Há dois nomes muito presentes nos relatos de violências sofridas pelos produtores do sul de Lábrea (Amazonas): Celso Ribeiro e Nilo Lemos. Além de serem donos de grandes áreas de terra na região, os fazendeiros têm outra coisa em comum: estão na lista de pessoas investigadas pelos crimes de extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte a liderança rurais. Muitos já tiveram prisão preventiva decretada.
Celso Ribeiro é dono da fazenda de gado Água Verde e foi prefeito da cidade Senador Guimard, no Acre. Ele aparece no inquérito policial como mandante da ação de quatro de seus funcionários, conhecidos como “De Manaus”, “Daziel”, “Polaco” e “Sebastião” – todos com a prisão decretada e posteriormente revogada.
Segundo agricultores ouvidos pela reportagem, Celso teria começado a invadir suas terras em 2009. Segundo os depoimentos, depois de colocar uma cerca e uma porteira, um funcionário teria começado a fazer a “ronda” para forçar a saída dos que moravam há décadas no local. Os relatos remontam que ele passaria atirando para cima e, pelo menos uma vez, o tiro teria pego em uma casa.
“O Celso contratou uns 15 jagunços para ameaçar a gente”, diz uma produtora que morava no local há mais de 30 anos e foi expulsa pela quadrilha. Ela já foi ameaçada e não quer se identificar pois teme a retaliação. “Eles passavam atirando para cima, diziam que íam fazer nossa cabeça. Fizeram cerca e porteira para a gente não entrar na nossa própria terra e colocaram uma guarita com guaxeba [segurança] armado”.
Celso não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.
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Já “Doutor Nilo”, como Nilo Lemos é conhecido na região, é dono da fazenda Rio Novo. A fazenda avança dentro de uma área onde viviam mais de 30 seringueiros – muitos dos quais nasceram ali e pleiteavam transformar a terra em área extrativista.
É possível ver as cercas e placas com o nome da fazenda fechando as trilhas por onde os seringueiros chegavam em casa. Assustados com as ameaças que teriam sido feitas por funcionários armados da fazenda, alguns seringueiros localizados pela reportagem contam que tiveram de fugir. Os que resistem estão cada vez mais encurralados. Com as passagens bloqueadas, eles só conseguem chegar em casa pelos rios. Mesmo assim, há dias em que o curso amanhece bloqueado por toras de madeira, impedindo a passagem.
Esses relatos foram colhidos pela reportagem e estão formalizados em denúncias encaminhadas pela Comissão Pastoral da Terra e Central Única dos Trabalhadores para o governo federal e do Amazonas. Os seringueiros não querem se identificar pois temem represálias.
Segundo os depoimentos colhidos pela reportagem, os seringueiros convivem com violências cotidianamente. Uma delas teria ocorrido há quatro anos. Depois de fechar as estradas e avisar que eles não podiam entrar na terra onde vivem e trabalham, um grupo de pistoleiros teria passado a fazer ronda na área. Em uma delas, três homens com rifles teriam cruzado com um jovem de 14 anos que estava caçando dentro do terreno onde nasceu. O relato diz que eles revistaram o jovem e depois o humilharam com ameaças e agressões físicas.
Segundo os relatos, o procedimento padrão do grupo com os adultos é fazer uma revista e depois levar os seringueiros até a sede da fazenda para “liberação”. Há diversas denúncias de seringueiros que teriam sido obrigados a andar quilômetros sob a mira de pistolas para conseguir a liberação. Alguns pistoleiros usariam linguajar de polícia, dizendo que o seringueiro “está detido”. Há relatos de pessoas que viram o grupo usando farda com estampa imitando a do exército: calça, camisa e bota coturno.
Procurado pela reportagem, Nilo Lemos não deu entrevista. A reportagem recebeu o retorno de um homem que se identificou como filho e advogado do fazendeiro, mas que não autorizou a publicação de seu próprio nome. Ele disse que não há conflitos na fazenda Rio Novo e que a reportagem será processada se publicar “essa informação inverídica”.
Caso conhecido
Além de fazer parte de inquérito policial, o caso da fazenda Rio Novo é bastante conhecido por quem trabalha na região. “Nilo é um fazendeiro grande, um grileiro, suas terras são quase todas públicas. A área dele é tida como uma das que mais provoca conflitos agrários”, diz o desembargador Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ele avalia que o caso é tão evidente que dificilmente Nilo vai conseguir títulos para essas fazendas quando o programa Terra Legal terminar o processo de regularização fundiária na região.
Mas pode haver entendimentos diferentes dentro do mesmo ministério. Segundo Shirley Nascimento, secretária de Regularização Fundiária da Amazônia Legal, há, até agora, 21 títulos negados no sul de Lábrea. Mas a equipe não encontrou nenhuma fazenda dentro dessas propriedades. “As áreas que tiveram o título negado eram de floresta densa, não encontramos nada. Portanto, não tem retomada da terra e não vamos dar notificação [para o fazendeiro sair].”, afirma. A secretária não soube precisar, porém, se a fazenda Rio Novo já foi analisada.
Durante a entrevista, a secretária não usou a palavra “grilagem”. Ela substituiu o termo por “parcelamento de terra pública” e “uso indevido de terra da união”. Quando perguntei se estava deliberadamente evitando a palavra, Shirley explicou: “Algumas pessoas que têm hectares a mais de terra podem ser regularizados, o médio proprietário não pode ser chamado de grileiro. Não quero cometer injustiças”.
Leia a primeira parte: “Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “eles vão me matar”
*publicado originalmente em 1/3/2012