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O Pantanal está mudando. A maior planície alagada do mundo sofre, de novo, com uma forte seca, e as queimadas já se espalham por todo o bioma, do Mato Grosso do Sul ao Mato Grosso. Neste ano, até esta quarta-feira (12), foram registrados 1.632 focos, contra 167 registrados ao longo de todo o primeiro semestre do ano passado – um aumento de 877%.
É um quadro que vem se agravando desde o fim do ano passado, como resultado de uma conjunção de fatores como El Niño, aquecimento global e desmatamento. O período que era para ser úmido teve chuvas abaixo da média. Novembro de 2023 já havia batido o recorde de fogo para o mês e, desde então, todos os meses tiveram mais queimadas do que os respectivos meses no ano anterior.
Considerando o primeiro semestre, ele já é o segundo pior do registro histórico do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), iniciado em 1998. Só perde para 2020, ano que bateu recorde de fogo e ficou marcado pelas tristes histórias de onças resgatadas com as patas queimadas e pelas imagens de animais carbonizados.
A seca já é histórica em algumas regiões. O nível do rio Paraguai em Ladário já está cerca de 2 metros abaixo da média histórica para a época, de acordo com o Serviço Geológico do Brasil. A Agência Nacional de Águas (ANA) alertou no mês passado que a bacia do Paraguai está em “situação crítica de escassez”.
Uma nota elaborada pelo WWF-Brasil lembrou que a temporada seca está só no início e que, historicamente, os incêndios no Pantanal se concentram entre agosto e outubro, com um pico em setembro. Ou seja, o quadro ainda pode piorar.
Já há muito tempo ambientalistas cobram que somente uma legislação nacional mais restritiva específica para o Pantanal vai ser capaz de conter a sangria e evitar a descaracterização do bioma. Hoje, a planície alagada conta com regras estabelecidas pelo Código Florestal e por legislações estaduais, mas a demanda é que haja uma regulamentação nos moldes da Lei da Mata Atlântica.
Talvez as repetidas tragédias tenham criado a pressão necessária para que, finalmente, essa ideia se concretize. Ou não.
Digo isso porque, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando uma ação proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR), concluiu que o Congresso Nacional tem sido “omisso” em relação à proteção do Pantanal. A corte fixou um prazo de 18 meses para que o Legislativo defina normas específicas para o bioma.
No entendimento do (pasmem) ministro “terrivelmente evangélico” André Mendonça, que foi o relator do caso, o Congresso não concretizou, em lei, uma proteção especial ao bioma, como previsto na Constituição. A Carta estabelece que a Amazônia, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal e a Zona Costeira são patrimônio nacional.
“A expressão [patrimônio nacional] traz uma excepcional e diferenciada posição a esses biomas, a merecer tratamento legislativo específico. De um lado, demanda que se tenha tratamento que se preserve a soberania nacional. De outro, que se dê especial proteção a um patrimônio que não é só brasileiro, mas da humanidade e de futuras gerações”, disse Mendonça, conforme registrado em reportagem da Folha. O entendimento dele foi acompanhado por oito ministros. Apenas dois votaram contra.
Foi a brecha que a deputada federal Camila Jara (PT-MS) estava precisando. Já há alguns meses ela vinha trabalhando em uma proposta para, justamente, aumentar a proteção do Pantanal. A decisão do STF criou o momento perfeito para protocolar o projeto de lei (PL), o que ocorreu nesta quarta-feira.
A deputada compartilhou o PL com a Agência Pública e explicou que um dos principais pontos do texto é a obrigatoriedade de elaboração de um plano de manejo integrado do fogo por estados e municípios. “O Pantanal está pegando fogo e a situação pode ficar bem pior que em 2020. Mesmo com o lançamento do Prevfogo [do Ibama], a situação está grave. A ideia com a obrigatoriedade do plano é aportar recursos para que se consiga um trabalho integrado entre os entes”, disse.
O PL prevê também um esforço de aumento da conservação, com a criação de um programa de incentivos financeiros. A ideia é ampliar em 60 metros as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e subir para 50% as áreas de Reserva Legal dentro das propriedades rurais. Pelo Código Florestal, os proprietários no Pantanal só precisam manter 20% da terra protegidos.
“A gente prevê incentivos para a ampliação, e não uma punição para quem não cumprir”, complementou. A expectativa da deputada é usar recursos dos fundos estaduais previstos nas legislações de MT e MS. O PL contempla, também, a criação de um selo de sustentabilidade para os produtores que seguirem essa proteção maior. “Queremos premiar quem fizer sua parte.”
Hoje, os dois estados já têm legislações próprias, mas elas trazem níveis diferentes de proteção e de conceitos de uso econômico. “Nosso projeto teve o compromisso de pegar o melhor das duas leis e conciliar as demandas socioeconômicas com a proteção do ecossistema”, disse Jara. Segundo ela, há apoio do governo ao projeto, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria se comprometido em colocá-lo em votação.
A decisão do STF é uma oportunidade para isso, mas também cria um risco. “A gente entende que é urgente [votar] porque a gente já teve outras legislações apresentadas que não andaram por conta dos interesses, principalmente da frente do agronegócio, mas também é um sinal de alerta”, afirmou a deputada.
“Corre o risco de ser aprovado outro projeto mais brando do que as legislações estaduais, que não especifica nem ajuda a gente a prevenir o fogo, por exemplo, que é uma das grandes questões que a gente está apresentando. Então a gente tem que usar esse prazo [de 18 meses] em favor de uma legislação que respeite a geração socioeconômica, mas também ajude na conservação ambiental”, pontua.
Com o peso da bancada ruralista, o medo dela faz sentido.