Seis dos casos julgados envolviam policiais ou militares
Para Helena de Souza Rocha, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil, na sigla em inglês), “há uma grande dificuldade com o cumprimento das medidas relacionadas a mudanças estruturais no sistema de segurança pública”. “Em parte em razão do pacto federativo e um descaso dos estados em relação às obrigações internacionais, que são vistas como responsabilidade da União. Mas também porque as estruturas que mantêm nosso modelo de segurança pública estão vinculadas a uma visão de segurança repressora e autoritária que não se coaduna com padrões internacionais”, aponta a codiretora do Programa para o Brasil e Cone Sul do Cejil, outra organização a representar vítimas em casos no tribunal internacional.
Corte ordenou que crimes de militares sejam julgados na Justiça comum
Os dois casos mais recentes que a Corte IDH julgou contra o Brasil têm contextos bastante diferentes, ainda que tenham como pano de fundo a violência policial.
O caso Tavares Pereira está relacionado à violência agrária no Paraná no início dos anos 2000, quando o estado era governado por Jaime Lerner (DEM). Na época, os ataques a camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) eram frequentes, ora perpetrados por fazendeiros ligados à União Democrática Ruralista (UDR), ora por forças estatais, como no caso em questão.
Em maio de 2000, quando se dirigiam para uma marcha pela reforma agrária em Curitiba, os ônibus onde estavam centenas de trabalhadores rurais sem terra foram parados por tropas da PM. Os policiais mandaram os manifestantes fazerem o caminho de volta, alegando que eles não poderiam entrar em Curitiba. Parte dos sem terra desceu dos ônibus e o comandante da PM ordenou que a estrada fosse desobstruída. A repressão, feita à base de balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, cães, cassetetes e armas de fogo, resultou em mais de 60 trabalhadores feridos e um assassinado. Tratava-se de Antônio Tavares Pereira, que foi atingido no abdômen por uma bala que ricocheteou no asfalto. Ele morreu de hemorragia aguda em um hospital local. Ao todo, a Corte considerou 197 pessoas, além de Tavares Pereira, como vítimas da ação da PM.
Já o caso Honorato (ou “Castelinho”) ocorreu na mesma época, mas em São Paulo, em um contexto de ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC). Entre as medidas para combater o grupo criminoso, as autoridades paulistas criaram o Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (Gradi), com agentes das polícias Civil e Militar. A despeito do título que nada parece ter a ver com o combate ao crime organizado, o Gradi era o “nome de fachada para o funcionamento de uma rede clandestina de inteligência que atuou entre julho de 2001 e abril de 2002”, segundo descreveu o pesquisador Bruno Paes Manso à Corte.
Nesse mesmo período, três pessoas condenadas foram autorizadas a sair da prisão para se infiltrar na organização criminosa – uma das táticas utilizadas pelas forças de segurança na época. Em troca do risco a que estavam se submetendo, receberiam benefícios penais e liberdade antecipada. Esses infiltrados transmitiram, para um grupo de 12 pessoas que seriam do PCC, a falsa informação de que um avião com R$ 28 milhões pousaria em Sorocaba no início de março. Os infiltrados prestaram auxílio e orientaram o planejamento do roubo do montante, inclusive com o fornecimento de armas e munição (parte delas de festim). Era uma emboscada.
Em 5 de março de 2002, quando se deslocavam de Itaquaquecetuba em direção a Sorocaba, o grupo foi parado em um pedágio na região de Itu por mais de 50 policiais militares, incluindo 16 do Gradi e 27 das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), batalhão de choque da PM paulista. Todos foram mortos sumariamente, no que ficou conhecido como “Operação Castelinho”.
Em ambos os episódios, os policiais envolvidos saíram completamente impunes, com ações judiciais arquivadas. A falta de justiça no Brasil fez com que os casos chegassem à Corte IDH, que condenou o Estado pelas violações de direitos humanos. No caso da repressão ao MST no Paraná, o próprio MST, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Justiça Global e o Terra de Direitos levaram o caso para a Comissão Interamericana (CIDH), que o direcionou para a Corte. Na Corte, os representantes das vítimas foram a Justiça Global, o MST e o Terra de Direitos. Já nas execuções em São Paulo, quem levou o caso para a Comissão Interamericana, que depois chegou à Corte, foi a Federação Interamericana de Direitos Humanos. Depois que a organização deixou de atuar, quem assumiu o caso foi a Defensoria Pública de São Paulo.
