O estado de São Paulo lidera o aumento do número de mortes em decorrência de intervenções policiais em relação à população, segundo o levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2024, divulgado nesta quinta-feira, 24 de julho. O aumento foi de quase 61%, quando comparado com 2023, o que fez com que as polícias paulistas ficassem à frente de estados como o Rio de Janeiro e a Bahia, que apresentaram redução nos mesmos índices, de 19% e 8%, respectivamente. A violência em São Paulo levou à morte de 813 pessoas por ações da polícia.
O estado vem na contramão da média nacional, que apresentou redução de 3% nos índices de letalidade policial a cada 100 mil habitantes, de 2023 para 2024. Os outros estados que também apresentaram aumento nesse índice foram Minas Gerais (45%), Ceará (30%), Maranhão (22%), Piauí (19%, Espírito Santo (19%), Paraná (16%), Tocantins (15%), Alagoas (13%) e Pará (12%).
A letalidade das polícias paulistas aumentou sistematicamente desde 2023, o ano em que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu o governo do estado e nomeou o ex-tenente das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), o deputado federal Guilherme Derrite (PL), como seu secretário de segurança pública.
Por que isso importa?
- Letalidade policial cresce em São Paulo, enquanto a média nacional apresentou redução de 3%;
- Dados do Anuário revelam que as chances de uma pessoa preta ou parda ser morta pelas polícias é 3,5 vezes maior do que uma pessoa branca.
A Operação Verão, a mais letal da história do estado de São Paulo depois do massacre do Carandiru (1992), fez com que Santos e São Vicente se tornassem os segundo e o terceiro municípios do país com a maior proporção de mortes causadas por policiais dentro do total de mortes violentas. Nas duas cidades, mais de 66% de todas as mortes violentas no ano foram causadas por policiais. Os dois municípios só ficam atrás de Itabaiana, em Sergipe, que lidera com 75,6%.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse, por meio de nota, que “não comenta estudos cuja metodologia desconhece. Os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) reduziram 3,86% nos cinco primeiros meses do ano ante o mesmo período do ano passado. Por determinação da SSP, todas as ocorrências dessa natureza são investigadas pelas corregedorias das polícias Civil e Militar, com acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário”. Leia a nota na íntegra.
A Agência Pública revelou, em fevereiro de 2025, que na gestão de Tarcísio e Derrite houve aumento de 13% no número de crianças e adolescentes mortos em decorrência de intervenções policiais. O índice apresentou alta pelo segundo ano consecutivo.
Um dos casos trazidos pela reportagem, na época, é o de Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 16 anos, que foi morto por policiais militares, após uma suposta troca de tiros na comunidade Morro do São Bento, em Santos, no litoral paulista, em novembro de 2024. Ele estava acompanhado de um amigo, de 15 anos, que também ficou ferido, mas sobreviveu. A versão apresentada pelos policiais, na ocasião, foi contestada pela família e pelo advogado do adolescente sobrevivente.
“No dia do incidente, a vítima estava apenas dando uma volta de moto com seu amigo, Gregory, como qualquer outro adolescente faria. Ambos nunca haviam se envolvido em qualquer tipo de infração e estavam apenas curtindo o momento. No entanto, foram abordados abruptamente por policiais que dispararam contra eles sem qualquer provocação. L. H. e Gregory não estavam armados e não estavam cometendo nenhum crime”, disse Renan Gomes, advogado da vítima que sobreviveu.
Violência em São Paulo atinge mais jovens pretos e pardos
“Outra característica que revela a seletividade da letalidade policial no Brasil é o perfil por raça/cor das vítimas. Analisando os dados com esse recorte temos uma dimensão do quanto o racismo estrutural se faz presente na vitimização por forças de segurança no Brasil”, destaca o estudo.
O recorte racial, trazido pela pesquisa, revela que a violência em São Paulo atinge de forma desproporcional as pessoas: as chances de uma pessoa preta ou parda ser morta pelas polícias é 3,5 vezes maior do que uma branca.
O entregador Gabriel Ferreira Messias da Silva, um jovem pardo de 18 anos, é parte dessa estatística. Ele foi morto por policiais militares do 4º Batalhão de Ações Especiais da Polícia Militar (BAEP), na Zona Leste de São Paulo, em novembro de 2024.
Segundo testemunhas ouvidas no processo, Silva ainda estava sem habilitação e a moto era recém-comprada. Na tentativa de fugir da abordagem, por receio de ter seu meio de transporte e ferramenta de trabalho apreendido, o jovem tentou fugir da abordagem. No entanto, ele se desequilibrou e caiu com o veículo ao entrar no cruzamento das ruas Belém Santos e Colônia Leopoldina.
De acordo com os autos, ainda no chão e com as mãos para cima, sem apresentar resistência de acordo com as pessoas que presenciaram a cena e ouvidas no processo, o sargento Ivo Florentino dos Santos, do 4º BAEP, disparou no peito esquerdo de Silva. O jovem chegou a ser socorrido, mas morreu no Hospital Ermelino Matarazzo.
Na delegacia, o sargento Ivo e o soldado Ailton Severo do Nascimento apresentaram a versão padrão das crônicas policiais: a de que Gabriel Silva teria apontado uma arma na direção dos agentes, que revidaram e dispararam contra o jovem, mas as testemunhas e a câmera corporal de um dos agentes foram essenciais para que a história tivesse um novo desfecho.
A câmera corporal de um dos policiais não registrou o momento em que uma suposta arma foi apreendida com Silva e o laudo pericial, obtido pela Agência Pública, também não concluiu que o revólver de calibre 38 pertencia ao entregador.
Ao analisar as imagens das câmeras corporais, as versões apresentadas pelos PMs e o depoimento de testemunhas, o juiz Renan Oliveira Zanetti, da 3ª Vara do Júri do Foro Criminal da Barra Funda, ordenou o afastamento dos agentes das atividades policiais, que hoje realizam funções administrativas, até a conclusão do caso.
Segundo a SSP, o inquérito policial militar foi concluído e relatado à Justiça Militar e “os policiais envolvidos permanecem afastados de suas funções. Paralelamente, o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) conduz uma investigação sigilosa, com o objetivo de esclarecer integralmente os fatos”.
Depois de analisar os mais de 6 mil de casos de mortes em decorrência de intervenção policial, por todo o território brasileiro, o estudo concluiu que existem “disparidades regionais e a concentração das vítimas em segmentos específicos – como jovens negros do sexo masculino – expõem os limites das políticas públicas de segurança e reforçam a urgência de ações estruturantes voltadas à prevenção, à responsabilização e à proteção de grupos historicamente vulnerabilizados.”