O projeto de assentamento Ypiranga, situado no município de Trairão, no oeste paraense, reúne alguns dos principais problemas de conflitos fundiários na Amazônia Legal. Reconcentração de terra, desmatamento acentuado, ausência de fiscalização eficiente, ameaças de morte, homologações indevidas, indícios de corrupção. Tudo isso aparece no local, criado em dezembro de 1998. O caso está no relatório-denúncia “Amazônia, um bioma mergulhado em conflitos”, produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), também lançado em fevereiro deste ano.
Os conflitos no assentamento tornaram-se mais significativos a partir da segunda metade da década de 2000. Para a CPT, houve a inclusão de pessoas sem perfil de reforma agrária por um antigo servidor. Os falsos beneficiários pertenciam a algumas famílias do Paraná e foram incluídos na relação de beneficiários entre 2005 e 2006. “O relato das famílias que estavam lá de fato é que esses ocupantes nunca tinham morado lá, eles moravam no Paraná. Os lotes estavam abandonados. Eu acredito até que esses lotes estavam para ser vendidos”, relata um servidor do Incra ouvido pela Pública que pediu para não ser identificado.
Com os lotes destinados aos paranaenses não ocupados, pequenos agricultores locais, sob incentivo do próprio Incra, construíram suas casas nas terras. A partir de 2010, os paranaenses passaram a reivindicar os lotes de que constavam como beneficiários. No ano seguinte, começa uma batalha judicial que se arrasta até hoje. Há duas ações correndo na Justiça do Pará pedindo a reintegração de posse dos lotes em favor das famílias do Paraná. No curso dessas ações, já foram realizados três despejos contra os agricultores.
Após os dois primeiros despejos ocorridos no PA Ypiranga, os moradores protestaram e encaminharam uma série de ofícios ao Incra denunciando irregularidades por parte dos paranaenses. O Incra realiza, então, um levantamento prévio para averiguar denúncias de reconcentração de lotes no assentamento em outubro de 2012. “Ali a gente constata que as famílias que estavam ocupando os lotes antes do despejo tinham, de fato, perfil da reforma agrária e deveriam ter sido regularizadas pelo Incra já. Essas famílias ocupavam os lotes pelo menos desde 2006. Quem constava nas relações de beneficiários do Incra eram famílias do Paraná que nunca colocaram os pés no assentamento”, afirma um servidor do Incra que participou da vistoria em 2012.
Nos anos seguintes, o Incra fez outras três vistorias. A primeira delas confirmou algumas afirmações dos paranaenses, mas as seguintes criticaram o rigor técnico da primeira, deram razão aos pequenos posseiros e solicitaram a exclusão de várias famílias do Paraná da relação de beneficiários do assentamento. A contestação do caso ainda segue na Justiça. O processo foi remetido para a Vara Agrária de Santarém. A Pública não conseguiu contato com os advogados que representam as famílias do Paraná na Justiça.
“Nós identificamos uma grande quantidade de lotes reconcentrada no assentamento, já notificamos os responsáveis e solicitamos a devolução dos lotes. Também solicitamos a exclusão dos ocupantes irregulares, mas o caso ainda segue na Justiça. Foi um dos casos que conseguimos dar um encaminhamento na superintendência nos seis meses em que eu passei lá”, afirma o ex-superintendente Regional do Incra em Santarém (SR-30), Claudinei Chalito.
Em entrevista à Pública, a atual comandante da SR-30 em Santarém, Elita Beltrão, reconheceu os erros do órgão no conflito do PA Ypiranga. “Houve falha no procedimento de homologação do Incra. Foram incluídas famílias sem perfil de reforma agrária. Por isso que a gente está revendo esses procedimentos. Nós estamos trabalhando para identificar quem homologou essas famílias, em que data, queremos saber se o processo foi bem instruído para punir os responsáveis”, afirma. Segundo a superintendente, o Incra pretende intensificar as supervisões ocupacionais no assentamento para identificar todas as famílias que receberam lotes indevidamente. O Incra já está movendo ações judiciais contra algumas destas famílias.