Fora as tradicionais medidas de reparação e indenização para os familiares das vítimas, em novembro de 2023, o tribunal internacional proferiu sentenças com determinações relacionadas à PM e ao Judiciário brasileiro. Elas foram comunicadas ao Brasil agora em março.
No caso Tavares Pereira, o tribunal internacional determinou que sejam incluídos na grade permanente de formação das forças de segurança pública do Paraná conteúdo sobre o dever de respeitar e proteger a população civil e uma capacitação em relação ao uso da força durante manifestações. Além disso, a Corte IDH ordenou que o Brasil adeque seu ordenamento jurídico, no prazo de um ano, para que a Justiça Militar deixe de julgar crimes cometidos por militares contra civis e para que não seja a própria PM a responsável por investigar delitos cometidos por seus agentes.
Já no caso Castelinho, o órgão determinou que haja implementação de dispositivos de geolocalização nos agentes e nos veículos da corporação em São Paulo e que seja garantido que os registros das operações policiais que resultem em morte ou lesões graves sejam enviados aos órgãos de controle interno e externo da polícia estadual. A Corte reiterou a determinação, formulada em julgamentos anteriores, de que as investigações sobre delitos cometidos pela PM contra civis sejam conduzidas por órgãos independentes e que policiais envolvidos em casos de morte sejam imediatamente afastados das funções ostensivas. Os prazos para cumprimento das medidas variam de um a dois anos.
A Corte ordenou ainda que o Brasil crie, em três meses, um Grupo de Trabalho (GT) para investigar a atuação do Gradi em São Paulo, inclusive em relação à “Operação Castelinho”. Ao final do prazo de dois anos de funcionamento, o GT deverá propor recomendações para prevenir a repetição de casos como esse em São Paulo.
Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública do Paraná disse que o governo do estado “já cumpre as recomendações propostas pela Corte no que se refere ao atendimento a grandes eventos e também à proteção do monumento Tavares Pereira. A Secretaria de Estado da Segurança Pública aprimorou, nessas últimas duas décadas, o treinamento das forças policiais e atualmente o currículo de formação da corporação conta com capacitação para atuação em manifestações públicas”. Em relação ao Paraná, a secretaria diz que são só dois pontos e que “as questões já são cumpridas. Tudo já está sendo cumprido antes mesmo da condenação”.
A Pública questionou também o governo do estado de São Paulo se as recomendações sobre o caso Honorato estão sendo cumpridas, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Quase metade das condenações do Brasil se relaciona com forças de segurança
Contando com as duas sentenças publicadas pela Corte Interamericana no mês passado, o Brasil já foi julgado pelo organismo 14 vezes, sendo condenado em 13 ocasiões.
A Corte IDH é o principal tribunal internacional especializado em direitos humanos ao qual o Brasil está submetido. “No caso de uma condenação, podemos afirmar que o mais alto órgão judiciário em matéria de direitos humanos que pode julgar casos sobre o Brasil se pronunciou de maneira definitiva sobre aqueles fatos e seu contexto”, explica Baker, da Justiça Global.
Até o momento, seis dos casos brasileiros julgados pelo tribunal envolviam policiais ou militares. Além de casos relacionados à violência agrária, aos crimes da ditadura e à violência policial, o tribunal internacional já condenou o Brasil por violações relacionadas ao tratamento psiquiátrico, ao trabalho escravo, aos direitos territoriais indígenas e à violência contra a mulher, entre outros. Em comum, todos eles envolveram a negação do direito à justiça.
Atualmente, o Brasil é o segundo país com mais casos em análise pela Corte IDH, com nove julgamentos em andamento, atrás apenas da Venezuela, que tem 12. Entre as denúncias em apreciação está o caso dos quilombolas de Alcântara (MA), que há décadas são vítimas de violações de direitos humanos relacionadas à instalação de uma base espacial em seu território, conforme relatado pela Pública. Dos nove casos brasileiros atualmente em análise pela Corte IDH, três deles envolvem violações cometidas por policiais ou membros das Forças Armadas.
Para ser analisado pelo tribunal, um caso deve ter sido apresentado perante a CIDH, outro órgão do Sistema Interamericano, que fará análise de admissibilidade – se a denúncia atende os requisitos básicos para ser analisada – e de mérito, remetendo o caso à Corte caso não tenha sido alcançada solução consensual.
Em suas sentenças, o organismo costuma determinar medidas relacionadas à investigação dos fatos que geraram as violações de direitos humanos, à reparação dos danos causados e à não repetição das violações. No caso da reparação, as medidas podem incluir indenizações, oferecimento de tratamento médico e psicológico e atos de reconhecimento público. No caso das medidas de não repetição, a Corte costuma determinar mudanças mais estruturais, como a capacitação de agentes de segurança em relação aos direitos humanos e a transferência das investigações sobre crimes cometidos por policiais militares para órgãos independentes.
Para Helena Rocha, do Cejil, uma condenação na Corte tem dois significados: “O primeiro a título individual, ao dar uma resposta às vítimas de violações de direitos, que muitas vezes não encontram justiça em seu próprio país. O segundo a título coletivo, pois tira a violação da invisibilidade, constrangendo o Estado perante a comunidade internacional e, muitas vezes, ordenando medidas estruturais que têm a finalidade de prevenir novas violações, alcançando assim toda a sociedade”.
Em duas das sentenças mais recentes – uma delas, a do caso Castelinho –, o tribunal internacional trouxe uma inovação: determinou que o Brasil crie mecanismo que permita a reabertura de investigações e processos judiciais em casos que a Corte considerar o Estado responsável por alguma violação de direitos humanos, mesmo que tenha ocorrido a prescrição.
Para Baker, a determinação pode provocar “uma revolução no cumprimento das obrigações internacionais do Brasil”, ainda que o histórico brasileiro não traga esperanças de que isso seja implementado no curto prazo. “Como muitos casos que chegam à Corte envolvem as forças de segurança, direta ou indiretamente, a criação desse mecanismo pode abrir um novo capítulo na história da responsabilização dos agentes de Estado contra os grupos sociais rotineiramente alvo da atuação violenta do Estado”, aponta o advogado.
Condenação por chacinas em favela do RJ teve poucos avanços
As medidas determinadas pela Corte IDH nos dois julgamentos mais recentes têm pontos em comum com as ordenadas no caso favela Nova Brasília, de 2017.
Na ocasião, o tribunal internacional analisou violações de direitos humanos relacionadas a duas chacinas cometidas pela polícia do Rio de Janeiro na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Em outubro de 1994, a polícia assassinou 13 homens moradores do local, sendo quatro menores de idade. Três mulheres, duas delas menores, sofreram violência sexual dos policiais. Em maio de 1995, uma nova operação policial no local matou 13 homens, sendo dois menores de idade.
Os assassinatos foram registrados como “autos de resistência com morte dos opositores” e as investigações iniciais, tocadas pela própria polícia, não responsabilizaram os militares pelos crimes.
Na sentença, a Corte responsabilizou o Estado brasileiro por parcialidade nas investigações do caso, pela violação do direito à proteção judicial dos familiares das vítimas e pela violação do direito à integridade pessoal.
Um dos pontos da decisão que diz respeito à atuação da polícia é a publicação anual de relatório oficial com dados relativos às mortes ocorridas durante operações da polícia em todos os estados do país. Além disso, a Corte determinou que o Rio de Janeiro estabeleça metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial e implemente um programa ou curso permanente e obrigatório sobre atendimento a mulheres vítimas de estupro destinados aos policiais do estado.
Segundo Eduardo Baker, da Justiça Global, até agora o Estado só pagou indenização aos familiares e publicou a sentença do caso. “Toda a parte sobre as forças de segurança não está nem com cumprimento parcial, está sem cumprimento algum mesmo, segundo a própria Corte no último documento sobre implementação do caso disponível”, diz.
Baker aponta que a principal medida no caso da favela Nova Brasília é garantir que a investigação de assassinatos, tortura e violência sexual cometidas no contexto da atuação policial fosse feita por um órgão independente. “A medida foi reiterada pela Corte na sentença do Antônio Tavares, basicamente repetindo a mesma ordem. Isso ainda não aconteceu e não parece que o governo esteja efetivamente mobilizado para isso. O fato disso depender dos governos estaduais não facilita, mas não é justificativa para o não cumprimento. Em suma, avalio mal o cumprimento das medidas relativas às forças de segurança impostas pela Corte Interamericana ao Brasil”, completa.
Os dados sobre a letalidade policial no Rio de Janeiro citados na sentença da Corte Interamericana são de 2015, quando 645 pessoas foram mortas por ação de agentes do Estado. Ao invés de reduzir, a letalidade aumentou no estado: segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Governo do Rio, em 2023 ocorreram 869 mortes por intervenção de agente do Estado, sendo 53 só no mês de dezembro.
A reportagem procurou o governo do estado do Rio de Janeiro para saber o que foi feito para cumprir a sentença do caso da favela Nova Brasília, mas não teve resposta até a publicação.
Cumprimento de decisões relacionadas à ditadura teve retrocessos
Em duas ocasiões, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana por violações ligadas a crimes cometidos por agentes de segurança da ditadura civil-militar (que completou 60 anos na semana passada e foi tema de especial da Pública). Em ambos os casos, o cumprimento das determinações relacionadas à não repetição dos crimes foi frágil ou não ocorreu.
No primeiro caso, o tribunal condenou o país por violações de direitos humanos ligadas ao desaparecimento forçado, tortura e execução extrajudicial de militantes políticos da Guerrilha do Araguaia, grupo que lutava contra o regime militar na região do rio Araguaia, no centro-norte do país. Mesmo com o fim da ditadura, os responsáveis pelos crimes nunca foram a julgamento e mesmo a busca pelos restos mortais das vítimas caminhou a passos lentos. Apontado como comandante das ações no Araguaia, o major Curió faleceu em 2022 sem ter sido punido.
No segundo, a Corte IDH considerou o Brasil culpado pela negação de justiça à qual foram submetidos os familiares do jornalista Vladimir Herzog. Em outubro de 1975, Vlado foi detido, torturado e assassinado pelo regime militar, que forjou um suicídio e o legitimou com uma perícia técnica fraudulenta. Mesmo com a comoção nacional pelo assassinato, a ditadura manteve a versão falsa e ninguém foi efetivamente responsabilizado pelo crime.
Os principais entraves para a punição dos responsáveis em ambos os casos são a Lei de Anistia e a prescrição dos crimes, ocorridos décadas atrás.
Em ambas as sentenças, a Corte Interamericana determinou que os dispositivos da Lei de Anistia são incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e não têm efeito jurídico. Além disso, estabeleceu que crimes contra a humanidade, como tortura, execução e desaparecimento forçado como parte de uma política estatal são imprescritíveis. A despeito disso, o Judiciário brasileiro continua se embasando na Lei de Anistia e na prescrição para travar ações contra militares e civis envolvidos nos dois casos. Os questionamentos à lei no Supremo Tribunal Federal (STF) estão paralisados há anos e não houve avanços em relação à imprescritibilidade.
No caso Araguaia, o tribunal determinou também que o Brasil implementasse um programa permanente sobre direitos humanos nas Forças Armadas, realizasse “iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação” e fizesse “esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas”.
Segundo representantes das vítimas, nenhuma das determinações foi adequadamente cumprida pelo Estado e, nos últimos anos, houve retrocessos. No final de 2022, por exemplo, o governo Bolsonaro extinguiu a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e o governo Lula continua se recusando a restabelecê-la. No ano passado, o atual governo extinguiu o Grupo de Trabalho Araguaia, que buscava os corpos dos guerrilheiros e já fora esvaziado no governo Bolsonaro.
Outro lado
A Pública questionou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e Ministério de Relações Exteriores (MRE) sobre o que tem sido feito para cumprir as sentenças da Corte, principalmente no que diz respeito às forças de segurança e ao Judiciário.
O MRE apontou que a responsabilidade pela articulação do cumprimento das sentenças é do MDHC e sugeriu consulta ao Painel de Monitoramento das Decisões da Corte IDH em relação ao Brasil, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Já o MDHC apontou que “não existe um órgão com competência universal para implementar todas as políticas públicas sobre todos os temas”, destacando que o Brasil tem um sistema federativo e reparte as competências “entre órgãos nas três esferas”. Ressaltou que “muitas das decisões da Corte Interamericana demandam mudanças estruturais de responsabilidade dos Estados da Federação e/ou mudanças legislativas ou novos entendimentos legais que dependem do Legislativo e/ou do Judiciário”.
Sobre as medidas relacionadas ao Judiciário, o MDHC indicou o conteúdo disponível no site do CNJ, tanto sobre os casos Herzog e Araguaia quanto sobre o caso favela Nova Brasília.
Sobre os casos Castelinho e Tavares Pereira, o MDHC afirmou ter tomado as medidas para divulgação do conteúdo da sentença – uma das obrigações determinadas pela Corte – assim que recebeu a decisão do tribunal e que já está em contato com os representantes das vítimas para pagar as indenizações. “Em relação aos pontos estruturais que demandam políticas públicas e providências de atribuições de outros órgãos, a Advocacia-Geral da União (AGU) está elaborando, como de costume, parecer com força executória com orientações sobre o cumprimento da sentença e na sequência, para encaminhamento e articulação com os órgãos competentes”, completou a pasta.